quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

VÍTIMAS - Luiz Felipe Pondé


Foto by Joanna briggs

Não confio em vítimas. Explico-me, antes que o plantão dos humilhados e ofendidos grite. Claro que existem vítimas no mundo. Brancos que escravizaram negros, negros que comercializaram negros, homens que batem em mulher, mulheres que torturam homens que as amam até destruir neles qualquer resto de dignidade, gays que perseguem pessoas porque são diferentes deles (surpresa?), homofóbicos, crianças espancadas em casa e humilhadas nas escolas por outras crianças, enfim, há vítimas por todos os lados. Não me refiro a este tipo de vítima óbvia quando digo que não confio em vítimas.

No caso das crianças então, eu aconselho a leitura do sensacional Senhor das Moscas, de William Golding, pra quem afirma que o mundo seria melhor se deixássemos a criança que existe em nós ensinar os adultos maus como governar a sociedade. Risadas...

Neste livro, crianças abandonadas ao seu destino num local desconhecido criam uma sociedade cruel, autoritária e injusta, aos moldes do humano, demasiado humano. Somente ingênuos sem cura e mentirosos podem confiar na bondade das crianças.

De certa forma, elas são mais cruéis do que adultos, porque estes respondem de modo mais fácil aos constrangimentos morais baseados na economia de interesses mútuos (se você tem algo que me interessa, tendo a ser mais condescendente com você) e na vergonha social (não basta à mulher de Cesar ser honesta, ela deve parecer honesta). Estes são dois pilares essenciais do convívio moral coletivo.

Crianças são mais livremente violentas e invejosas. Humilham os mais fracos de modo despudorado, excluem qualquer um que seja diferente e gostam de esfregar na cara dos mais pobres tudo o que têm. Chato, não é? Também acho, mas fazer o quê?

Quando digo que não confio em vitimas, refiro-me àquele personagem que toda família tem pelo menos um.

Você identifica facilmente uma dessas vítimas em reuniões de fim de ano ou em festas familiares fazendo o culto de si mesmas. Elas comumente acusam aos outros de só pensarem em dinheiro e de serem insensíveis. Normalmente essas vítimas não conseguem ganhar dinheiro e vivem graças à ajuda dos outros -claro, os mesmos que só pensam em dinheiro.

Outro traço é a sensibilidade aguçada e uma outra qualidade de consciência -esta, então, é o fim da picada. Normalmente, pessoas assim adoram arte-terapia. O apego à espiritualidade interesseira também é muito comum.

A sensibilidade aguçada, então, me emociona (risadas). Elas choram com facilidade diante da própria sensibilidade. Aliás, este choro seria uma prova de sua qualidade de consciência maior do que a dos outros, aqueles miseráveis seres endurecidos pela aspereza infernal que acomete os que são obrigados a pegar a vida pelos cabelos e domá-la a cada dia, sem perdão.

Na realidade, estas vítimas costumam cobrar dos outros aquilo que elas nunca dão: atenção, cuidado, amor desinteressado, lealdade.

Experimente pedir a uma delas alguma coisa: estarão ocupadíssimas com alguma coisa superimportante naquele momento superimportante de suas vidas superimportantes.

Pessoas assim costumam ser muito sensíveis ao sofrimento dos cães e gatos. Choram se virem algum animal sofrendo -mais uma prova de sua superioridade ética (risadas). De novo, antes que o plantão dos humilhados e ofendidos de alguma ONG a favor de piolhos sem lar grite, adoro cães, não tanto gatos. Mas eles também têm direito à felicidade, claro.

A chave para o amor aos animais neste tipo de pessoa sensível é que amar animais é muito mais fácil. Raramente eles o traem ou o expõem ao ridículo ou o abandonam. Por isso, hoje em dia (uma época dominada pelo marketing de comportamento) é tão comum gente que adora animais e detesta seres humanos. Tem até gente por aí que acha que homens e bichos deveriam ter os mesmos direitos. Um dia macacos terão direito ao voto?


... eu conheço uma senhora pífia em muitos sentidos e mais no moralmente - Dora Cecília -  que aDora seus  cachorros. O contrário é o tratamento dispensado às pessoas. É de invejar qualquer terrorista afegão rsrsrs. Mas o papel de vítima é o seu preferido quando está diante de uma platéia desavisada. Ah! E seus filhos, estes são vítimas profissionais. Fala sério. Tem alguns ditados populares que caem direitinho aqui: "Quem sai aos seus não degenera' ou "É da qualidade dos frutos que se conhece as árvores". Precisa dizer mais alguma coisa? Acho que não. É  insuportável a convivência - DEUSNULIDE a todos nós deste tipo de gente ruim. Só para esclarecer: Nada contra os  animais ou ao tratamento digno que eles mereçam. 

Enfim, cuidado com quem se acha vítima de um mundo insensível e dominado pelo dinheiro. Ela é, provavelmente, a mais insensível e interesseira de todas.

Luiz Felipe Pondé - Folha de S.Paulo.


Simplesmente fantástico este texto do Luiz Felipe.
Parabéns pela coerência e perspicácia.
Roberta Carrilho

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