terça-feira, 14 de janeiro de 2014

SOLIDÃO por Mia Couto


Tela: A Mulher Só

Aproximo-me da noite 
o silêncio abre os seus panos escuros 
e as coisas escorrem 
por óleo frio e espesso

Esta deveria ser a hora 
em que me recolheria 
como um poente 
no bater do teu peito 
mas a solidão 
entra pelos meus vidros 
e nas suas enlutadas mãos 
solto o meu delírio

É então que surges 
com teus passos de menina 
os teus sonhos arrumados 
como duas tranças nas tuas costas 
guiando-me por corredores infinitos 
e regressando aos espelhos 
onde a vida te encarou

Mas os ruídos da noite 
trazem a sua esponja silenciosa 
e sem luz e sem tinta 
o meu sonho resigna

Longe 
os homens afundam-se 
com o caju que fermenta 
e a onda da madrugada 
demora-se de encontro 
às rochas do tempo.

Mia Couto



Nenhum comentário:

Postar um comentário