sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

CRÔNICA SOBRE O PRIMEIRO CASAL GAY DA NOVELA 'AMOR À VIDA' por Ludmila Oliver


Crônica intensa e profundamente repleta 
de sentimentos reais, humanos.
Parabéns Ludmila pelo texto.
Abraços,
Roberta Carrilho


1º beijo entre homens em novela

Foi lindo!!! Parabéns Mateus Solano (Félix) e Thiago Fragoso (Niko)  pela excelente, doce e amorosa cena, o beijo foi tão natural tão lindo como deve ser o respeito o amor ao próximo !!!

Estou falando dos dois novamente. Estou me expondo novamente. Tudo de mim aqui, tudo que eu queria que o mundo inteiro ouvisse. 

Coloquei uma música linda pra tocar, pra me inspirar mais ainda nestas palavras, visto que hoje é um dia especial. Sei que é apenas um final de novela, de uma novela cheia de podridão numa emissora LIXO e diabólica. - Eu sei. - Mas eu me sinto realizada quando vejo tanta ternura nesses dois seres fictícios. Mas peraí... Fictícios não! Claro que não! Eles são reais na pele de muita gente por aí, simplesmente por representarem muitas pessoas que adorariam ser livres do cativeiro em que vivem (cativeiro comumente chamado de "sociedade"). Tenho certeza que é gente como eu, que agora também está orgulhosa e escrevendo qualquer coisa sobre isso agora. Tudo bem que se trata de dois caras bonitos, inteligentes e ricos, que devido a essas características repletas de perfeição não representam a massa da população brasileira em muita coisa, mas pô, eles estão lá e eu já vi taaaaaanta gente falando com alegria, respeito e carinho das cenas que eles mostram pra nós... Gente que não tem nada de gay, que a princípio não tem motivo algum pra achar isso bonito mas acha e só acha isso porque eles foram profundamente encantadores e cuidadosos em cada gesto.

Pois é... A música tá começando de novo. A mesma. Se chama "Street of Dreams" (ou, traduzindo, "Rua dos Sonhos"). E eu estou sonhando agora... Eu me sinto tão boba por achar tão bacana algo referente a uma mísera novela, mas enxergo ali algo tão maior... Há um significado tão grande na minha vida quando me deparo com um bando de preconceituosos xeretas pasmados em frente a uma TV sem conseguirem proferir suas costumeiras palavras de ódio. O que acontece entre eles? Só um olhar de carinho.

O bando de conservador preservacionista dos "valores cristãos da família" se esforça pra falar tudo que é merda, mas não desgruda o olho da novela e vai assistir hoje de novo, o último capítulo, pra ver se acontece o danado do "beijo gay". Pô, ninguém conta pra eles que é só procurar beijo gay no Youtube não? Tem milhões lá, minha gente!

Essa última semana reiterou muitos desses olhares entre os dois personagens e foi a mais intensa. Foi lindo demais ver o "Félix" se emocionando ao falar de amor pro "Carneirinho". Foi lindo demais imaginar que um dia, depois que o ódio das pessoas diminuir ainda mais, eu poderei, quem sabe, estar naquele lugar. Sabe, é muito difícil... É muito mais difícil pra quem nasceu "assim". Quem nasceu "assim" tem bem menos chances de viver o "amor" de uma forma plena.

Então essa semana, depois de passar o FDS em São João Del Rei, eu percebi que eu não estou errada, mas sim que só nasci na porra do lugar errado! Vi que o lugar onde estudo, uma faculdade qualificadíssima, linda e maravilhosa (na qual sinto MUITO orgulho em estudar, que recomendo a todos e não troco por outra) tem um monte de coxinha enrustido e filho-da-p*ta hipócrita, assim como a minha cidade e assim como grande parte da minha parentela metade crente-moralista/metade católica reza-braba. Eu tive certeza de que estou no lugar errado e não no corpo errado, sabe?

De que errados são os olhares que me cercam e não o modo como minhas pétalas desabrocham, nem suas cores. Porque lá onde eu estava tinha muita, mas muita gente mesmo, sendo feliz exatamente como é. Muito diferentemente daqui, nesse mundinho tosco hétero e segregador. Ah, foi lindo demais ver tanta gente livre naquela Mostra de Cinema de Tiradentes! Livre! Descobri, lamentavelmente, que vivo mesmo num mundo onde todos estão presos dentro de suas próprias mentes (como se fosse difícil saber disso antes da viagem). Sei que lá não é um lugar perfeito (até porque igreja é o que não falta), mas respirar um pouco de liberdade, até mesmo a liberdade alheia, de tanta gente junta se tratando como igual, sem essa de ter necessariamente que presumir que todo mundo é heterossexual, me fez querer ser mais forte ainda pra lutar contra o conservadorismo e moralismo falso que me cercam aqui, enquanto eu aguentar ficar aqui.

É muito difícil pra quem é "assim". A chance de você ser gay em Pouso Alegre, Cachoeira de Minas e todas essas vilas nos arredores e conseguir ser feliz exatamente como você é não é lá muito grande não... Agora vejo os gays felizes daqui como heróis. Não estou falando das bichas loucas e escandalosas que saem espalhando purpurina pelo mundo, estou falando de quem consegue ser aceito pela família, respeitado pela sociedade escrota, consegue se estabelecer profissionalmente e viver uma vida completamente pacífica em meio a essa realidade tão pequena e limitada.




Quando eu vejo a ternura dessas duas criaturas na tela de uma TV eu viajo... Eu me imagino vivendo num mundo no qual ninguém tenha medo de me amar e não tenha motivo algum pra viver longe de mim. Eu imagino todas as coisas pelas quais lutei incansavelmente e não pude ter por simples imposição social ou religiosa. Eu imagino tudo que poderia ser meu e não é, não mais, ou não ainda. Eu imagino cada milímetro de abertura causada (por um enredo fictício) na mente das pessoas e sinto que estamos dando um passo adiante. Talvez um passo de tartaruga, mas que não deixa de ser uma conquista ou vitória.

Ah, se vocês soubessem quanta gente, pessoas aparentemente "normais", que vocês nem imaginam, adorariam acordar amanhã e saber que o preconceito e o ódio religioso na verdade nunca existiram, que era apenas um pesadelo e nada mais, para então correrem para os braços de alguém a quem realmente desejam. Vocês não imaginam quanta gente poderia amar, a si mesmo e a outra pessoa, se caísse um raio nessa terra e limpasse o coração dos homens! Vocês não imaginam quanta gente se transformaria naquilo que realmente é!



É por isso que eu fico boba e considero tanto uma coisa boba de novela, só por causa do encanto que me causa poder pensar que daqui algum tempo, talvez quando eu já não for mais jovem, muita gente vai poder amar e ser feliz, mesmo que eu não tenha sido, mesmo que talvez eu tenha visto o "amor" passar por mim e, impedido pela discriminação e pelos dogmas, não ter minha vida habitado. Estou apenas sendo realista. Muita coisa ainda vai acontecer comigo, mas muita coisa também pode não acontecer comigo. Ainda assim, eu sonho com esse mundo melhor, onde o amor que impedem de acontecer na minha vida possa acontecer na vida de outras pessoas.

Eu tenho que agradecer por esse ter sido o verdadeiro primeiro casal gay numa novela das 9 (qualquer outro foi pura palhaçada). Tenho que agradecer por terem transmitido com tanta delicadeza e sensibilidade que o sentimento (afeto, carinho, paixão, amor, o nome que você quiser dar) na gente é igual... Ou até mesmo mais bonito, porque quem passa uma vida toda sofrendo perdas, rejeições e punhaladas por ser "diferente" acaba desenvolvendo uma sensibilidade que os "aceitos" certamente nunca saberão como é. Isso porque quando uma pessoa sofre uma coisa na pele, se torna consciente da dor que essa coisa causa e não a pratica contra mais ninguém.


Não sei quantas pessoas lerão isso, mas não importa. Eu só tenho, às vezes, que registrar em palavras momentos importantes pra mim e esse é um deles. Eu tenho UM BILHÃO de coisas percorrendo minha mente e minhas veias nesse momento, mas tudo que consigo exprimir é gratidão. Gratidão por cada pessoa que planta uma semente contra o ódio, a violência e o preconceito. Agradecer a esses dois, ao autor e a você aí que está conseguindo sorrir ao ler esse texto meu, mesmo sendo exemplarmente heterossexual. Muito obrigada... Será um mundo de pessoas como você o mundo no qual todas as pessoas possam se amar sabendo que não existe amanhã. E isso me emociona demais...


Eu termino esse texto em lágrimas, por todos os filhos gays que um dia não serão abandonados por seus pais e pelos que já foram, por todas as pessoas do mesmo sexo que não deixarão de provar o sabor de um beijo apaixonado de alguém que tanto quiseram, por todos os pares homossexuais que conseguirão realizar o sonho do casamento e da adoção (sem maiores dificuldades) de um filho, por todos aqueles que já morreram por causa da homofobia, por todas as vidas que serão salvas pelo respeito e pela fraternidade e por tudo que acontecerá de bom no mundo quando ele for um mundo de todos.


Muito obrigada a todas as pessoas que conseguem amar e a todas que, mesmo não conseguindo agora, ainda conseguirão.



da amiga Ludmila Oliver




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