sexta-feira, 22 de março de 2019

MARX ESTAVA CERTO... SOBRE O CAPITALISMO por John Gray


A estátua inaugurada, no sábado 05/05/2018, dia de aniversário do filósofo, Karl Marx, foi presente da República Comunista da China para a Alemanha em homenagem aos 200 anos de nascimento do filósofo
Marx pode ter errado sobre o comunismo, mas estava certo sobre o capitalismo, diz Gray

Como efeito colateral da crise financeira, mais e mais pessoas estão começando a pensar que Karl Marx estava certo. O grande filósofo, economista e revolucionário alemão do século 19 acreditava que o capitalismo era radicalmente instável.

Ele tem uma tendência intrínseca de produzir avanços e fracassos cada vez maiores, e no longo prazo, ele estava destinado a se autodestruir.

Marx saudava a autodestruição do capitalismo. Ele era confiante que uma revolução popular ocorreria e daria origem um sistema comunista que seria mais produtivo e muito mais humano.

Marx estava errado sobre o comunismo. Aquilo sobre o que ele estava profeticamente certo era a sua compreensão da revolução do capitalismo. Não era somente a instabilidade endêmica do capitalismo que ele compreendia, embora neste sentido ele fosse muito mais perspicaz do que a maioria dos economistas da sua época e da nossa.

Mais profundamente, Marx compreendeu como o capitalismo destrói a sua própria base social - o meio de vida da classe média. A terminologia marxista de burguês e proletário tem um tom arcaico.

Mas quando ele argumentava que o capitalismo iria arrastar as classes médias a algo parecido com a existência precária dos sobrecarregados trabalhadores de sua época, Marx previu uma mudança na maneira como vivemos à qual só agora estamos lutando para nos adaptarmos.

 escreveu o Manifesto Comunista com Friedrich Engels


Ele via o capitalismo como o sistema econômico mais revolucionário da história, e não pode haver dúvida de que ele se diferencia daqueles que vieram antes dele.

Os caçadores e coletores persistiram nesta forma de vida por milhares de anos, enquanto as culturas escravagistas permaneceram assim por quase o mesmo tempo, e as sociedades feudais sobreviveram por muitos séculos. Em contraste, o capitalismo transforma tudo que ele toca.

Não são só as marcas que estão mudando constantemente. As empresas e as indústrias são criadas e destruídas em um fluxo incessante de inovação, enquanto as relações humanas são dissolvidas e reinventadas em novas formas.

O capitalismo foi descrito como um processo de destruição criativa, e ninguém pode negar que ele foi prodigiosamente produtivo. Praticamente qualquer um que esteja vivo na Grã-Bretanha hoje tem uma renda real maior do que eles teriam se o capitalismo nunca tivesse existido.

Retorno negativo
O problema é que entre as coisas que foram destruídas no processo está o estilo de vida do qual o capitalismo dependia no passado.

Defensores do capitalismo argumentam que ele oferece a todos os benefícios que, na época de Marx, eram desfrutados somente pela burguesia, a classe média estabelecida que possuía capital e tinha um razoável nível de segurança e liberdade em suas vidas.

No capitalismo do século 19, a maioria das pessoas não tinha nada. Elas viviam de vender o seu trabalho, e quando os mercados entravam em queda, eles enfrentavam tempos difíceis. Mas à medida que o capitalismo evolui, seus defensores dizem, um número crescente de pessoas pode se beneficiar dele. 

Os mercados apresentam muita volatilidade


Carreiras bem-sucedidas não serão mais a prerrogativa de uns poucos. As pessoas não terão dificuldades todo mês para subsistir com base em um salário inseguro. Protegidos pelas economias, pela casa que possuem e uma pensão decente, eles serão capazes de planejar suas vidas sem medo.

Com o crescimento da democracia e a distribuição da riqueza, ninguém precisará ser privado da vida burguesa. 

Todo mundo poderá ser da classe média.

Na verdade, na Grã-Bretanha, nos EUA e em muitos outros países desenvolvidos nos últimos 20 ou 30 anos, o contrário vem ocorrendo. A segurança do emprego não existe, as atividades e as profissões do passado em grande parte acabaram e as carreiras que duram uma vida inteira são meramente lembranças.

Se as pessoas têm qualquer riqueza, isto está nas suas casas, mas os preços dos imóveis nem sempre crescem. Quando o crédito fica restrito como agora, eles podem ficar estagnados por anos. Uma minoria cada vez menor pode contar com uma pensão com a qual pode viver confortavelmente, e não são muitos os que tem economias significativas.

Mais e mais pessoas vivem um dia de cada vez, com pouca noção do que o futuro pode reservar. As pessoas da classe média costumavam imaginar as suas vidas desdobradas em uma progressão ordenada. Mas não é mais possível olhar para uma vida como uma sucessão de estágios em que cada um é um passo dado a partir do último.

No processo da destruição criativa, a escada foi afastada, e para um número cada vez maior de pessoas, uma existência de classe média não é mais sequer uma aspiração.

Assumindo riscos
Enquanto o capitalismo avançava, ele devolveu as pessoas a uma nova versão da existência precária do proletariado de Marx. As nossas rendas são muito maiores, e em algum grau nós estamos protegidos contra os choques por aquilo que resta do Estado de bem-estar social do pós-guerra.

Mas nós temos muito pouco controle efetivo sobre o curso das nossas vidas, e a incerteza na qual vivemos está sendo piorada pelas políticas voltadas para lidar com a crise financeira.

As taxas de juros a zero em meio a preços crescentes querem dizer que as pessoas estão tendo um retorno negativo de seu dinheiro, e ao longo do tempo o seu capital está se erodindo.

Hoje, não existe o porto seguro. As rotações do mercado são tais que ninguém pode saber o que terá valor dentro de alguns anos. 

A situação de muitas das pessoas mais jovens é ainda pior. Para adquirir os talentos de que precisa, a pessoa tem de se endividar. Já que em algum ponto será necessário se reciclar, é preciso tentar economizar, mas se a pessoa está endividada desde o começo, esta é a última coisa que ela poderá fazer.

Não importa a sua idade, a perspectiva que a maioria das pessoas enfrenta é de uma vida de insegurança.

Ao mesmo tempo em que privou as pessoas da segurança da vida burguesa, o capitalismo criou o tipo de pessoa que vive a obsoleta vida burguesa. Nos anos 80, havia muita conversa sobre valores vitorianos, e propagandistas do livre mercado costumavam argumentar que ele traria de volta para nós os íntegros valores de outrora.

Para muitos, as mulheres e os pobres, por exemplo, estes valores vitorianos podem ser bastante ilógicos em seus efeitos. Mas o fato mais importante é que o livre mercado funciona para corroer as virtudes que mantêm a vida burguesa.

Quando as economias estão se perdendo, ser econômico pode ser o caminho para a ruína. É a pessoa que toma pesados empréstimos e não tem medo de declarar a insolvência que sobrevive e consegue prosperar.

Quando o mercado de trabalho está altamente volátil, não são aqueles que se mantém obedientemente fiéis a sua tarefa que são bem-sucedidos, e sim as pessoas que estão sempre prontas para tentar algo novo e que parece mais promissor.

Em uma sociedade que está sendo continuamente transformada pelas forças do mercado, os valores tradicionais são disfuncionais, e qualquer um que tentar viver com base neles está arriscado a acabar no ferro-velho.

Vasta riqueza
Olhando para um futuro no qual o mercado permeia cada canto da vida, Marx escreveu no 'Manifesto Comunista': 

"Tudo que é sólido se desmancha no ar". Para alguém que vivia na Grã-Bretanha no início do período vitoriano - o Manifesto foi publicado em 1848 -, isto era uma observação incrivelmente perspicaz.

Naquela época, nada parecia mais sólido que a sociedade às margens daquela em que Marx vivia. Um século e meio depois, nos encontramos no mundo que ele previu, onde a vida de todo mundo é experimental e provisória, e a ruína súbita pode ocorrer a qualquer momento.

Medidas de austeridade para reduzir dívida grega acabaram em revoltas


Uns poucos acumularam uma vasta riqueza, mas mesmo isso tem uma característica evanescente, quase espectral. Na época vitoriana, os muito ricos podiam relaxar, desde que eles fossem conservadores com a maneira como eles investiam seu dinheiro. Quando os heróis dos romances de Dickens finalmente recebem sua herança, eles nunca mais fazem nada na vida.

Hoje, não existe o porto seguro. As rotações do mercado são tais que ninguém pode saber o que terá valor dentro de alguns anos.

Este estado de inquietação perpétua é a revolução permanente do capitalismo, e eu acho que ele vai ficar conosco em qualquer futuro que seja realisticamente imaginável. Nós estamos apenas no meio do caminho de uma crise financeira que ainda deixará muitas coisas de cabeça para baixo.

As moedas e os governos provavelmente ficarão de ponta-cabeça, junto de partes do sistema financeiro que nós acreditávamos estar a salvo. Os riscos que ameaçavam congelar a economia mundial apenas três anos atrás não foram enfrentados. Eles foram simplesmente deslocados para os Estados.

Não importa o que políticos nos digam sobre a necessidade de controlar o déficit. Dívidas do tamanho das que foram contraídas não podem ser pagas. Elas quase que certamente serão infladas - um processo que está destinado a ser doloroso e empobrecedor para muitos.

O resultado só pode ser mais revoltas, em uma escala ainda maior. Mas isto não será o fim do mundo, ou mesmo do capitalismo. Aconteça o que acontecer, nós ainda teremos que aprender a viver com a energia mercurial que o mercado emitiu.

O capitalismo levou a uma revolução, mas não a que Marx esperava. O feroz pensador alemão odiava a vida burguesa e queria que o comunismo a destruísse. E assim como ele previu, o mundo burguês foi destruído.

Mas não foi o comunismo que conseguiu esta proeza. Foi o capitalismo que eliminou a burguesia.

quinta-feira, 21 de março de 2019

E AGORA, HADDAD?


A entrevista de Haddad ao blog Inconsciente Coletivo, de Morris Kachani, hospedado no Estadão, está excelente. Haddad consegue analisar com muita ponderação, e a necessária dureza semântica, diversos aspectos do governo Bolsonaro. A íntegra pode ser lida abaixo. 

Há pontos na entrevista que, por darem oportunidade para alguma polêmica, achei dignos de serem comentados. Reproduzo, por exemplo, o trecho abaixo.


Qual a sua visão sobre o bloco de oposição que está se formando? Seguimos replicando o modelo de desagregação do segundo turno?
Eu acho que, assim como o bloco da situação ainda não está plenamente constituído, é natural que o bloco da oposição também esteja em fase de constituição. Mas já há um núcleo básico que pode ser observado. Nas bancadas do PT, PSOL, PCdoB, PSB com certeza; não diria juntos, mas articulados. E acredito que essa carta recém-publicada dos governadores do nordeste seja muito significativa. Porque são governadores progressistas e que marcam posição de uma maneira muito ativa, muito responsável e politicamente madura, inaugurando uma forma de interação com o Governo Federal muito interessante. Eu diria que são dois movimentos, o das bancadas desses quatro partidos e dos governadores do nordeste que realmente são uma novidade.

Haddad fala de “núcleo básico” de um “bloco de oposição”, formado “com certeza” pelas bancadas de PT, PSOL, PCdoB e PSB. Este núcleo estaria, segundo o petista, “não diria juntos, mas articulados”. Ele deixa de fora o PDT, que o repórter irá mencionar na pergunta seguinte, mas sobre o qual o ex-prefeito evitará qualquer comentário.

A menos que o ex-prefeito tenha informações que não partilhou com a repórter, e com ninguém, o que vemos, até agora no Congresso, são dois grupos: um formado por PT e PSOL, e outro por PDT, PSB e PCdoB, com estratégias distintas de atuação.

Alguns movimentos evidenciaram essas diferenças. Na votação de um projeto de lei em que havia risco de criminalização de movimentos sociais, PT e PSOL adotaram estratégia de votar contra o projeto em sua íntegra, ao passo que PSB, PDT e PCdoB negociaram com o relator a remoção dos itens específicos que comprometiam os movimentos, e votaram a favor. Houve até um certo burburinho após a votação porque o deputado Marcelo Freixo, do PSOL, fez um vídeo comemorando a “vitória do PSOL”. De fato, não seria errado afirmar que esses dois grupos, PT e PSOL de um lado, e PSB, PDT e PCdoB, de outro, atuaram conjuntamente, embora não sei se de maneira consciente, e a vitória pode ser atribuída a todas as legendas de esquerda, porque havia consenso, entre elas, contra os possíveis riscos que o projeto, não fosse modificado, levaria aos movimentos sociais. Mas havia duas estratégias diferentes na mesa – derrotar o projeto do governo, na íntegra, ou remover os itens perigosos – e a que prevaleceu foi a do PDT-PSB-PCdoB. Eu escrevi um post sobre o assunto.

Há outros movimentos em curso, que igualmente põem em evidência esses realinhamentos políticos, como uma reunião sobre a reforma da previdência, em que apenas representantes do PSB, PDT e PCdoB estiveram presentes.

Mais recentemente, os deputados Alessandro Molon (PSB), Tulio Gadelha (PDT) e o senador Randolfe Rodrigues (Rede), realizaram bate papo ao vivo sobre a conjuntura, em que também ficou claro uma sólida afinidade política entre, pelo menos, os setores mais vibrantes desses três partidos.

Em entrevista concedida ao Cafezinho, o líder do PDT na Câmara, o deputado André Figueiredo, opina que o PSB está mais próximo da estratégia trabalhista do que do PT.

No Senado, temos o bloco “Senado independente“, formado entre PDT, PSB, Rede e PPS, que é liderado pelo senador Vital do Rego, do PSB.

Haddad inclui, na resposta sobre os partidos, a iniciativa de governadores do nordeste de criarem um consórcio, como que atribuindo-lhe um viés partidário que, se de fato existe (e a fala de Haddad sugere isso), debilita os seus objetivos, na medida em que sua força residiria justamente na construção de consensos supra-partidários entre parlamentares da região, para exercer uma pressão coesa sobre o Congresso e o governo federal.

Pelas informações que temos, portanto, a resposta de Haddad refletiu mais um desejo do que uma realidade.

O repórter Morris Kachani não é especializado em política, senão dificilmente deixaria de provocar o ex-prefeito a explicar um pouco essas contradições de sua entrevista. Kachani tem um blog no Estadão em que aborda temas políticos, mas também (como deixa em destaque, na capa de seu blog), “coordena a área de conteúdo não-ficção da Prodigo Films, com séries e documentários para canais como HBO, A&E e Arte1”.

Haddad deixou transparecer a estratégia do PT, que é organizar um “bloco de oposição” formado pelo próprio PT, PSB, PCdoB e PSOL, mas do qual o PDT não faria parte. Até o momento, contudo, o que vemos é um esforço para emplacar uma narrativa.

O PCdoB integra formalmente o bloco do PDT, que alçou a deputada Jandira Feghali ao cargo de Líder da Minoria.

Nesse ponto, vale um comentário sobre uma situação inusitada, quase divertida. Apesar de Jandira ter conquistado esse cargo pela articulação do PDT, a comunicação da deputada nas redes deixa claro seus vínculos com as narrativas mais caras ao PT (Lula livre, Zé de Abreu presidente, etc), ao passo que Molon, que chegou a Líder da Oposição numa articulação com o PT, é alguém que parece se identificar mais com o trabalhismo de Ciro Gomes (ao qual apoiou no primeiro turno de 2018). PSB e PDT se coligaram no Rio de Janeiro, nas eleições legislativas para federal.

Outro ponto da entrevista que me parece curioso é o cuidado, quase obsessão, de Haddad, em usar o termo “centro-esquerda” para se referir ao PT e ao campo que o partido representa.

Em determinado trecho, em que o repórter menciona uma amiga que lhe pedira para perguntar “por que você não se desvencilha da mochila pesada do PT?”, Haddad responde o seguinte:
(…) eu penso que o PT ainda é o instrumento da classe trabalhadora. Se os trabalhadores quiserem transformar o Brasil, eles têm ainda à disposição esse instrumento. Sem prejuízo de reconhecer mérito em outras agremiações, eu penso que o PT é ainda o partido mais forte da centro-esquerda, em função do legado que deixou pra população mais frágil economicamente do país.

O uso insistente, por Haddad, do termo “centro-esquerda” é uma sutileza que pode parecer besteira, mas revela uma psicologia muito forte no PT, que é a importância que atribui a esse lado mais teatral, mais narrativo, da disputa política. Lembro-me que uma das polêmicas um tanto irritantes do primeiro turno das eleições presidenciais em 2018 aconteceu porque Ciro Gomes, em entrevista a uma revista norte-americana, afirmou que o Brasil não suportaria um governo “de esquerda”, e que o seu projeto seria de “centro-esquerda”.

Na disputa de narrativa acirrada daquele momento, muitos quadros petistas importantes (em especial das correntes mais à esquerda), além dos blogs mais próximos ao partido, recortaram apenas o trecho em que Ciro falava que o Brasil não suportaria um governo de esquerda, omitindo a continuação da frase, onde Ciro qualificava o seu próprio projeto com o epíteto de “centro-esquerda”. O Viomundo publicou post intitulado “Em entrevista, Ciro se posiciona para ser também o candidato da direita”, o 247 mancheteou que “O Brasil não precisa de um governo de esquerda, diz Ciro Gomes”.

No fundo, isso tudo reflete um vício negativo, e irritante, por parte de amplos setores da esquerda, muito denunciado por intelectuais progressistas, como o professor norte-americano Mark Lilla. O termo esquerda passa a ser visto como um selo “identitário”. Ser de esquerda deixa de ser uma bandeira universal, difusa, inspirada em valores como fraternidade, igualdade, liberdade, para se tornar uma qualidade auto-proclamada, uma propriedade que pertence a mim e não a você, e um motivo de discórdia entre movimentos irmãos.

Os partidos progressistas passam a se preocupar mais com golpes semânticos, com “narrativas”, que lhes permitam monopolizar para si epítetos hoje um tanto esvaziados, como “esquerda” e “centro-esquerda”, do que construir uma comunicação verdadeiramente popular, que não apenas use expressões mais simples, como também fale de coisas mais prosaicas e concretas, como mobilidade urbana, cinturão agrícola, saúde pública e limpeza.

A tentativa de forçar a construção de líderes e “blocos” de oposição a golpes de narrativa, não vai dar certo, assim como não deu emplacar pesquisas eleitorais favoráveis. O que vale é o voto, a realidade, o cotidiano da luta política. E aí que serão forjados as novas lideranças e os blocos.

Até as eleições de 2020, quando o pulso do povo será mais uma vez ouvido, continuaremos vulneráveis a todo tipo de manipulação narrativa, à esquerda e à direita, num processo viciado pela existência de “bolhas de opinião” que iludem os analistas mais experientes.




“Onde o Brasil constitui massa crítica? Na universidade pública. O pensamento nacional está na universidade pública, por isso que é sempre escolhida como alvo da direita. É de lá que sai o pensamento sobre soberania popular, soberania nacional, sobre visão estratégica do país. É lá que se forja uma visão coletiva de futuro.

Quando você tem um governo que é entreguista, é contra a soberania popular e nacional, um governo intimidatório de minorias políticas, há toda razão para esse governo ter medo das federais.

Eu acho que eles ainda estão tateando como vão fazer com as universidades o que estão fazendo com a imprensa, por exemplo. Não é diferente.

Uma coisa é você criticar a imprensa, outra coisa é intimidar, que é o que o governo está tentando fazer por meio das redes sociais. O próprio presidente dando nomes a serem atacados pela sua matilha virtual”.

“A ignorância do mandatário do país realmente choca os que dedicaram uma vida a estudar o Brasil. Ele desconhece praticamente todos os assuntos. Estamos falando de uma das pessoas menos qualificadas para o cargo que se podia imaginar”.

“A tentativa do Governo é de criar uma maioria tirânica pra tratar a minoria mais ou menos na chave do amigo-inimigo, que é um clássico dos governos de extrema-direita. A extrema-direita não tolera contestação, vinda de onde vier: imprensa, universidade, classe artística, comunidade científica. Tudo o que contesta o poder é tratado como inimigo”.

“O ultra neoliberalismo do Guedes quase que necessita de um complemento obscurantista pra poder passar. Eu entendo que essa agenda obscurantista é parte do enredo, tem um caldo de cultura que acaba contribuindo para um programa econômico ultra neoliberal”.

“Eu vejo espaço para uma reorganização político-partidária no Brasil, depois da hecatombe que aconteceu entre 2013 e 2018. Mas não vai ser em cinco semanas que você vai pôr ordem em cinco anos de delírio. Isso leva um tempo e trabalho sério, capacidade de organização”.

“Eu entendo que existe uma frustração. Tem toda uma decantação de narrativas que está acontecendo, vai levar um tempo, mas eu penso que o PT ainda é o instrumento da classe trabalhadora. Sem o prejuízo de reconhecer mérito em outras agremiações, eu penso que o PT é ainda o partido mais forte da centro-esquerda, em função do legado que deixou pra população mais frágil economicamente do país”.

“A diferença do Bolsonaro pro Lula é a diferença da mitomania pra mitologia. Um é um mitômano, o outro é mitológico.

Nós estamos nesse impasse de ter uma liderança da qualidade do Lula encarcerada, e o resultado disso tudo ocupando a Presidência de República.

O Lula vive as dores. Quando perdeu a Marisa, o irmão, o neto, quando nós perdemos a eleição; ele vive aquela dor. O que impressiona não é isso. O que impressiona é a capacidade dele de se recuperar de sucessivas dores”.

“O governo Bolsonaro está acabando com a previdência social em proveito de um regime de assistência universal para idosos de mais de 70 anos. É isso que está em pauta. Todo o resto é diversionismo.

Vai acabar a previdência. Aquele capítulo da Constituição sobre seguridade social, aborda saúde, previdência e assistência. O de previdência está suprimido. Vai ser um grande programa assistencial de um salário mínimo para amparar a velhice”.

“A conta não está fechando porque não se cria emprego. A conta não está fechando porque não se dinamiza o mercado de trabalho, por causa do calote na previdência, porque não cobram os devedores, porque dão isenções fiscais sem pensar nas consequências futuras. Tem uma fila de gente antes de chegar no trabalhador rural”.

*
Por três vezes, entrevistei o Fernando Haddad. Na primeira, em 2012, quando disputava a prefeitura de São Paulo, era uma promessa e tanto. Na segunda, em 2017, o homem que reunia todas as credenciais para aglutinar as forças da esquerda e do centro, em uma linha lógica depois de FHC e Lula.

Nesta última, há poucos dias, 47 milhões de votos depois, ainda comentei com ele, “para mim você é um enigma”.

Ao contrário de Bolsonaro, e talvez este seja um problema na selvagem arena política dos tempos atuais, Haddad, bacharel em direito, mestre em economia e doutor em filosofia pela USP, atualmente lecionando gestão e administração pública no Insper, não faz o estilo pé na porta do presidente, e tem na temperança, no calculismo e no estudo, um traço marcante.

Antes de encontrá-lo para esta entrevista, ainda tentei avaliar seu legado como ministro da educação (de 2005 a 2012), conversando com Mozart Neves, do Instituto Ayrton Senna, educador notável que infelizmente foi des-convidado por Jair Bolsonaro para assumir o MEC, em favor do obscuro Ricardo Vélez.

A entrevista portanto se divide em dois blocos. No primeiro, uma discussão mais aprofundada sobre a crise no MEC, e algumas palavras sobre a provocativa ideia de se criar uma Lava Jato da Educação, evocada pelo pensamento dominante do governo atual. Veja trecho:


Depois, uma questão mimetizada pelo ator José de Abreu, que jocosamente se auto-proclamou Presidente da República, colocando de alguma maneira em xeque uma certa apatia que parece ter tomado conta do pensamento oposicionista nestes primeiros meses de Jair Bolsonaro. Haddad, a propósito, é o presidente do Banco Central nesta aventura cômica, porque “quer enquadrar os bancos”.

Se diz que rir é o melhor remédio mas de Haddad se espera mais e mais, no mundo real. Qual seria o protagonismo do bloco de oposição e que espaço Haddad ocupa ou poderia ocupar? Em que medida o movimento Lula Livre agrega ou desagrega na composição de uma frente mais ampla de oposição? Qual afinal, o “recado das urnas”?

Em artigo recente, o cientista político André Singer, ex-porta voz de Lula, que aliás já foi entrevistado aqui no blog, comentou que está faltando uma frente de oposição capaz de apresentar alternativas convincentes a ponto de propiciar a formação de uma nova maioria no país.

Já vimos que, e este é um apêndice meu, com Ciro, FHC e a própria Marina de fora, a estratégia do segundo turno não funcionou.

E como um assunto ia puxando o outro, acabamos falando sobre a reforma da previdência, sobre a onda de conservadorismo, sobre a (tresloucada?) ida de Gleisi Hoffman para a posse de Maduro na Venezuela… e até sobre o Parque do Minhocão, que consta do Plano Diretor aprovado em sua gestão e que agora, de uma maneira enviesada em sua opinião, foi encampado pelo prefeito Bruno Covas.

Vamos começar falando sobre educação. Um tempo atrás eu entrevistei o Mozart Neves, do Instituto Ayrton Senna, que por um momento tinha sido cogitado e até convidado para ser ministro, e eu fiquei um pouco impressionado quando ele me contou que, em suas três décadas de militância, nunca tinha sequer ouvido falar no Ricardo Vélez, o atual titular da Educação.

Acho que foi comum a todos nós. No momento do anúncio as pessoas procuraram saber quem é, porque ninguém sabia. Eu mesmo fiquei positivamente surpreso com o boato de que Mozart seria nomeado ministro, porque é uma pessoa da área. Foi reitor, secretário da educação, conselheiro do Conselho Nacional da Educação. Mas aí a realidade se impôs e surgiu o nome do Vélez que, pra ser bem honesto, acho que ninguém conhece ainda. Porque não se sabe ainda o que é exatamente a gestão dele no Ministério da Educação.

O que dá pra falar sobre essa gestão do Ministério da Educação nesses primeiros meses? Tivemos a situação do hino nacional. Agora essa rixa entre olavistas e militaristas.

Tem alguns parâmetros que são úteis pra avaliar o começo de uma gestão. O primeiro é como você olha para educação superior, sobretudo a educação superior pública. Um governo de direita já tem preconceito com universidade pública. Um governo de extrema-direita quer destruir a universidade pública. Você veja que todas as menções que são feitas às universidades públicas são depreciativas. Não se vê mérito nas universidades federais por parte do governo Bolsonaro. Ao contrário, o que se vê são ameaças permanentes. O tempo todo ameaçando reitores, a autonomia, ameaçando uma intervenção; não bastasse o que aconteceu com o reitor da Federal de Santa Catarina. Paira uma nuvem muito cinzenta sobre as Federais, com ameaças, veladas ou não, praticamente diárias do ministro e do próprio Presidente da República. Isso já é bastante indicativo do que se pretende em relação à educação superior no Brasil.

Em relação à educação básica, o diagnóstico é de que falta disciplina nas escolas. E o ataque é obstinadamente contra as professoras do país. O que é curioso, porque se falta autoridade e disciplina na escola, falta empoderar essa figura que é central no processo de ensino e aprendizagem, que é a figura da professora. E eu falo professora, porque 85% da categoria são mulheres. Diante disso, qual o sentido de enfraquecer a imagem da professora perante os educandos?

Então, por onde quer que se olhe, tanto a educação superior quanto a básica, as ameaças à livre-docência, à autonomia, elas estão na ordem do dia.

E, pra piorar o cenário, nós temos o problema de que o governo acha que se gasta demais com educação. Esse é um grave problema, porque o Brasil passou todo o século XX – sem exceção de década ou presidente – sub investindo em educação. Enquanto países desenvolvidos investiam, em proporção ao PIB, de 4% a 5% em educação, o Brasil investia de 2% a 3%. A dívida educacional que nós temos é herdada do século XX.

Mesmo os militares, que governaram o país por vinte e um anos e são tomados por referência, investiram 50% da média dos países da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) em proporção ao PIB. O único presidente que superou a média da OCDE, foi justamente o Lula. Ele entrega o país investindo mais do que a média da OCDE.

Mas na educação básica, o custo por aluno mais que dobrou de 2000 pra cá. E os resultados não vieram, como era de se esperar. A estagnação se manteve.

A educação no Brasil é medida com um indicador de qualidade, que foi criado na minha gestão, chamado Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica), onde você mede em escola por escola a evolução do aprendizado. O que efetivamente podemos dizer sobre o Ideb de 2005 pra cá? Porque foi em 2005 que as coisas começaram a mudar.

A primeira coisa a se observar: dois terços do desempenho de um aluno vêm de casa, do background familiar. A escola representa um terço. Eu sou professor doutor da USP, assim como minha esposa; evidentemente que nossos filhos chegaram na escola com um tipo de formação pela dinâmica da própria casa, com todo aparato pra dar sustentação a uma criança desde o berço. Agora, pega uma família humilde do campo, que chega na escola com sete anos, com um vocabulário de 400 palavras; imaginar que a escola vai suprir todas suas deficiências é um equívoco. Então, em primeiro lugar temos que lembrar que os pais dos brasileiros têm baixa escolaridade.

Segundo lugar: o Ideb do Fundamental I – do primeiro ao quinto ano – superou a média estabelecida pelo próprio ministério. A meta do Fundamental II não foi atingida, mas houve um incremento substancial. O que estamos devendo? Um ensino médio de qualidade.

Que é o mais difícil.

Sim. E é quando a OCDE avalia os estudantes. O Brasil não conseguiu fazer chegar ao ensino médio a qualidade que já pode ser observada no ensino fundamental. E isso frustra os brasileiros, com toda a razão. Nós temos que entender qual a razão dos mecanismos utilizados com sucesso no ensino fundamental não terem tido os mesmos resultados no ensino médio.

Há Estados que estão demonstrando uma capacidade interessante de atuação no ensino médio. Pernambuco, por exemplo, estava na antepenúltima posição no Ideb e saltou pra o primeiro lugar fazendo educação de tempo integral, educação de ensino médio vinculada a educação profissional, mudança de currículo, formação de professores. Então tem jeito.

O que você deixou de fazer no Ministério?

Poderia passar a entrevista falando de tudo que fiz, mas a pergunta é direta, então vou dizer. No ensino médio, eu não completei a reforma que eu queria. Fizemos uma reforma do Sistema S (Senai, Sesc, Sesi e outros), obrigando os recursos a serem investidos em cursos gratuitos. Eu queria também pegar o dinheiro do sistema S e, ao invés de cortar 50% dos recursos, como recomenda o Bolsonaro, queria integrar o Sistema S ao ensino médio. Porque acho que o foco do sistema S deveria ser o apoio ao ensino médio público. Se nós conseguíssemos isso, teríamos dado o salto que não foi dado.

O sistema S resistiu. Toda a imprensa – inclusive o Estadão – fizeram editoriais contra a minha proposta. Essa proposta foi sabotada pelos próprios meios de comunicação. Não souberam avaliar a importância que teria para o jovem brasileiro, contar com todos os R$16 bilhões do sistema S num projeto de emancipação da juventude.

Estava lendo algumas coisas que o Bolsonaro andou falando sobre educação e suas propostas. E ele questiona essa porcentagem do PIB gasta com educação…

Ele desconhece praticamente todos os assuntos. Esse também. Não é novidade. A ignorância do mandatário do país realmente choca os que dedicaram uma vida a estudar o Brasil.

Tem esse papo da Lava Jato da Educação. Há uma discussão de que as mensalidades das faculdades particulares teriam aumentado mesmo com todo o suporte que foi dado a elas. E que aí talvez tivesse algo a ser investigado.

O MEC não regula preço de mensalidade. O modelo brasileiro de educação superior é majoritariamente privado e as escolas competem entre si.

Você acha que a Lava Jato da Educação é um mecanismo persecutório de um novo governo?

Já ouvi de tudo. Já ouvi que é pra intimidar as federais. Onde o Brasil constitui massa crítica? Na universidade pública. O pensamento nacional está na universidade pública, por isso que é sempre escolhida como alvo da direita. É de lá que sai o pensamento sobre soberania popular, soberania nacional, sobre visão estratégica do país. É lá que se forja uma visão coletiva de futuro.

Quando você tem um governo que é entreguista, é contra a soberania popular e nacional, um governo intimidatório de minorias políticas, há toda razão para esse governo ter medo das federais. Então, pode ser um lance de antecipação de problemas.

Tem muita especulação no ar sobre isso. Eu acho que eles ainda estão tateando como vão fazer com as universidades o que estão fazendo com a imprensa, por exemplo. Não é diferente.

Uma coisa é você criticar a imprensa, outra coisa é intimidar, que é o que o governo está tentando fazer por meio das redes sociais. O próprio presidente dando nomes a serem atacados pela sua matilha virtual.

O nome de uma repórter!

É uma matilha virtual que recebe mensagens diretas do presidente pra sair latindo atrás de profissionais da imprensa. Isso é temerário. Na minha opinião, o que eles estão tentando esboçar em relação às federais, livre-docência, liberdade crítica de expressão, é uma coisa muito parecida com o que já estão fazendo com alguns jornalistas.

Está chegando nas universidades?

Esses olavetes estão aí dizendo que os reitores das federais que se preparem, porque a tal da Lava Jato da Educação vai apurar todas as irregularidades.

O Tribunal de Contas da União sempre funcionou com toda a liberdade. A presidente Dilma foi impedida a partir de um relatório do Tribunal de Contas da União. Imagina um reitor. Se um presidente nunca esteve imune a fiscalização do Tribunal de Contas, por que um reitor estaria? Não faz nenhum sentido.

O que você pensa sobre a ideia da Lava Jato da Educação?

Eu teria uma manifestação a fazer se soubesse do que se trata. Outro dia ouvi uma especulação de que seria uma armadilha pra mim. Uma armadilha pra chegar no Haddad.

Já fui escrutinado e continuo sendo normalmente. Me parece uma atitude de intimidação das universidades públicas. Acho que são elas o real alvo dessa operação.

Você já leu alguma coisa do Olavo?

Não, não li. Me escapou (risos).

A obra dele tem valor acadêmico?

Olha, eu não gosto de falar de livro que não li. Quando falam dos meus sem ler, eu também não gosto. Não sei se é relevante ou não, porém, pelos meus pares que já enfrentaram um texto ou outro dele, me parece que não é algo que vá ficar.

Qual foi sua reação ao saber da história do hino?

O problema não é o hino, o problema é a carta do ministro que tinha o slogan do candidato. Acho que não tem paralelo na história do país um ministro mandar ler o slogan do candidato pras crianças numa escola. Isso não tem precedente.

E filmar.

Mandar filmar cantando o hino é um constrangimento, inclusive ilegal sem a autorização dos pais. Agora, mandar ler uma carta com slogan de candidato é improbidade administrativa, que deveria estar sendo apurada, inclusive.

Você conhece alguém dessa equipe?

Não, ninguém.

O que você espera desse ministério?

Pra ser honesto, nada. Torço pra que eles não tomem nenhuma atitude. Quanto menos fizerem, melhor. Porque é uma coisa espantosa esse ministério da Educação atual. É muito espantoso o que está acontecendo. Eles não têm 80 dias no cargo e estão se matando em torno de questões prosaicas, que não deviam nem estar sendo discutidas por pessoas com o mínimo de familiaridade com o tema.

Conversei com Mozart Neves sobre o Escola Sem Partido. A opinião dele é que, ainda que haja um caso ou outro, é um absurdo isso se tornar uma questão, que temos milhares de prioridades na frente disso.

Você está diante de um governo cujo atual presidente foi ao Jornal Nacional durante a campanha denunciar um livro que nunca chegou às escolas, dizendo que aquilo era parte de um kit para orientar as crianças sexualmente. Ele não saiu dessa vibração ainda, ele continua falando as coisas da campanha.

Eu fico perplexo de ver como tem certas pessoas que apoiam o Governo – e têm todo o direito de fazê-lo –, não reconhecem o tamanho desses equívocos. Porque é gente que sabe o que é uma escola, está educando os filhos. Seria bom que essas pessoas manifestassem um certo desconforto, para o bem do próprio Governo.

E sobre os professores. Acha que há um desencorajamento da classe?

Sim, quando você transforma uma categoria em inimigo público número um.

Quando o atual presidente grava uma mensagem estimulando alunos a filmarem o que eles chamam de “professores doutrinadores”. Acha que uma criança de 12 anos tem condição de avaliar uma coisa dessas? Que tipo de mensagem é essa?

E quem vai julgar? O Bolsonaro? Ele, que é uma pessoa pouco afeita a leitura, vai julgar professor? Ele vai dizer o que pode ou não pode entrar no Enem? Mesmo se ele fosse detentor de grande cultura, já seria um problema.

Você acha que pode haver uma fuga de cérebros?

Não sei. Os dados da receita federal de baixa de CPF continuam preocupantes. Se você contabilizar quem vem para o Brasil e quem deixa, o número de pessoas que deixam é muito maior, segundo dados do próprio governo. Agora, não temos ainda o mapeamento de quem está deixando, qual o perfil do brasileiro que deixa o país.

Será que rolou uma virada de chave no Brasil? A gente está entrando em uma nova era de conservadorismo mesmo?

Eu penso que há uma tentativa de mudança de regime. A chamada democracia liberal está em xeque hoje. O projeto atual tem uma coisa meio plebiscitária, que é antiliberal num certo sentido. Porque o liberalismo tem como um dos seus pressupostos conter qualquer tendência à tirania da maioria. A ideia de uma maioria tirânica é antiliberal.

Gesta-se uma democracia de tipo não-liberal no Brasil, com uma forte carga plebiscitária sobre qualquer tema, e que coloque em risco direitos civis e políticos. Ainda não está consolidada, ainda há reações. O Bolsonaro agride a imprensa. Há reação. Agride o pensamento crítico. Há reação. Agride o movimento social. Há reação. O dia que não houver mais…

A tentativa do Governo é de criar uma maioria tirânica pra tratar a minoria mais ou menos na chave do amigo-inimigo, que é um clássico dos governos de extrema-direita. A extrema-direita não tolera contestação, vinda de onde vier: imprensa, universidade, classe artística, comunidade científica. Tudo o que contesta o poder é tratado como inimigo.

Eu fico me perguntando se essas falas mais caricatas da Damares não representam o pensamento predominante.

Dei uma entrevista há alguns meses dizendo que o ultra neoliberalismo do Guedes quase que necessitava de um complemento obscurantista pra poder passar. Eu entendo que essa agenda obscurantista é parte do enredo, e o que a gente vê como caricatura não é bem uma caricatura. Está dialogando com uma camada da sociedade cujo preconceito vem sendo alimentado por vários mecanismos; tem muitas emissoras de TV e rádio degradantes e degradadas, pra não falar de charlatões no campo da cultura, da religião e tudo o mais. Então, isso tem um caldo de cultura que acaba contribuindo para um programa econômico ultra neoliberal.

Em 1999, entrevistei o Edir Macedo para uma capa da Veja. Me lembro de uma discussão muito grande sobre os evangélicos um dia tomarem o poder.

Ele nunca escondeu a pretensão de poder.

E agora eles tomaram o poder de uma certa maneira.

Me passaram uma projeção, que estou por confirmar, de que em 2024 os evangélicos serão maioria no Brasil.

Acho curioso que Record e SBT estejam em evidência crescente em termos de conexão com o governo e a Globo, decrescente. Isso sempre foi um sonho da esquerda mais renhida.

Na verdade, estamos falando de coisas diferentes. Estamos falando da quebra de um oligopólio. O Brasil é o único país que a audiência é tão concentrada numa única emissora, que tem um poder descomunal em relação à vida pública. Mas, não te tiro a razão, isso veio de um jeito inesperado.

Vamos falar sobre a Venezuela. Acha que o Maduro deve ficar?

Eu vejo do mesmo jeito que eu via durante a campanha, não mudei minha maneira de ver o problema. Achava que o Brasil não devia tomar partido, até pra poder ajudar. Como ajudou, por exemplo, em 2003, quando provavelmente evitamos um conflito armado entre Estados Unidos e Venezuela, na época do Chávez. O Lula fez a mediação e tivemos alguns anos de tranquilidade na região até a morte do Chávez, em 2013. Tivemos um longo período em que a Venezuela estava dentro dos conformes, lembrando sempre das tensões internas que são recorrentes naquele país.

Acho que o Lula teve um bom entendimento. Inclusive, quando o Chávez começou a comprar muito armamento russo, o Lula montou um organismo de segurança regional, um pouco pra acompanhar os movimentos dele.

E o Brasil foi fortemente beneficiado pelas boas relações que manteve com a Venezuela. Nosso saldo comercial com eles era enorme, se não me engano, de R$ 5 bilhões.

O Brasil conseguiu evitar a guerra, conseguiu fortalecer as instituições democráticas venezuelanas, conseguiu ter um comércio extraordinário com a Venezuela, muito proveitoso pra nós, de maneira que eu penso que ali era o paradigma a ser considerado de, efetivamente, a gente, como líder regional, evitar conflito armado, evitar posicionamento partidário, nos imiscuindo num território que não é o nosso. De certa maneira, até o presente momento, prevalece a nossa visão, mesmo no Grupo de Lima.

O Grupo de Lima afastou a ideia de uma intervenção militar, o que era a coisa mais importante a fazer. Na minha opinião, o Brasil, em outra conjuntura, defenderia a intervenção militar. Mas, diante da sua situação minoritária no Grupo de Lima, acabou recuando. Agora, o clã queria guerra.

A Gleisi Hoffman ter ido à posse do Maduro recentemente, não caiu muito bem.

Foi um gesto que, talvez, devesse ser mais bem comunicado. Era um gesto a favor da paz, da autodeterminação dos povos. Gestos precisam ser bem comunicados para que a intenção fique clara.

O PT tem uma resolução longa sobre determinação dos povos, e que foi a marca do nosso período frente ao governo.

Como está o PT? Eu senti um vácuo da oposição, depois das eleições. Não sei se é um movimento normal…

É natural que depois de 80 dias a oposição ainda não seja o assunto do momento. Até porque há legítimas expectativas.

Eu considero a bancada do PT na Câmara e no Senado da melhor qualidade, excelentes bancadas. Tem tudo pra aparecer bem: bons projetos, boas críticas, boas recomendações. E nós temos quatro governadores também de excelente qualidade. Fora os governos que nós apoiamos.

Você pretende fazer o quê? Como está pensando estrategicamente?

Não tenho projeto pessoal praticamente nunca. Nunca militei por mim mesmo. Quando saí da prefeitura, o Lula perguntou pra mim: “Qual seu projeto pessoal?”. Respondi: “Presidente, eu sou muito ambicioso pra ter um projeto pessoal”. Quero dizer, você é escalado pra posição A, B ou C em função do projeto que foi forjado com vistas à vitória. Aconteceu de eu ser candidato a Presidente da República. Poderia não ter sido eu.

Agora você é, naturalmente, um líder de oposição.

Estou fazendo meu papel. Estou contribuindo com o partido, conversando com as pessoas. Falo com os governadores, falo com a bancada, falo com os dirigentes. É um trabalho que não tem tanta visibilidade, mas é imprescindível pra forjar um projeto alternativo ao que está colocado. Existe um momento de formulação, de conversa. Acho que estão cobrando da oposição uma articulação muito prematura.

Sobre a presidência do PT. Você é um candidato natural?

Não tem essa conversa. Já disse que meu papel é outro, está bem estabelecido isso. Vai ter um processo natural de discussão interna.

Em termos de unidade de esquerda, Lula Livre é um tema que divide?

É natural que seja assim. Agora, com toda sinceridade, eu penso que a Manuela, o Boulos, até o Ciro, do jeito dele, sempre deram declarações bastante corajosas pelo ambiente político que se estava vivendo.

A questão do Lula ficou muito estigmatizada.

Está muito séria a situação.

Há vários casos de corrupção no país, muita gente presa e tal. Mas daí você vê, tem uma conta de tantos milhões no exterior, uma evolução patrimonial inexplicável. Ok. Você pode até lamentar a pessoa ter errado, mas, enfim, tem que pagar.

Agora, você lê o processo do Lula e fala: cadê? Onde está a conexão com a Petrobrás? Criam-se jargões jurídicos novos, ‘apartamento atribuído’. Eu não sei o que é isso. Apartamento atribuído a alguém. É dele ou não é? Do que estamos falando?

Estamos preocupados com a democracia, com o uso das instituições em proveito ou desfavor de uma força política.

Qual a sua visão sobre o bloco de oposição que está se formando? Seguimos replicando o modelo de desagregação do segundo turno?

Eu acho que, assim como o bloco da situação ainda não está plenamente constituído, é natural que o bloco da oposição também esteja em fase de constituição. Mas já há um núcleo básico que pode ser observado. Nas bancadas do PT, PSOL, PCdoB, PSB com certeza; não diria juntos, mas articulados. E acredito que essa carta recém-publicada dos governadores do nordeste seja muito significativa. Porque são governadores progressistas e que marcam posição de uma maneira muito ativa, muito responsável e politicamente madura, inaugurando uma forma de interação com o Governo Federal muito interessante. Eu diria que são dois movimentos, o das bancadas desses quatro partidos e dos governadores do nordeste que realmente são uma novidade.

E como ficam os outros partidos, como Rede, PDT, PSDB?

Eu acho que há alguns partidos mais de centro, ou centro-direita moderada, que podem pontualmente estar conosco também, sobretudo no que diz respeito à defesa dos direitos civis, direitos políticos e ambientais. Acredito que estarão menos conosco na defesa dos direitos sociais e trabalhistas.

Sobre a Rede, acho que estão em um momento de definição. Eu tenho expectativa que eles façam um movimento parecido com o que fez o PSB, que depois de um período que estava se alinhando mais à centro-direita moderada, voltou às raízes.

O PSDB está numa situação diferente. Ele está sendo comandado hoje por lideranças de direita, como o caso do Doria, mas ainda tem uma base minoritária de centro, eu diria, e que está procurando um destino.

Eu acredito que o centro tem uma tarefa pela frente de tentar compor um núcleo para se diferenciar do Governo Federal e dos governadores do sudeste – Doria, Zema e Witzel.

José de Abreu, depois que se autoproclamou presidente, comentou que estava todo mundo apático. Mas, ao mesmo tempo, foi um começo de governo tão fulminante…

Ou fumegante (risos).

Essa autoproclamação do José de Abreu não reflete um certo niilismo?

Eu não estou nessa chave. Acredito que as coisas estão se constituindo. Primeiro que a eleição do Bolsonaro é em si um espanto, para o Brasil e para o mundo. Estamos falando de uma das pessoas menos qualificadas para o cargo que se podia imaginar. É natural que haja um processo de acomodação, e na minha opinião está sendo precoce até, em função do descalabro que é esse início de Governo.

Eu entendo que as posições estão ficando mais nítidas. Nas redes sociais – apesar das tentativas cada vez mais vãs de usar as fake news como armas de guerra -, as pessoas estão começando a ser familiarizar com esses novos tempos, a se posicionar.

Eu vejo espaço para uma reorganização político-partidária no Brasil, depois da hecatombe que aconteceu entre 2013 e 2018. Mas não vai ser em cinco semanas que você vai pôr ordem em cinco anos de delírio. Isso leva um tempo e trabalho sério, capacidade de organização.

A maior carência que eu sinto hoje no mundo da política é uma visão estratégica da esquerda de embate. Os movimentos táticos do dia a dia são importantes, mas nós precisamos mais fôlego para que a estratégia de retomada do desenvolvimento social sustentável seja recolocada na ordem do dia.

Você chegou a aderir à presidência do José de Abreu?

Fui nomeado presidente do Banco Central (risos)

Uau! Você tem alguma fala enquanto presidente do Banco Central desse Governo?

(risos) O José de Abreu me ligou e falou pra eu escolher um cargo. Eu falei que queria ser presidente do Banco Central, porque eu quero enquadrar os bancos.

Ontem estive em um evento, comentei que o entrevistaria, e uma amiga pediu pra te perguntar: “por que você não se desvencilha da mochila pesada do PT?”.

As pessoas precisam compreender, eu não me filiei ontem ao PT. Estou desde os anos 80 filiado, desde a época do movimento estudantil.

Eu fiz parte de um projeto, sobretudo no governo Lula, que eu praticamente fiquei todo o tempo; e eu considero esse o melhor período da minha vida pública. Foi um momento que vi que o Brasil tinha efetivamente uma chance de mudar pra melhor e de deixar um passado nefasto pra trás. Superar suas enormes desigualdades, sua intolerância, seu racismo. Eu via ali oportunidade.

Eu entendo que existe uma frustração. Tem toda uma decantação de narrativas que está acontecendo, vai levar um tempo, mas eu penso que o PT ainda é o instrumento da classe trabalhadora. Se os trabalhadores quiserem transformar o Brasil, eles têm ainda à disposição esse instrumento. Sem prejuízo de reconhecer mérito em outras agremiações, eu penso que o PT é ainda o partido mais forte da centro-esquerda, em função do legado que deixou pra população mais frágil economicamente do país.

Eu estou nesse curso: como a gente faz pra retomar as transformações que o Brasil viveu e precisa reviver?

A discussão sobre que partido estou não é a discussão que faço comigo mesmo. A discussão que faço comigo mesmo não é até onde eu posso chegar, dentro ou fora do PT, mas sim até que ponto os trabalhadores podem chegar com os instrumentos disponíveis e que eles criaram.

Há algumas semanas entrevistei o senador Randolfe Rodrigues (Rede). Num dado momento ele falou que o antipetismo ajudou a eleger o Bolsonaro.

Não acredito que tenha sido determinante, mas ajudou. Só que as fake news também ajudaram, a facada ajudou, o establishment ter fechado com o Bolsonaro ajudou… Tem muita coisa que ajudou.

Outro dia vi uma análise do Marcos Coimbra, do Vox Populi, dizendo que o antipetismo não era um fator explicativo. Bom, tivemos 47 milhões de votos, 45%. Ele diz com todas as letras: não há o que explique a vitória do Bolsonaro. Não foi o antipetismo.

Eu não diria que não é importante. Existe e foi cultivado durante muitos anos por setores da sociedade muito influentes.

Você sente resistência no PT? Acho você um enigma: não te vejo como um consenso no PT e nem fora.

Nem o Lula foi consenso no PT antes da presidência. Vamos lembrar que o Suplicy disputou prévia com o Lula. O Lula já perdeu prévias. Ele só se tornou unanimidade no partido depois da presidência. Mas ele sofreu contestação dentro do PT mesmo com sua enorme capacidade de liderança. As palavras consenso, unanimidade, são estranhas à política. Acho que não cabe muito esse tipo de consideração. Às vezes as pessoas usam instrumentos de análise em relação a mim que elas não usam em relação às outras pessoas. Esse é o enigma que gostaria de entender. “Você não é consenso”. E quem é?

Lula tem passado por perdas muito fortes. Como ele está emocionalmente? Outro dia li um texto do Reinaldo Azevedo em que ele chama o Lula de herói trágico, e eu concordo com esse olhar.

A diferença do Bolsonaro pro Lula é a diferença da mitomania pra mitologia. Essa é minha convicção plena. Um é um mitômano, o outro é mitológico.

Nós estamos nesse impasse de ter uma liderança da qualidade do Lula encarcerada, e o resultado disso tudo ocupando a Presidência de República.

O Lula vive as dores. Quando perdeu a Marisa, o irmão, o neto, quando nós perdemos a eleição; ele vive aquela dor. O que impressiona não é isso, porque se ele fosse frio, talvez não despertasse nem nosso interesse. O que impressiona é a capacidade dele de se recuperar de sucessivas dores.

Quando o Reinaldo Azevedo fala de um herói trágico, acho que ele captou isso. O Lula tem uma capacidade até aqui, inesgotável de reconstrução de si mesmo.

Como está sua expectativa com esse Governo?

Eu sou uma pessoa que sabe o poder de um Governo porque eu participei de um. Governos têm capacidade de regeneração, recuperação.

Tem alguma coisa boa nesse Governo? Alguém bom? Alguma ideia boa?

Tá difícil, viu! Sinceramente, está difícil.

Li uma análise que dizia que este governo é formado por quatro pilares: Sérgio Moro, Paulo Guedes, militares e a família.

Minha visão é um pouquinho diferente. Tem um grupo que é regressivo, do ponto de vista da cultura, do comportamento, e que está instalado nas nossas Relações Exteriores, Direitos Humanos, MEC, que é o clã. Tudo puxa para uma linha mais obscurantista, mais regressiva. Tem também o núcleo ultraliberal, e tem o núcleo da tutela e intimidação. Eu divido assim esse governo. Não acho que o Moro seja um núcleo isolado, por exemplo, dos militares. Acho que é um pacote.

E o projeto da reforma da previdência?

Da maneira como foi construído, é péssimo o projeto. Se você espremer, o que sobra do projeto do Guedes pra valer é que você vai ter a partir dos 70 anos uma renda mínima de um salário mínimo. É isso. A previdência pública acaba, você só vai ter a assistência. Uma renda mínima para todos os brasileiros de 70 anos ou mais de um salário mínimo. Todo mundo vai ser obrigado a ir para o regime de capitalização. Vai ser um grande programa assistencial de um salário mínimo para amparar a velhice.

Mas a reforma é necessária.

Meu programa de governo tem um capítulo inteiro sobre previdência. O Lula fez reforma da previdência, a Dilma fez. Pra nós não é um tabu discutir previdência, mas não é isso que está sendo discutido no governo Bolsonaro.

O governo Bolsonaro está acabando com a previdência social em proveito de um regime de assistência universal para idosos de mais de 70 anos. É isso que está em pauta. Todo o resto é diversionismo.

Vai acabar a previdência. Aquele capítulo da constituição sobre seguridade social, aborda saúde, previdência e assistência. O de previdência está suprimido. Vamos ver se o da saúde segura.

É tudo muito sério e nós estamos discutindo a Damares, sabe? Onde estamos com a cabeça? A Damares é importante também, porque morrem mulheres, morrem LGBTs. A violência está armada. Citamos o Reinaldo Azevedo. Ele fez um post muito interessante sobre a mensagem subliminar do famoso Golden Shower. Porque aquilo lá era: libera a violência.

Qual é sua proposta de reforma?

A minha proposta de previdência assegurava as reformas dos regimes próprios de previdência. Tratava de previdência pública, não da previdência do regime geral. A gente não mexeria no setor privado naquele momento. Íamos ajustar os privilégios do setor público.

Mas a conta realmente não está fechando…

Um dia me perguntaram: “qual um bom ano pra fazer a reforma da previdência?”. Eu falei: Todos. Todo ano você tem que fazer um ajuste. Por exemplo, as pensões no Brasil precisam ser ajustadas. O regime previdenciário tem que ser estudado, construído, diferente do que está sendo proposto.

A conta não está fechando porque não se cria emprego. A conta não está fechando porque não se dinamiza o mercado de trabalho, por causa do calote na previdência, porque não cobram os devedores, porque dão isenções fiscais sem pensar nas consequências futuras. Tem uma fila de gente antes de chegar no trabalhador rural. E não vai precisar chegar no trabalhador rural, é esse o ponto.

Últimas palavras. Qual sua consideração sobre a tragédia que aconteceu em Suzano?

Você vê o que ocorreu agora na Nova Zelândia… Existe hoje um recrudescimento da intolerância no mundo em função da crise do neoliberalismo.

2008 é o marco da crise do neoliberalismo. Um projeto que foi iniciado nos anos 80 fez-se água em 2008 e gerou uma enorme crise. Um dos subprodutos dessa crise é a intolerância étnica e religiosa, dentre outras.

Nesses momentos, o que se espera de quem tem alguma influência na sociedade é justamente fazer o contraponto a isso. É o papel de governantes, de artistas, cientistas, intelectuais. Nesse momento, remar contra a maré.

E sobre a decisão de transformar o Minhocão em parque?

Eu acho que o Plano Diretor deu um prazo razoável para uma tomada de decisão. Realmente, aquilo foi uma intervenção urbana desastrosa pra cidade, que degradou toda a São João, que era uma avenida belíssima. Os vereadores deram uma resposta para aquele desastre urbanístico.

Mas, temos tempo ainda. O que me parece ruim é uma gestão que não tem nenhuma marca positiva tomar uma decisão afobada e sem os estudos necessários para encaminhar a questão de maneira madura. O encaminhamento que está sendo dado não é o melhor, do ponto de vista técnico.

Eu sou a favor do experimentalismo na cidade. Por exemplo, abrir a Paulista aos domingos podia ter dado errado. Agora, pra saber isso, você tem que fazer e esperar 90, 120 dias, e ver como a cidade se reorganiza em torno. Podia ser que depois daquele tempo decidíssemos voltar atrás.

A gestão atual é uma gestão sem nenhuma marca, com o pior nível de investimento da história recente de São Paulo. Paralisou praticamente todas as obras de saúde, educação, drenagem, mobilidade urbana.

Mas não está tudo em crise?

Mais crise do que eu peguei, impossível! Peguei os dois piores anos da história do capitalismo. 2015/16 foi a pior recessão desde o pós-guerra, e ainda assim nós mantivemos os investimentos.

Tivemos dez prêmios internacionais, incluindo mobilidade urbana, plano diretor, finanças, dentre outros. E hoje São Paulo é uma cidade apagada, para a qual ninguém olha mais.


FONTE: https://livre.site/estadao.php?url=https://brasil.estadao.com.br/blogs/inconsciente-coletivo/e-agora-haddad/


REFLEXÕES SOBRE AS FAKE NEWS por Ramon Brandão




O advento das fake news – notícias falsas que circulam expressivamente na internet – é central no debate público contemporâneo. Um tema antigo, mas ainda pouco esclarecido e explorado. Sabemos, no entanto, que elas sempre existiram. Quando, em 20 de julho de 1969, Armstrong pisou na lua, houve uma forte onda de boatos (os boatos são os antepassados diretos das fake news) espalhando a “notícia” de que as imagens haviam sido forjadas em algum estúdio secreto localizado nos EUA. No Brasil, a morte de Tancredo Neves (vítima de uma septicemia fruto de provável falha médica) também foi associada a algumas justificativas escusas – dentre as quais a que dizia que o mesmo havia sido vítima de um atentado. Durante o regime Vargas, Carlos Lacerda (jornalista e político ligado à direita) forjou um atentando contra si mesmo para poder acusar o então presidente de perseguição. Durante o regime militar, dois militares foram descobertos após tentarem explodir uma bomba em evento público para, depois, acusarem de terrorismo movimentos ligados à esquerda (evento que ficou conhecido como “Rio Centro”).


Poderíamos citar infinitos casos para concluir que, de um lado, historicamente, a manipulação da informação sempre foi usada para interesses políticos de viés eticamente desprezíveis. De outro lado, grande parte das pessoas têm vivido e explorado um conhecimento precário, incipiente, alimentado com preconceitos, crendices e superstições. É certo que o iluminismo ajudou a formar sujeitos que, sob influência de um certo racionalismo, tendem a se posicionar mais criteriosamente frente às informações disponíveis. No entanto, infelizmente, eles são uma minoria cada vez maior.

Dito isso, podemos afirmar com alguma razão que as fake news não são uma novidade histórica. O seu problema, tal como afirma Evgeny Morozov no livro Big Tech: a ascensão dos dados e a morte da política (publicado pela Editora Ubu), é a velocidade e a facilidade de sua disseminação”. Basta um click. Segundo Morozov, “isso acontece principalmente porque o capitalismo digital de hoje faz com que seja altamente rentável produzir e compartilhar narrativas falsas que atraem cliques”. A novidade, portanto, não está nas fake news, mas na aparição desse instrumento que as reproduz e as dissemina com amplitude e velocidade jamais vistas.

Um segundo ponto que merece atenção é aquele que se refere ao próprio significado de fake news. Não é raro ver o termo sendo utilizado com efeitos retóricos, ou seja, para desqualificar um discurso que se coloque em oposição ao daquele que o emprega. Nesse sentido, o termo passa de simples informação mentirosa a tudo aquilo que desagrada – não apenas aos fatos que desagrada, mas também as interpretações das quais se discorda com veemência. Em outras palavras, o que é fake news para um fanático, é verdade absoluta e inquestionável para o fanático da vertente oposta.

A questão é: podem as fake news colocar em risco a democracia ou a liberdade de expressão?

As ideias e ideologias formam um tecido contínuo, de modo que fica difícil estabelecer uma linha separadora entre o que se coloca como legítimo e o que se coloca como indevido, proibido de ser expressado. A livre manifestação e circulação dessas ideias permite à sociedade dispor de uma ampla gama de opções cuja utilização – as vezes seletiva, as vezes não – compõe a própria linha de evolução dos costumes e da história. Assim, o que hoje nos parece inaceitável, amanhã poderá se tornar status quo. Ora, quanto mais vigorosa é a prática da liberdade de expressão, quanto mais densa e variada, mais livres e conscientes serão as decisões que a sociedade deverá tomar… em tese. Na prática, além da diversidade de ideias razoáveis, a internet e a suposta liberdade que traz consigo deu espaço (mais do que isso, deu visibilidade) para teorias conspiratórias, opiniões detestáveis, versões distorcidas e sentimentos odiosos. Por alguma razão, elas dão mais ibope. Assim, cabe a necessidade de tipificar o termo. Fake news deveria compreender toda informação que, comprovadamente falsa, prejudique terceiros, tendo sido forjada e/ou posta em circulação por má fé ou simplesmente por negligência.

Um último aspecto que merece nota. O monopólio que exerce a Google na internet não significa que ela seja – ou deva ser – a responsável pela delicada tarefa de selecionar e/ou censurar informações. Ela não tem qualquer interesse em fazê-lo. Ela sequer se interessa em sustentar a liberdade de expressão. Essa ideia de terceirizar a responsabilidade é bastante comum por aqui. A Google, o Facebook e seus anexos estão interessados em você por duas razões: primeiro como consumidor e, segundo, pela informação que você gera a partir de suas buscas pessoais que, por sua vez, geram os dados necessários para te transformar em consumidor, pouco importando quem você é ou o que você pensa. Seus anúncios estão tanto em páginas que disseminam fake news quanto em páginas que combatem as fake news. Elas buscam, mais do que qualquer outra coisa, os focos de audiência. Nada mais.

Diz Morozov: “as eleições brasileiras de 2018 mostraram o alto custo a ser cobrado de sociedades que, dependentes de plataformas digitais e pouco cientes do poder que elas exercem, relutam em pensar as redes como agentes políticos. O modelo de negócios da Big Tech funciona de tal maneira que deixa de ser relevante se as mensagens disseminadas são verdadeiras ou falsas. Tudo o que importa é se elas viralizam, uma vez que é pela análise de nossos cliques e curtidas, depurados em retratos sintéticos de nossa personalidade, que essas empresas produzem seus enormes lucros. Verdade [para elas] é o que gera mais visualizações. Sob a ótica das plataformas digitais, as fake news são apenas as notícias mais lucrativas”.

Mas isso traz consigo um preço:

“Caso não encontremos formas de controlar essa infraestrutura, as democracias se afogarão em um tsunami de demagogia digital; esta, a fonte mais provável de conteúdos virais: o ódio, infelizmente, vende bem mais do que a solidariedade. É difícil, portanto, que exista uma tarefa mais urgente do que a de imaginar um mundo altamente tecnológico, mas, ao mesmo tempo, livre da influência perniciosa da Big Tech. Uma tarefa intimidadora que, se deixada de lado, ainda causará muitos danos à cultura democrática”.

O que fazer, portanto? Faria sentido exigir que os monopólios tecnológicos fossem compelidos a adotar uma política radical de transparência que permitisse, por sua vez, a absoluta supervisão sobre suas atividades – hoje totalmente inexistente? Faria sentido que a Justiça buscasse mecanismos que possibilitassem punir os responsáveis por divulgações mal-intencionadas, mesmo que para tanto houvesse monitoramento das atividades individuais? Em que medida nos seria garantido que tal monitoramento apenas não deslocaria o foco do problema – hoje na geração de dados para fins comerciais e, depois, nas mãos do Estado, como instrumento político?

Em última análise – e antes mesmo que possamos elaborar qualquer resposta aos questionamentos acima –, o mais eficiente instrumento contra as fake news, sua maior barreira, continua sendo a educação. Uma educação que esteja apta a estimular o discernimento nas escolhas, o questionamento permanente e o saudável ceticismo na forma de absorver informações. É o caminho mais longo, sem dúvidas, mas o único possível.

Fonte: FAKE NEWS

sábado, 9 de março de 2019

MINHA VIDA by Rita Lee


ADORO ESTA MÚSICA! 
ESSA LETRA ME TOCA À ALMA 
ME REMETE A OUTRAS DIMENSÕES E SENSAÇÕES

SOU TODOS SENTIMENTOS...
Roberta Carrilho



Minha Vida
Rita Lee

Tem lugares que me lembram
Minha vida, por onde andei
As histórias, os caminhos
O destino que eu mudei
Cenas do meu filme em branco e preto
Que o vento levou e o tempo traz
Entre todos os amores e amigos
De você me lembro mais


Tem pessoas que a gente
Não esquece nem se esqueceu
O primeiro namorado
Uma estrela da TV
Personagens do meu livro de memórias
Que um dia rasguei do meu cartaz

Entre todas as novelas e romances
De você me lembro mais

Desenhos que a vida vai fazendo
Desbotam alguns, uns ficam iguais

Entre corações que tenho tatuados
De você me lembro mais
De você, não esqueço jamais!


Compositor: John Lennon e Paul McCartney



In My Life
The Beatles

There are places I'll remember
All my life, though some have changed
Some forever, not for better
Some have gone and some remain
All these places have their moments
With lovers and friends I still can recall
Some are dead and some are living
In my life, I've loved them all
But of all these friends and lovers
There is no one compares with you
And these memories lose their meaning
When I think of love as something new
Though I know I'll never lose affection
For people and things that went before
I know…