segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

GUARDA COMPARTILHADA E A SÍNDROME DA ALIENAÇÃO PARENTAL




Resolvi postar este artigo do Ilustre Promotor de Justiça do Estado de Minas Gerais, Dr. Leonardo Barreto Moreira Alves, porque acredito que muitas pessoas ainda não conhecem este novo instituto que é a GUARDA COMPARTILHADA E ALIENAÇÃO PARENTAL.

Conhecimento é Poder

Estou num disputa judicial pela guarda da minha filha, e por incrível (ou absurdo) que pareça o Estado-Juiz do 1º grau demorou exatamente 06 anos 04 meses para sentenciar um processo (mega simples) de separação, guarda e alimentos.

No meu caso, infelizmente, não comporta o instituto da guarda compartilhada porque ele (meu 'ex', HK) é relativamente incapaz.  

Mas de qualquer forma, mesmo que eu venha ganhar a guarda da minha filha, não tenho interesse em dificultar a convivência dela com ele (seu pai - genitor). Não faz parte do meu show ser mesquinha e fazer uso da alienação parental como é costume das mulheres. E olha, é um índice extremamente alto das mulheres usarem os filhos como arma para atingir os seus 'ex'. Essa é a realidade.

Não tenho interesse nem coração (sentimentos baixos) para impedir a convivência dos dois (do meu 'ex' com a nossa filha), a não ser que ele queira afastar. Então o problema será dele e da sua consciência. Pois é muito triste para uma criança ter um pai de fim-de-semana. Porque se eu fosse uma mulher baixa, mesquinha e vingativa faria o mesmo que ele e sua 'generosa e amorosa família' fez a mim... nada mais, nada menos. "Olho por olho, dente por dente" - aplicaria a lei mosaíca de talião. 

Haveria choro e ranger de dentes (para eles, claro)
(...) terrorista do Talibã tem inveja da perícia deles. Deusolide! 

Infelizmente ele não é confiável, já me deu inúmeras provas que é mesquinho, mentiroso e etc... mas o pior é saber que sua palavra não tem valor. Também terá que comprovar que está fazendo uso do medicamento sugerido pela perita (litium) e se possível terapia, porque é portador de Transtorno de Humor Afetivo - ou seja, ele é bipolar com maior duração na fase maníaca.

Então segue esse artigo interessante e informativo para todos que queiram aprender o que seja Guarda Compartilhada e Síndrome da Alienação Parental.

Roberta Carrilho



A GUARDA COMPARTILHADA 
E A LEI Nº 11.698/08

 

Quem ama cuida; cuida de si mesmo, da família, da comunidade, do país – pode ser difícil, mas é de uma assustadora simplicidade e não vejo outro caminho.
(Lya Luft)

SUMÁRIO:

INTRODUÇÃO.

1. A GUARDA UNILATERAL E A SÍNDROME DA ALIENAÇÃO PARENTAL.

2. A GUARDA COMPARTILHADA E O MELHOR INTERESSE DO MENOR.

3. A GUARDA COMPARTILHADA E A NECESSIDADE DA PRÁTICA DA MEDIAÇÃO.

4. A GUARDA COMPARTILHADA E A LEI Nº 11.698/08.

CONSIDERAÇÕES FINAIS.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.


INTRODUÇÃO

A Lei nº 11.698/08, de 13 de junho de 2008, veio a consagrar expressamente no Código Civil brasileiro o tão elogiado instituto da guarda compartilhada. Não obstante tal instituto já fosse amplamente aceito pela doutrina e aplicado na prática pela jurisprudência, certo é que o reconhecimento legislativo, como sói ocorrer, pacificou, em definitivo, as discussões acerca da existência do mesmo.

Desse modo, a partir desse momento, as atenções da comunidade jurídica nacional se voltam para a análise dos aspectos positivos e negativos do regramento dado pela lei à guarda compartilhada. Nesse sentido, pode-se afirmar que, de um modo geral, a nova lei vem sendo vista com bons olhos pelos operadores do Direito. Destarte, parcela da doutrina civilista vem apontando graves falhas da novel legislação, as quais implicariam na inviabilidade do uso dessa medida.

Nesse cenário, verifica-se que o ponto fulcral das críticas dirigidas à Lei nº 11.698/08 concentra-se no teor do atual artigo 1.584, § 2º, do Código Civil, segundo o qual “Quando não houver acordo entre a mãe e o pai quanto à guarda do filho, será aplicada, sempre que possível, a guarda compartilhada”. No entender de alguns autores, esse dispositivo, ao estabelecer a guarda compartilhada como regra preferencial, quase obrigatória do exercício do poder familiar após a dissolução do casamento/união estável na hipótese de não haver acordo entre os genitores implicaria em um franco retrocesso no que tange à regra geral da guarda unilateral concedida a quem relevar possuir melhores condições, outrora encontrada no antigo art. 1.584, parágrafo único, do Codex, pois o litígio vivenciado pelos pais impossibilitaria por completo o sucesso daquela modalidade de guarda.

O presente trabalho, indo em direção contrária ao posicionamento acima referido, pretende demonstrar que o advento da Lei nº 11.698/08 deve ser efusivamente comemorado. Não há que se olvidar que a legislação possui falhas, conforme será apreciado ao longo desse texto, mas elas não comprometem o êxito da aplicação da guarda compartilhada, que, sem dúvida alguma, é a forma de guarda que melhor resguarda o interesse do menor, evitando-se os efeitos nefastos da guarda unilateral, tais como a diminuição do contato do filho com o genitor não guardião e, principalmente, o conhecido Fenômeno da Alienação Parental e a conseqüente Síndrome da Alienação Parental.

Por isso, defende-se que a mudança da regra da guarda unilateral a quem relevar possuir melhores condições (antigo art. 1.584, parágrafo único) para a da guarda compartilhada (atual art. 1.584, § 2º) é altamente positiva, sendo o problema do litígio entre os genitores do menor alhures apontado absolutamente contornável através da prévia prática da mediação interdisciplinar, a qual se encontra expressamente prevista no recente art. 1.584, § 3º, como ficará mais claro no desenvolvimento dos próximos capítulos.


1. A GUARDA UNILATERAL E A SÍNDROME DA ALIENAÇÃO PARENTAL

Ab initio, cumpre fazer importante distinção entre os dois modelos de guarda existentes no ordenamento jurídico brasileiro, quais sejam, a guarda prevista no Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA (Lei nº 8.069/90) e aquela disciplinada no Código Civil. A primeira é considerada como uma das espécies de colocação em família substituta, ao lado da tutela e da adoção, pressupondo, portanto, a perda do poder familiar, e deve ser aplicada como medida específica de proteção ao menor (art. 101, VIII, do ECA), estando disciplinada nos artigos 33 a 35 do ECA. Já a segunda decorre da separação (judicial ou de corpos), divórcio ou dissolução da união estável dos genitores do menor, integrando o poder familiar como especialização do seu exercício, tendo o seu regramento nos artigos 1.583 a 1.590 do Código Civil, no Capítulo da Proteção da Pessoa dos Filhos.

No que tange à guarda prevista no Código Civil, objeto deste trabalho e que, por isso mesmo, passamos a centrar nossa atenção, ela deve ser entendida como a atribuição conferida a um dos pais separados, divorciados ou ex-conviventes de união estável ou a ambos “dos encargos de cuidado, proteção, zelo e custódia do filho” (LÔBO, 2008, p. 169).

Essa modalidade de guarda compreende duas outras espécies, a saber, a guarda unilateral ou exclusiva ou uniparental e a guarda compartilhada (espécie esta a ser trabalhada no capítulo seguinte), o que ficou muito claro na novel redação do caput do art. 1.583, dada pela Lei nº 11.698/08, segundo a qual “a guarda será unilateral ou compartilhada”.

A guarda unilateral, como regral geral, é aquela exercida exclusivamente por um dos genitores, decorrente de acordo estabelecido entre eles ou por determinação judicial, neste caso se não for recomendável o exercício da guarda compartilhada. Excepcionalmente, porém, a guarda unilateral pode ser atribuída a terceiros (levando-se em conta o grau de parentesco e a relação de afinidade e afetividade), em atenção ao princípio do melhor interesse do menor, quando os pais não demonstrem condições para o exercício desta vertente do poder familiar, a exemplo de “pais viciados em drogas, sem ocupação regular, com práticas de violência contra os filhos” (LÔBO, 2008, p. 173).

Nesse contexto, a Lei nº 11.698/08 inseriu no Código Civil importantes conceitos a respeito da guarda unilateral. A partir dela, por exemplo, encontra-se no novel art. 1.583, § 1º, a regra de que “Compreende-se por guarda unilateral a atribuída a um só dos genitores ou a alguém que o substitua (art. 1.584, § 5º) [...]”.

O recém criado art. 1.583, § 2º, passou a estatuir que “A guarda unilateral será atribuída ao genitor que revele melhores condições para exercê-la e, objetivamente, mais aptidão para propiciar aos filhos os seguintes fatores: I – afeto nas relações com o genitor e com o grupo familiar; II – saúde e segurança; III – educação”. Sobre esse dispositivo, desde já é preciso ponderar que, para uma eficaz proteção ao menor, somente é possível compreender os incisos nele referidos como meramente exemplificativos, não havendo ainda qualquer tipo de ordem de preferência entre eles.

Dando continuidade, o art. 1.583, § 3º, determina que “A guarda unilateral obriga o pai ou a mãe que não a detenha a supervisionar os interesses dos filhos”. Já o art. 1.584, § 5º, estipula que “Se o juiz verificar que o filho não deve permanecer sob a guarda do pai ou da mãe, deferirá a guarda à pessoa que revele compatibilidade com a natureza da medida, considerados, de preferência, o grau de parentesco e as relações de afinidade e afetividade”.

Ainda em atenção ao princípio do melhor interesse do menor, para que não haja a nefasta perda do contato dos filhos com o pai (gênero) não guardião, resguarda-se a este último o direito (muito mais um dever, poder-dever, a chamada potestà do direito italiano) de visitas e de convivência com o filho, direito este que deve ser fixado, por acordo, pelos pais ou, na impossibilidade, por decisão judicial (art. 1.589 do Código Civil). Dissertando sobre o direito de visita, o brilhante Professor Paulo Luiz Netto Lôbo leciona: O direito de visita, interpretado em conformidade com a Constituição (art. 227), é direito recíproco de pais e dos filhos à convivência, de assegurar a companhia de uns com os outros, independentemente da separação. Por isso, é mais correto dizer direito à convivência, ou à companhia, ou ao contato (permanente) do que direito de visita (episódica). O direito de visita não se restringe a visitar o filho na residência do guardião ou no local que este designe. Abrange o de ter o filho ‘em sua companhia’ e o de fiscalizar sua manutenção e educação, como prevê o art. 1.589 do Código Civil.

O direito de ter o filho em sua companhia é expressão do direito à convivência familiar, que não pode ser restringido em regulamentação de visita. Uma coisa é a visita, outra a companhia ou convivência. O direito de visita, entendido como direito à companhia, é relação de reciprocidade, não podendo ser imposto quando o filho não o deseja, ou o repele [...]. (LÔBO, 2008, p. 174).
Nos dias de hoje, como é cediço, o critério norteador da fixação da guarda unilateral (e também da guarda compartilhada, conforme será visto no capítulo seguinte) é o melhor interesse do menor, já que a medida deve ser aplicada sempre em seu benefício, por quem quer que seja.

Destarte, em uma análise histórica da matéria, verifica-se que nem sempre foi assim. Nesse sentido, o Código Civil de 1916, como forma de valorizar a única forma de família, a família matrimonial, impunha freios, desestímulos aos cônjuges quanto à separação judicial, notadamente na separação-sanção, ao estabelecer graves sanções ao tido como culpado pelo fim do relacionamento conjugal, dentre elas a perda automática da guarda judicial dos filhos, dispondo no seu artigo 326 que “sendo desquite judicial, ficarão os filhos menores com o cônjuge inocente”. Além disso, na hipótese de culpa de ambos os cônjuges, o art. 321 do Codex determinava que a guarda seria exercida por terceira pessoa.

Desse modo, a legislação civil da época acabava estipulando uma verdadeira sanção aos filhos do casal, pois aquele genitor em tese com melhores condições para o exercício da guarda poderia ser dela privado se fosse tido como culpado pela separação judicial e, o que é pior, se ambos os pais fossem considerados culpados, os menores seriam privados da convivência diária com os mesmos, ficando na companhia de terceiros.

O Estatuto da Mulher Casada (Lei nº 4.121/62) tentou consertar essa distorção e alterou a redação do Código Civil de 1916, que passou a regular a matéria da seguinte forma: se ambos os cônjuges fossem culpados ficariam em poder da mãe os filhos menores, salvo se o juiz verificasse que de tal solução pudesse advir prejuízo de ordem moral para eles (art. 326, parágrafo 1o); se fosse verificado que não deveriam os filhos permanecer em poder da mãe nem do pai, o juiz deferiria a sua guarda a pessoa notoriamente idônea da família de qualquer dos cônjuges ainda que não mantivesse relações sociais com o outro, a que, entretanto, seria assegurado o direito de visita (art. 326, parágrafo 2o); se houvesse motivos graves, poderia o juiz, em qualquer caso, a bem dos filhos, regular por maneira diferente das anteriores a situação deles para com os pais (art. 327, caput).

Apesar da tentativa, a legislação não extirpou a culpa da discussão da guarda judicial na ação de separação judicial, o que prejudicava, sem dúvida alguma, os próprios cônjuges enquanto pais e, principalmente, os seus filhos menores.

A Lei do Divórcio (Lei nº 6.515/77), por sua vez, insistiu em manter in totum o critério da culpa como definidor da guarda judicial dos filhos menores, ex vi da redação do seu artigo 10, caput e parágrafos 1º e 2º.

Com efeito, hodiernamente, o Código Civil de 2002, em respeito à doutrina do melhor interesse da criança (the best interest of the child), com muito acerto, afastou por completo qualquer tipo de influência da culpa no direito de guarda judicial dos filhos, pois, no seu art. 1.584, caput, com a redação anterior à edição da Lei nº 11.698/08, consagrou a regra geral segundo a qual “Decretada a separação judicial ou o divórcio, sem que haja entre as partes acordo quanto à guarda dos filhos, será ela atribuída a quem revelar melhores condições para exercê-la”.

Com relação ao citado dispositivo, embora a Lei nº 11.698/08 tenha modificado o seu teor, especialmente pelo que consta no atual art. 1.584, § 2º (“Quando não houver acordo entre a mãe e o pai quanto à guarda do filho, será aplicada, sempre que possível, a guarda compartilhada”), o qual será detidamente apreciado no capítulo 3 deste trabalho, certo é que a leitura dos artigos 1.583 e 1.584 continua a evidenciar que a intenção do legislador é de atender à doutrina do melhor interesse da criança, ex vi do 1.583, §§ 2º e 5º, já transcritos alhures.

Outro dispositivo que reforça a aplicação desta doutrina na atualidade é o art. 1.586 do Código, que estatui que “Havendo motivos graves, poderá o juiz, em qualquer caso, a bem dos filhos, regular de maneira diferente da estabelecida nos artigos antecedentes a situação deles para com os pais”.

Complementando esse cenário, registre-se que a Lei nº 11.112/05, alterando o art. 1.121, II, do Código de Processo Civil, exigiu como requisito da petição inicial da ação de separação consensual “o acordo relativo à guarda dos filhos menores e ao regime de visitas”.

Como visto, não há que se olvidar que, no exercício da guarda unilateral por parte de um dos genitores e, por conseqüência, do próprio direito de visita, a todo tempo deve ser privilegiado o melhor interesse do menor, sob pena de alteração de tais medidas, inclusive com a possibilidade de concessão da guarda em favor de terceiros.

Não obstante, há de se ressaltar que, no âmbito da guarda unilateral e do direito de visita, há muito mais espaço para que um dos genitores, geralmente a mãe, se utilize dos seus próprios filhos como “arma”, instrumento de vingança e chantagem contra o seu antigo consorte, atitude passional decorrente das inúmeras frustrações advindas do fim do relacionamento amoroso, o que é altamente prejudicial à situação dos menores, que acabam se distanciando deste segundo genitor, em virtude de uma concepção distorcida acerca do mesmo, a qual é fomentada, de inúmeras formas, pelo primeiro, proporcionando graves abalos na formação psíquica de pessoas de tão tenra idade, fenômeno que já foi alcunhado como Fenômeno da Alienação Parental, responsável pela Síndrome da Alienação Parental (SAP ou PAS).

Discorrendo sobre esses temas com maestria, a Professora Giselle Câmara Groeninga leciona: Segundo Gardner:

‘A Síndrome da Alienação Parental é uma das doenças que emerge quase que exclusivamente no contexto das disputas pela guarda. Nesta doença, um dos genitores (o alienador, o genitor alienante, o genitor PAS-indutor) empreende um programa de denegrir o outro genitor (o genitor alienado, a vítima, o genitor denegrido). No entanto, este não é simplesmente uma questão de ‘lavagem cerebral’ ou ‘programação’ na qual a criança contribui com seus próprios elementos na campanha de denegrir. É esta combinação de fatores que justificadamente garantem a designação de PAS [...]. Na PAS, os pólos dos impasses judiciais seriam compostos por um genitor alienador e um genitor alienado. Como apontado no início deste texto, seria fundamental considerar as contribuições do contexto judicial para a instalação de dita síndrome, ou Fenômeno de Alienação Parental, como se defende aqui ser mais apropriado denominar [...]. O genitor alienante seria, em geral, a mãe que costuma deter a guarda, e que a exerceria de forma tirânica. Inegável é a grande influência que a mãe exerce nos filhos pequenos, dada a natural seqüência de um vínculo biológico para o psíquico e afetivo. O que se observa é que há mães que utilizam sim de forma abusiva, consciente e inconscientemente, o vínculo de dependência não só física, mas, sobretudo, psíquica que a criança tem para com ela [...]. (GROENINGA, 2008, p. 122-123).
Acrescente-se que o Projeto de Lei nº 4.053/2008, de autoria do Deputado Federal Régis de Oliveira (PSC/SP), que tramita no Congresso Nacional, dispondo sobre a alienação parental, conceitua tal fenômeno, em seu art. 1º, caput, como “a interferência promovida por um dos genitores na formação psicológica da criança para que repudie o outro, bem como atos que causem prejuízos ao estabelecimento ou à manutenção de vínculo com este”, enquanto que, no parágrafo único deste mesmo dispositivo, apresenta um rol meramente exemplificativo de hipóteses que indicam a prática desta conduta, a saber:

I - realizar campanha de desqualificação da conduta do genitor no exercício da paternidade ou maternidade; II - dificultar o exercício do poder familiar;
III - dificultar contato da criança com o outro genitor;
IV - dificultar o exercício do direito regulamentado de visita;
V - omitir deliberadamente ao outro genitor informações pessoais relevantes sobre a criança, inclusive escolares, médicas e alterações de endereço;
VI - apresentar falsa denúncia contra o outro genitor para obstar ou dificultar seu convívio com a criança;
VII - mudar de domicilio para locais distantes, sem justificativa, visando dificultar a convivência do outro genitor.
Ilustrando ainda mais o instituto aqui apreciado, vale a pena transcrever interessante decisão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul versando sobre matéria:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE ALTERAÇÃO DE GUARDA DE MENOR. DECISÃO QUE RESTABELECEU AS VISITAS PATERNAS COM BASE EM LAUDO PSICOLÓGICO FAVORÁVEL AO PAI. PREVALÊNCIA DOS INTERESSES DO MENOR. Ação de alteração de guarda de menor em que as visitas restaram reestabelecidas, considerando os termos do laudo psicológico, por perita nomeada pelo Juízo, que realizou estudo nas partes envolvidas. Diagnóstico psicológico constatando indícios de alienação parental no menor, em face da conduta materna. Contatos paterno filiais que devem ser estimulados no intuito de preservar a higidez física e mental da criança. Princípio da prevalência do melhor interesse do menor, que deve sobrepujar o dos pais. NEGARAM PROVIMENTO AO AGRAVO DE INSTRUMENTO. (TJRS – Agravo de Instrumento nº 700281691118, 7ª Câmara Cível, Rel. Des. André Luiz Planella Villarinho, j. 11.03.2009).

Ademais, não há dúvidas também de que o (pouco) contato dos menores com o genitor não guardião através apenas de esporádicas visitas (geralmente semanais ou quinzenais, nos finais de semana) não é medida recomendável para o desenvolvimento da personalidade dos mesmos, sendo imperiosa uma maior participação deste na educação e formação daqueles.

Considerando esses empecilhos da guarda unilateral é que a doutrina civilista, há tempos, em proteção ao melhor interesse do menor, já advogava a necessidade de substituição de tal medida pela guarda compartilhada, tema a ser debatido no capítulo vindouro.


2. A GUARDA COMPARTILHADA E O MELHOR INTERESSE DO MENOR
O instituto da guarda compartilhada, até bem pouco tempo, não era previsto expressamente no ordenamento jurídico nacional, o que não impossibilitava a sua aplicação na prática, a uma com base nas experiências do Direito Comparado (principalmente na França – Código Civil francês, art. 373-2, Espanha – Código Civil espanhol, arts. 156, 159 e 160, em Portugal – Código Civil português, art. 1905º, Cuba – Código de Família de Cuba, arts. 57 e 58 e Uruguai – Código Civil uruguaio, arts. 252 e 257) e, a duas, com fulcro em dispositivos já existentes no ordenamento jurídico, especialmente o art. 229 da Constituição Federal (“Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores [...]”) e os artigos 1.579 (“O divórcio não modificará os direitos e deveres dos pais em relação aos filhos”), 1.632 (“A separação judicial, o divórcio e a dissolução da união estável não alteram as relações entre pais e filhos senão quanto ao direito, que aos primeiros cabe, de terem em sua companhia os segundos”) e 1.690, parágrafo único (“Os pais devem decidir em comum as questões relativas aos filhos e a seus bens; havendo divergência, poderá qualquer deles recorrer ao juiz para a solução necessária”) do Código Civil brasileiro.

Aliás, o Supremo Tribunal Federal (STF), em 1967, já teve a oportunidade de se pronunciar, em termos genéricos, sobre a importância da guarda compartilhada, ex vi do seguinte julgado:

O juiz, ao dirimir divergência entre pai e mãe, não se deve restringir a regular visitas, estabelecendo limitados horários em dia determinado da semana, o que representa medida mínima. Preocupação do juiz, nesta ordenação, será propiciar a manutenção das relações dos pais com os filhos. É preciso fixar regras que não permitam que se desfaça a relação afetiva entre pais e filho, entre mãe e filho. Em relação à guarda dos filhos, em qualquer momento, o juiz pode ser chamado a revisar a decisão, atento ao sistema legal. O que prepondera é o interesse dos filhos, e não a pretensão do pai ou da mãe. (RE 60.265-RJ).
Mais recentemente, em 2006, o enunciado nº 335 da IV Jornada de Direito Civil veio a estatuir: “A guarda compartilhada deve ser estimulada, utilizando-se, sempre que possível, da mediação e da orientação da equipe multidisciplinar”.

Apesar disso, não há que se olvidar que a recente Lei nº 11.698/08 é muito bem-vinda, pois colocou por terra qualquer discussão sobre a possibilidade de aplicação da guarda compartilhada ao inserir expressamente tal instituto no ordenamento jurídico pátrio, motivo pelo qual será apreciada com vagar em tópico próprio (capítulo 4).

A guarda compartilhada implica em exercício conjunto, simultâneo e pleno do poder familiar, afastando-se, portanto, a dicotomia entre guarda exclusiva, de um lado, e direito de visita, do outro. A partir dessa medida, fixa-se o domicílio do menor na residência preferencial de um dos genitores, mas ao outro é atribuído o dever de continuar cumprindo intensamente o poder familiar, através da participação cotidiana nas questões fundamentais da vida do seu filho, tais como estudo, saúde, esporte e lazer, o que vem a descaracterizar a figura do “pai/mãe de fim-de-semana”.

É certo que a guarda compartilhada não elimina, por exemplo, a clássica obrigação de pagamento de pensão alimentícia a ser assumida por um dos genitores. Não obstante, ela visa essencialmente ampliar os horizontes da responsabilidade dos pais, fomentando, em verdade, uma co-responsabilidade, uma pluralidade de responsabilidades na educação do filho, enfim, uma colaboração igualitária na condução dos destinos do menor.

Analisando com precisão cirúrgica esse fenômeno, a Professora Maria Berenice Dias leciona:

Guarda conjunta ou compartilhada significa mais prerrogativas aos pais, fazendo com que estejam presentes de forma mais intensa na vida dos filhos. A participação no processo de desenvolvimento integral dos filhos leva à pluralização de responsabilidades, estabelecendo verdadeira democratização de sentimentos. A proposta é manter os laços de afetividade, minorando os efeitos que a separação sempre acarreta nos filhos e conferindo aos pais o exercício da função parental de forma igualitária. A finalidade é consagrar o direito da criança e de seus dois genitores, colocando um freio na irresponsabilidade provocada pela guarda individual [...]. (DIAS, 2006, p. 361-362).
Idêntico raciocínio possui a destacada Professora Ana Carolina Brochado Teixeira, como se vê do trecho abaixo transcrito:

O que se constata é a presença marcante, no conceito ora esboçado, da possibilidade do exercício conjunto da autoridade parental, como aspecto definidor da guarda compartilhada, pois que possibilita que os genitores compartilhem as decisões mais relevantes da vida dos filhos [...]. A sagrada relação parental é desatrelada da definição dos rumos da conjugalidade dos pais, garantindo aos filhos a vinculação do laço afetivo com ambos os genitores, mesmo após o esfacelamento da vida em comum. Em verdade, o real mérito da guarda compartilhada tem sido popularizar a discussão da co-participação parental na vida dos filhos [...]. (TEIXEIRA, 2005, p. 110).
Como é cediço, inúmeros são os efeitos traumáticos provocados pela dissolução do casamento/união estável no desenvolvimento psíquico dos filhos menores e um deles, notadamente, é a perda de contato freqüente com um dos seus genitores. Nesse sentido, verifica-se que a guarda compartilhada pretende evitar esse indesejado distanciamento, incentivando, ao máximo, a manutenção dos laços afetivos entre os envolvidos acima referidos, afinal de contas pai (gênero) não perde essa condição após o fim do relacionamento amoroso mantido com o outro genitor (gênero) do seu filho, nos termos do art. 1.632 do Código Civil.

Nesse contexto, impende esclarecer que a guarda compartilhada não pode jamais ser confundida com a chamada guarda alternada: esta, não recomendável, eis que tutela apenas os interesses dos pais, implica em exercício unilateral do poder familiar por período determinado, promovendo uma verdadeira divisão do menor, que convive, por exemplo, (quinze) dias unicamente com o pai e outros 15 (quinze) dias unicamente com a mãe; aquela, por sua vez, altamente recomendável, eis que tutela os interesses do menor, consiste no exercício simultâneo do poder familiar, incentivando a manutenção do vínculo afetivo do menor com o genitor com quem ele não reside.

Sobre a minoração dos efeitos da dissolução do casamento/união estável dos pais com a maior participação dos mesmos na vida dos seus filhos através da guarda compartilhada, assevera Paulo Lôbo:

A guarda compartilhada é caracterizada pela manutenção responsável e solidária dos direitos-deveres inerentes ao poder familiar, minimizando-se os efeitos da separação dos pais. Assim, preferencialmente, os pais permanecem com as mesmas divisões de tarefas que mantinham quando conviviam, acompanhando conjuntamente a formação e o desenvolvimento do filho. Nesse sentido, na medida das possibilidades de cada um, devem participar das atividades de estudos, de esporte e de lazer do filho. O ponto mais importante é a convivência compartilhada, pois o filho deve sentir-se ‘em casa’ tanto na residência de um quanto na do outro. Em algumas experiências bem-sucedidas de guarda compartilhada, mantêm-se quartos e objetos pessoais do filho em ambas as residências, ainda quando seus pais tenham constituído novas famílias. (LÔBO, 2008, p. 176).
De outro lado, a guarda compartilhada também possui o importante efeito de impedir a ocorrência do Fenômeno da Alienação Parental e a conseqüente Síndrome da Alienação Parental (capítulo 1), já que, em sendo o poder familiar exercido conjuntamente, não há que se falar em utilização do menor por um dos genitores como instrumento de chantagem e vingança contra o genitor que não convive com o mesmo, situação típica da guarda unilateral ou exclusiva.

Com efeito, essas são justamente as duas grandes vantagens da guarda compartilhada: o incremento da convivência do menor com ambos os genitores, não obstante o fim do relacionamento amoroso entre aqueles, e a diminuição dos riscos de ocorrência da Alienação Parental. Desse modo, constata-se que, em verdade, a guarda compartilhada tem como objetivo final a concretização do princípio do melhor interesse do menor (princípio garantidor da efetivação dos direitos fundamentais da criança e do adolescente, tratando-se de uma franca materialização da teoria da proteção integral - art. 227 da Constituição Federal e art. 1º do Estatuto da Criança e do Adolescente), pois é medida que deve ser aplicada sempre e exclusivamente em benefício do filho menor.

Comentando sobre o princípio do melhor interesse do menor como finalidade precípua da guarda compartilhada, Rodrigo da Cunha Pereira pondera:

É comum vermos os filhos se tornam ‘moeda de troca’ dos pais no processo judicial. A ordem jurídica começou a perceber a necessidade de separar a figura conjugal da figura parental [...]. Muito pertinente, por isso, a discussão acerca do cabimento da guarda compartilhada no ordenamento jurídico pátrio. Este novo arranjo familiar atenderia aos Princípios do Melhor Interesse do Menor? A guarda compartilhada é um modelo novo, cuja proposta é a tomada conjunta de decisões mais importantes em relação à vida do filho, mesmo após o término da sociedade conjugal [...]. O que se garante é a continuidade da convivência familiar, que é um direito fundamental da criança e, por seu turno, um dever fundamental dos pais. A convivência, neste ínterim, não assume apenas a faceta do conviver e da coexistência, mas vai muito mais além, ou seja, participar, interferir, limitar, educar. Estes deveres não se rompem com o fim da conjugalidade, por força do art. 1.632 do Código Civil de 2002, por ser atributo inerente ao poder familiar, que apenas se extingue com a maioridade ou a emancipação do filho. Zelar pelo melhor interesse do menor, portanto, é garantir que ele conviva o máximo possível com ambos os genitores – desde que a convivência entre eles seja saudável, ou seja, que não exista nada que os desabone [...]. (PEREIRA, 2002006, p. 134-135).
Registre-se ainda que a guarda compartilhada, em atendendo ao princípio do melhor interesse do menor, também atenderá a outro princípio deste decorrente, qual seja, o princípio do direito à convivência familiar, insculpido no art. 227 da Carta Magna Federal e nos artigos 4º e 19 do Estatuto da Criança e do Adolescente.

Acrescente-se que a guarda compartilhada vai também de encontro com outros princípios constitucionais essenciais, a saber, a igualdade entre cônjuges/companheiros (art. 226, § 5º, c/c art. 226, § 3º), a paternidade responsável (art. 226, § 7º) e o planejamento familiar (art. 226, § 7º), este último fruto do princípio da autonomia privada, o qual está consubstanciado no princípio da liberdade (art. 5º, caput).

Como se vê, portanto, pelos benefícios por ela proporcionados e pela realização de princípios constitucionais que ela promove, notadamente o princípio do melhor interesse do menor, a guarda compartilhada deve ser tida como a regra geral na fixação do exercício do poder familiar com a dissolução do casamento/união estável, em prevalência sobre a guarda exclusiva ou unilateral.

Nesse trilhar, é bem verdade que não há sérias dificuldades na aplicação do instituto quando há acordo entre os cônjuges/companheiros a esse respeito, o que é mais comum na dissolução consensual do casamento/união estável. O problema que atormenta parcela da doutrina civilista reside na aplicação da guarda compartilhada quando não há acordo entre os pais sobre ela (fixação judicial, portanto), situação freqüente nas ações litigiosas de dissolução do casamento/união estável, pois, nesse caso, o conflito entre os genitores persistiria após tal ação de dissolução, o que prejudicaria sobremaneira o exercício sadio da responsabilidade conjunta do poder familiar.

A nosso ver, porém, esse problema é apenas aparente, sendo contornável pelo incentivo da prática da mediação familiar, conforme será visto no capítulo seguinte.


3. A GUARDA COMPARTILHADA E A NECESSIDADE DA PRÁTICA DA MEDIAÇÃO
Em linhas gerais, a mediação, como uma das espécies de equivalentes jurisdicionais, pode ser definida como a solução de conflitos não-estatal, onde um terceiro, o mediador, profissional devidamente preparado, se coloca entre as partes e fomenta uma solução autocomposta em que ambas saiam ganhando.

Na mediação, portanto, há uma solução do conflito apresentado sem a participação do ente estatal, mas sim com a intervenção de um terceiro imparcial, o mediador, que visa essencialmente promover um entendimento entre as partes envolvidas para que elas, por si próprias, através da linguagem, do diálogo, construam uma real e efetiva resposta ao problema vivenciado pelas mesmas.

Nas palavras do Professor mineiro Walsir Edson Rodrigues Júnior, a mediação é

[...] o processo dinâmico que visa ao entendimento, buscando desarmar as partes envolvidas no conflito. O mediador, terceiro neutro e imparcial, tem a atribuição de mover as partes da posição em que se encontram, fazendo-as chegar a uma solução aceitável. A decisão é das partes, tão-somente delas, pois o mediador não tem poder decisório nem influencia diretamente na decisão das partes por meio de sugestões, opiniões ou conselhos. (RODRIGUES JÚNIOR, 2007, p. 75).
Ressalte-se que a mediação não se confunde com outros equivalentes jurisdicionais correlatos, quais sejam, a conciliação ou autocomposição e a arbitragem, já que naquela o acordo de resolução da lide é obtido pelas partes, que não constroem juntas uma solução para o conflito, apenas fazem concessões recíprocas para que haja o término do embate, contando para isso com a interferência direta e constante de um terceiro, o conciliador, e nesta a solução do conflito é promovida por um terceiro eleito pelas partes, o árbitro, enquanto que na mediação tem-se a decisão da causa a partir de um ajuste engendrado pelas próprias partes, embora ocorra a participação de um terceiro, o mediador, que, diferente do conciliador, não sugere, interfere, aconselha, mas tão-somente facilita a comunicação entre os envolvidos, sem induzir as partes ao acordo.

Desse modo, um dos pontos fulcrais de distinção entre a mediação, a conciliação e a arbitragem é justamente “o grau de interferência do terceiro [...] na elaboração do acordo” (RODRIGUES JÚNIOR, 2007, p. 74). Como já afirmado alhures, o mediador “tem a atribuição de mover as partes da posição em que se encontram, fazendo-as chegar a uma solução aceitável” (RODRIGUES JÚNIOR, 2007, p. 75). O conciliador, por sua vez, “apesar de não decidir, influencia diretamente na decisão das partes por intermédio de uma intervenção mais direta e objetiva. Para alcançar o objetivo final, ou seja, o acordo, o conciliador induz, dá palpites e sugestões” (RODRIGUES JÚNIOR, 2007, p. 75). O árbitro, de outro lado, é o terceiro que é eleito pelas partes para que resolva o litígio relacionado a elas.

Além disso, outra marca de distinção entre a mediação, a conciliação e a arbitragem é a responsabilidade das partes envolvidas. Esclarecendo com brilhantismo esse critério, a Professora Águida Arruda Barbosa salienta:

A conciliação é um equivalente jurisdicional de alta tradição no direito brasileiro, que pode ser definida como uma reorganização lógica, no tocante aos direitos que cada parte acredita ter, polarizando-os, eliminando os pontos incontroversos, para delimitar o conflito e, com técnicas adequadas, em que o conciliador visa corrigir as percepções recíprocas, aproxima as partes em um espaço concreto. Neste equivalente jurisdicional, o conciliador intervém com sugestões, alerta sobre as possibilidades de perdas recíprocas das partes, sempre conduzidas pelo jargão popular sistematizado pela expressão ‘melhor um mau acordo que uma boa demanda’. Em suma, submetidas à conciliação, as partes admitem perder menos num acordo, que num suposto sentenciamento desfavorável, fundamentado na relação ganhador-perdedor. Na conciliação, há negação do conflito, pois o objetivo a que se propõem as partes é a celebração do acordo como uma forma de liberação daquele constrangimento oriundo da litigiosidade, e, para tanto, assumem compromisso mútuo, resultando em um consenso, orientado pelo princípio da autonomia da vontade dos litigantes. O que caracteriza esse equivalente jurisdicional é a celebração de acordo. Já a mediação tem linguagem própria, que representa o avesso da linguagem da conciliação e da arbitragem, impondo-se estabelecer uma exata discriminação para alcançar a compreensão do conceito destas importantes alternativas de acesso à justiça [...]. Na mediação, o acordo não é obrigatório como medida do sucesso ao acesso à justiça, podendo ser uma atividade preventiva, portanto, anterior ao conflito. Ademais, os mediandos podem perceber que, com a recuperação da capacidade de se responsabilizar pelas próprias escolhas, dêem outro significado à relação, transformando o conflito ou impasse em que se encontram envolvidos. Resta, assim, conceituar a arbitragem, na qual o elemento de solução de conflito é externo às partes, que, no exercício da autonomia da vontade, elegem uma terceira pessoa, neutra e imparcial – o árbitro -, autorizando-o a tomar uma decisão que obrigará os envolvidos no conflito. Em síntese, as partes submetem-se, por vontade própria, à vontade de um terceiro, que exercerá a função de juiz. (BARBOSA, 2004, p. 32-34).
De fato, na mediação há a prevalência da participação das partes na discussão do caso prático, as quais, aliadas entre si e com o auxílio do mediador, constroem uma solução do litígio que atende aos interesses de ambos os envolvidos, ou seja, sem perdas, apenas há ganhos, o que é feito através da linguagem, da comunicação, do diálogo, consagrando-se a dinâmica da intersubjetividade e ampliando-se a humanização do acesso à justiça, em atendimento à Teoria do Agir Comunicativo de Habermas.

A esse respeito, novamente a Professora Águida Arruda Barbosa leciona:

A mediação, examinada sob a ótica da teoria da comunicação, é um método fundamentado, teórica e tecnicamente, por meio do qual uma terceira pessoa, neutra e especialmente treinada, ensina os mediandos a despertar seus recursos pessoais para que consigam transformar o conflito. Essa transformação constitui oportunidade de construção de outras alternativas para o enfrentamento ou a prevenção de conflitos. (BARBOSA, 2004, p. 33).
Nesse sentido, registre-se que a mediação funda-se em uma linguagem ternária, a linguagem do diálogo, da pluralidade, da complexidade, de múltiplas possibilidades, do reconhecimento da situação peculiar de cada parte envolvida, na qual prevalece, portanto, a conjunção aditiva e ao revés da conjunção alternativa ou, típica da linguagem binária, linguagem do sim ou não, do tudo ou nada, do culpado ou inocente, do procedente ou improcedente, enfim, da imposição.

Nas palavras da Professora Águida Arruda Barbosa,

O pensamento ternário é próprio do mundo oriental, por influência da cultura, da religião, dos usos e costumes. Admite a criatividade humana, que é infinita, portanto, abre-se a possibilidade de muitas alternativas, para uma determinada situação, de acordo com os recursos pessoais dos protagonistas. A superioridade do pensamento ternário é evidente, pois muito mais afeito à natureza humana. Portanto, seu exercício humaniza o homem [...]. O pensamento ternário, ao incluir o terceiro, abre o tempo-espaço que contempla a discussão, fundamentando-a no reconhecimento do valor do outro, que se encontrava encoberto pela ausência do diálogo. (BARBOSA, 2004, p. 35).
A mediação, noutro giro, implica na sugestão de uma pluralidade de soluções para resolução do caso concreto (todas variáveis de acordo com a condição financeira das partes e do mediador), haja vista a existência de um constante diálogo entre os envolvidos. Em virtude deste método muito mais humanitário proposto pela mediação, alcança-se uma maior aceitação da solução da lide encontrada pelas partes, essencial para uma real pacificação do conflito, garantindo-se, portanto, que o litígio não será mais retomado.

Nesse cenário, deve-se ressaltar que nas causas de família a mediação ganha especial relevo, tendo em vista que nelas há uma maior dificuldade de se impor uma solução, já que as relações familiares são sempre permeadas pelo desejo, aspecto subjetivo que qualifica o litígio. Comentando sobre esse fenômeno, o genial Rodrigo da Cunha Pereira pondera:

[...] Nas relações do Direito de Família o elo determinante é o amor, o afeto, que está vinculado ao desejo, ao sujeito do inconsciente [...]. Consumir objetos de desejo não significa satisfazer o desejo, até porque sua fisiologia é querer sempre mais. Daí a definição de Lacan: desejo é desejo de desejo. A necessidade pode e deve ser satisfeita. A vontade, às vezes. O desejo nunca. É que é impossível satisfazê-lo. Ele sempre demandará outra satisfação [...]. A ilusão da completude nos move em direção à realização dos desejos e à procura de objetos que preencham o que falta em nós. O outro pode significar apenas um objeto da nossa ilusão, de tamponamento da incompletude. Quando o amor acaba, e esses restos vão parar na Justiça, o litígio judicial muitas vezes significa apenas uma maneira, ou uma dificuldade de não se deparar com o desamparo. Assim, uma demanda judicial é também um não querer deparar-se com o real do desamparo estrutural. Essas noções trazidas pela Psicanálise emprestam ao campo jurídico, particularmente ao Direito de Família, uma ampliação e compreensão da estrutura do litígio e do funcionamento dos atores e personagens da cena jurídica e judicial [...]. Nas relações jurídicas e judiciais o desejo, a vontade e a necessidade se entrelaçam, confundem-se e podem provocar injustiças. Por exemplo, em um pedido de pensão alimentícia a discussão objetiva é entre a necessidade de quem vai receber e a possibilidade de quem vai pagar. Entretanto, quando a relação entre os sujeitos ali envolvidos está malresolvida, a objetividade se desvirtua a partir de elementos e registros inconscientes. Quem paga, sempre acha que está pagando muito e quem recebe sempre acha que está recebendo pouco. Se a necessidade é x, pensa-se que é x+y, como se o y fosse um ‘mais’ para pagar um abandono, um desamor ou uma traição. Paga-se ‘menos’ que a necessidade como se esse menos fosse uma punição pelo fim da conjugalidade. Vê-se aí que o desejo, o inconsciente interferem no direito, no ‘dever-ser’, ao relativizar a necessidade, ou escamotear a possibilidade, alterando assim o curso de uma discussão que deveria ser apenas no campo da objetividade. O Judiciário e os advogados tornam-se instrumentos da busca da realização de um desejo inconsciente, cujo processo vem travestindo uma outra cena, que é da ordem da subjetividade. Compreender essa outra cena é não permitir ser instrumento de ilusão de satisfação do desejo oculto, é barrar o gozo, o excesso [...]. (PEREIRA, 2006, p. 55-57).
Corroborando com esse posicionamento, os Professores Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald assim dispõem:

Sem qualquer dúvida, a mediação é instrumento indicado para os conflitos de Direito de Família, servindo para arrefecer os ânimos das partes e, ao mesmo tempo, auxiliar à deliberação de decisões mais justas e consentâneas com os valores personalíssimos de cada um dos interessados [...]. Outrossim, a variada carga de conflitos humanos (afetivos, sexuais, emocionais...) que marca, particularmente, o Direito de Família e, ao mesmo tempo, a proteção constitucional da privacidade de cada uma das pessoas envolvidas, são argumentos fortes para o uso da mediação familiar. Em determinados conflitos (como relativos à guarda e visitação de filhos, v.g), a mediação familiar se apresenta com resultados amplamente favoráveis às partes e ao Judiciário, uma vez que ao indicar um perito para ter contato com as partes o magistrado sairá da rigidez da ciência jurídica e considerará ‘as partes como seres em conflito, esvaziando a disputa inesgotável do perde/ganha. (FARIAS; ROSENVALD, 2008, p. 23-24).
Arrematando, a Professora Fernanda Maria Dias de Araújo Lima afirma que:

A mediação se traduz na reconstrução de relações que se desgastaram ao longo do tempo por discórdias e divergências de opiniões, refazimento de laços, fomentação e amadurecimento do diálogo entre as partes, valorização das partes envolvidas no conflito, transformação de pontos divergentes em um ponto comum, valorização do instituto da família, tutela de menores normalmente colocados como objeto de disputa num conflito entre pais. (LIMA, 2007, p. 27).
No que tange ao objeto específico deste trabalho, pode-se afirmar que, nas causas envolvendo a guarda judicial, é sintomática a presença do desejo, sendo os filhos geralmente utilizados por um dos genitores como instrumentos de chantagem, revolta e de vingança contra o outro, o que é altamente prejudicial aos menores, muitas vezes vítimas do Fenômeno da Alienação Parental, conforme visto no capítulo 2.

Nessa linha de intelecção, Rodrigo da Cunha Pereira afirma que “o litígio judicial é uma história de degradação do outro. Mas, como isto é inconsciente, as partes, na maioria das vezes, não percebem o mal que estão fazendo a si mesmas e principalmente aos filhos” (PEREIRA, 2006, p. 57-58).

Arrefecendo o desejo, a mediação permite a construção de uma efetiva solução racional para o litígio, evitando-se o ressurgimento da lide e o oferecimento de nova demanda ao Poder Judiciário.

Dada esta sua importância, exige-se que ela seja bem feita, o que impõe a necessidade da capacitação do mediador, além da realização dos trabalhos através da interdisciplinaridade, principalmente com as áreas da Psicologia, da Psicanálise, do Serviço Social, da Sociologia etc.

Ultimadas essas considerações, é preciso destacar que a prática da mediação se faz absolutamente necessária para um eficaz exercício da guarda compartilhada, precipuamente quando não há acordo dos pais sobre ela, cabendo a decisão ao magistrado.

Ora, em sendo exigida na guarda compartilhada uma participação conjunta, simultânea dos pais na educação dos filhos menores, a permanência do conflito entre eles após a dissolução do relacionamento amoroso poderia, em tese, prejudicar sobremaneira o sucesso desse instituto, violando assim o princípio do melhor interesse do menor.

De fato, a priori, apresenta-se extremamente improvável a missão de promover o compartilhamento do exercício do poder familiar entre pessoas que continuam em conflito, sendo o convívio entre elas fonte de incremento desse mesmo conflito, o que constitui um terreno fértil para o desenvolvimento do Fenômeno da Alienação Parental, gerando a indesejada Síndrome da Alienação Parental. Diante disso, o incentivo da guarda compartilhada, nessas condições, acabaria funcionando como um meio de se promover a violação ao princípio do melhor interesse do menor.

Destarte, essa situação é contornável a partir da prática da mediação. O conflito existente entre os pais, caso trabalhado pela mediação, pode não ser transferido para os filhos, aliás, mais do que isso, pode ser definitivamente solucionado, harmonizando o convívio familiar e proporcionando um saudável desenvolvimento psíquico dos menores.

Assim, não obstante o passional conflito vivenciado pelos genitores, a mediação deve despertar o diálogo, o respeito, a humanização, a solidariedade e a cooperação entre eles, o que viabilizará o sucesso da guarda compartilhada. Em outras palavras, pode-se afirmar que, em havendo litígio entre os pais dos menores, a mediação deve ser encarada como uma etapa prévia necessária, obrigatória para a aplicação da guarda compartilhada. Por conseqüência, somente na hipótese de insucesso da mediação é que se deve evitar o uso da guarda compartilhada, apelando-se para a via excepcional da guarda exclusiva ou unilateral, tudo, reitere-se, visando o melhor interesse da criança.

Em resumo, pelos benefícios por ela proporcionados, a guarda compartilhada deve ser a regra geral do exercício do poder familiar após a dissolução do casamento/união estável, mas, em não havendo acordo dos pais acerca da guarda dos filhos por força do prévio litígio de direito material existente entre eles, tal espécie de guarda, para que seja viável e efetivamente atenda ao melhor interesse do menor, deve vir precedida da prática da mediação familiar. Uma vez frustrada a mediação é que se recomenda a fixação da guarda exclusiva, como medida, portanto, excepcional.

Como forma de aumentar as chances de êxito da mediação para a aplicação da guarda compartilhada, repita-se, é preciso que a prática daquele instituto se dê de forma multidisciplinar, recorrendo-se a conhecimentos extrajurídicos, notadamente da Psicologia, da Psicanálise, do Serviço Social, da Sociologia etc, afinal o operador do Direito (in casu, o magistrado) não possui conhecimentos técnicos suficientes para a resolução de conflitos familiares tão passionais como o que aqui se comenta.

Corroborando com todo o raciocínio esposado neste capítulo, Paulo Lôbo sintetiza:

Para o sucesso da guarda compartilhada é necessário o trabalho conjunto do juiz e das equipes multidisciplinares das Varas de Família, para o convencimento dos pais e para a superação de seus conflitos. Sem um mínimo de entendimento a guarda compartilhada pode não contemplar o melhor interesse do filho [...]. O uso da mediação é valioso para o bom resultado da guarda compartilhada, como tem demonstrado sua aplicação no Brasil e no estrangeiro. Na mediação familiar exitosa os pais, em sessões sucessivas com o mediador, alcançam um grau satisfatório de consenso acerca do modo como exercitarão em conjunto a guarda. O mediador nada decide, pois não lhe compete julgar nem definir os direitos de cada um, o que contribui para a solidez da transação concluída pelos pais, com sua contribuição. Sob o ponto de vista dos princípios constitucionais do melhor interesse da criança e da convivência familiar, a guarda compartilhada é indiscutivelmente a modalidade que melhor os realiza. (LÔBO, 2008, p. 177).
Registre-se novamente que o Enunciado nº 335 da IV Jornada de Direito Civil, em 2006, já consagrava expressamente esse entendimento, ao estipular que: “A guarda compartilhada deve ser estimulada, utilizando-se, sempre que possível, da mediação e da orientação de equipe interdisciplinar”.

É nesses termos que se defende neste trabalho que o advento da Lei nº 11.698/08 deve ser calorosamente comemorado pela comunidade jurídica nacional, conforme será apreciado no capítulo seguinte.


4. A GUARDA COMPARTILHADA E A LEI Nº 11.698/08
Como já mencionado em trechos esparsos deste trabalho, a recente Lei nº 11.698/08 instituiu expressamente no ordenamento jurídico pátrio o instituto da guarda compartilhada. Embora sancionada em 13 de junho de 2008 e publicada no Diário Oficial da União em 16 de junho do mesmo ano, a referida lei somente entrou em vigor no país 60 (sessenta) dias após a citada publicação, por força da vacatio legis instituída no seu artigo 2º.

Nesse capítulo, pretende-se analisar os dispositivos do Código Civil alterados por esta lei para demonstrar que a mesma, embora possua algumas falhas, deve ser muito bem recebida pela comunidade jurídica nacional.

Primeiramente, a lei acrescenta o § 1º ao art. 1.583 do Codex, trazendo no seu bojo o conceito de guarda compartilhada, nesses termos: “Compreende-se por [...] guarda compartilhada a responsabilização conjunta e o exercício de direitos e deveres do pai e da mãe que não vivam sob o mesmo teto, concernentes ao poder familiar dos filhos comuns”.

Nota-se que o conceito alhures transcrito, praticamente em sua íntegra, vai de encontro com o conceito já apresentado neste trabalho no capítulo 2. Não obstante, o conceito legal possui uma falha que merece ser apontada, ainda que de passagem: ele restringe o exercício da guarda compartilhada aos pais, vedando a utilização deste instituto por outras pessoas que eventualmente venham a cuidar dos menores, vedação esta que se distancia do conceito moderno de família, onde os vínculos de parentesco são muito menos jurídicos, muito mais afetivos (parentesco sócio-afetivo).

Nesse sentido, registre-se que o Professor Sérgio de Magalhães Filho, em artigo publicado na Revista Brasileira de Direito das Famílias e Sucessões do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), edição de número 04, ano 2008, páginas 50-62, noticia interessante caso julgado pela justiça paulista antes do advento da lei em que se permitiu o exercício compartilhado da guarda entre a mãe e o tio materno e padrinho de um menor. Nesse mesmo artigo, o autor registra a tendência da jurisprudência pátria de permitir que a guarda compartilhada seja exercida também por terceiros, como se vê do aresto a seguir reprisado:

GUARDA DE MENOR. PEDIDO FORMULADO PELO PAI. MENOR COM 5 ANOS DE IDADE, QUE VIVE SOB A GUARDA DE FATO DE UMA TIA. Interdição da mãe do menor, por deficiência mental. Curadoria exercida pela irmã, guardiã de fato do menor. Concessão da guarda do pai não recomendada. Manutenção do menor junto à guardiã e à mãe. Solução que melhor atende, no momento, aos interesses do menor. Ação julgada procedente. Recurso provido. (TJSP, Apelação Cível 111.249-4, Relª. Zélia Maria Antunes Alves, j. 21.02.00).
A nosso sentir, para que não seja afastada a possibilidade de guarda compartilhada ora em apreciação, não deve ser feita uma interpretação restritiva, taxativa do art. 1.583, § 1º, do Código Civil, mas sim extensiva, permitindo-se, portanto, a participação de terceiros nesta modalidade de guarda, conforme já consagrado pela jurisprudência. Com esse fim, o dispositivo em questão deve ser lido ao lado do teor do art. 1.584, § 5º (antigo art. 1.584, parágrafo único), segundo o qual “Se o juiz verificar que o filho não deve permanecer sob a guarda do pai ou da mãe, deferirá a guarda à pessoa que revele compatibilidade com a natureza da medida, considerados, de preferência, o grau de parentesco e as relações de afinidade e afetividade”.

Prosseguindo na análise da novel legislação, verifica-se que o art. 1.584 do Código foi profundamente alterado por ela. Em um primeiro momento, afirma-se que a guarda compartilhada (ou unilateral também) pode ser decretada por requerimento consensual dos pais ou de qualquer deles (inciso I: “requerida, por consenso, pelo pai e pela mãe, ou qualquer deles, em ação autônoma de separação, de divórcio, de dissolução de união estável ou em medida cautelar”) ou ainda judicialmente (inciso II: “decretada pelo juiz, em atenção a necessidades específicas do filho, ou em razão da distribuição de tempo necessário ao convívio deste com o pai e com a mãe”).

Como já referido no capítulo 3, não há que se olvidar que a tarefa de aplicação da guarda compartilhada torna-se muito mais fácil quando há consenso entre os pais a respeito deste instituto. Para tanto, eles devem estar completamente cientes das responsabilidades que irão cumular e, principalmente, dos benefícios que a medida trará aos filhos menores. Atento a tudo isso, o art. 1.584, § 1º, passa a estatuir que “Na audiência de conciliação, o juiz informará ao pai e à mãe o significado da guarda compartilhada, a sua importância, a similitude de deveres e direitos atribuídos aos genitores e as sanções pelo descumprimento de suas cláusulas”.

O ponto nevrálgico da guarda compartilhada, pelo menos para parte da doutrina civilista, diz respeito à aplicação da medida justamente quando não ocorrer o consenso acima mencionado. Nesse trilhar, diante da existência prévia de litígio entre os pais dos menores, não seria recomendável a fixação desta espécie de guarda, sob pena não só de frustração da medida, mas, sobretudo, de violação do melhor interesse dos filhos.

É com esse fundamento que parcela da doutrina vem criticando o teor do art. 1.584, § 2º, do Código Civil, que assim dispõe: “Quando não houver acordo entre a mãe e o pai quanto à guarda do filho, será aplicada, sempre que possível, a guarda compartilhada”.

No entender dessa corrente, tal dispositivo, ao estabelecer como regra geral a guarda compartilhada na hipótese de inexistência de acordo entre os pais (por determinação judicial, portanto), implicaria em um franco retrocesso, pois o art. 1.584, no seu caput, antes da alteração feita pela lei, determinava que, nesse caso, a guarda dos filhos será “atribuída a quem revelar melhores condições para exercê-la”, o que resguardaria com mais eficiência o melhor interesse do menor.

Em resumo, seria um grave erro impor a guarda compartilhada como regra geral em não havendo acordo dos pais sobre ela, pois seria enorme o risco de frustração dessa medida nessa hipótese, motivo pelo qual deveria ser mantida a regra geral anterior, mais condizente com o princípio do melhor interesse do menor.

Destarte, o problema apontado por essa parcela da doutrina é apenas aparente.

De fato, a redação do art. 1.584, § 2º, do Código Civil, é, sem dúvida alguma, a maior inovação trazida pela Lei nº 11.698/08. Em verdade, tal dispositivo pretendeu afastar a guarda unilateral (mesmo aquela exercida por “quem revelar melhores condições”, como afirmava o antigo art. 1.584, parágrafo único) como regra geral, substituindo-a pela guarda compartilhada.

Essa mudança da regra geral de estipulação da guarda judicial deve ser intensamente comemorada, pois, como já visto ao longo deste trabalho, a guarda compartilhada, por diversos motivos, é aquela medida que mais se coaduna com o princípio do melhor interesse do menor.

A existência de litígio entre os pais não prejudicará o sucesso da guarda compartilhada. Isso porque, conforme trabalhado no capítulo 3, para a aplicação desta medida na referida hipótese, exige-se previamente a realização da mediação interdisciplinar, meio altamente eficaz de resolução de conflitos familiares. Apenas e tão-somente no caso de insucesso da mediação, algo que, na prática, se verifica pouco provável, é que se recorrerá à medida excepcional da guarda unilateral, desde que com os parâmetros definidos no art. 1.584, § 5º (será atribuída a quem revelar compatibilidade com a natureza da medida), tudo em proteção ao melhor interesse do menor.

É com esse raciocínio que deve ser lida a expressão “sempre que possível” indicada no art. 1.584, § 2º, ou seja, em caso de inexistência de acordo entre os pais sobre a guarda do filho, valerá a regra geral da guarda compartilhada, sempre que a mediação previamente feita conseguir semear terreno fértil para a sua consecução, conseguir que o conflito existente entre os genitores, se não for solucionado, pelo menos não interfira no cumprimento conjunto do poder familiar; em não acontecendo tal êxito, aí sim a guarda compartilhada não será possível, devendo ser aplicada a medida excepcional da guarda unilateral, com os ditames estipulados pelo já citado § 5º do art. 1.584.

Nesse sentido, vale a pena noticiar que o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, recentemente, já sob a égide da Lei nº 11.698/08, entendendo não haver harmonia suficiente entre os pais que permitisse o sucesso da guarda compartilhada, exarou a seguinte decisão:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. DISSOLUÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL LITIGIOSA. PEDIDO DE GUARDA COMPARTILHADA. DESCABIMENTO. AUSÊNCIA DE CONDIÇÕES PARA DECRETAÇÃO. A guarda compartilha está prevista nos arts. 1583 e 1584 do Código Civil, com a redação dada pela Lei 11.698/08, não podendo ser impositiva na ausência de condições cabalmente demonstradas nos autos sobre sua conveniência em prol dos interesses do menor. Exige harmonia entre o casal, mesmo na separação, condições favoráveis de atenção e apoio na formação da criança e, sobremaneira, real disposição dos pais em compartilhar a guarda como medida eficaz e necessária à formação do filho, com vista a sua adaptação à separação dos pais, com o mínimo de prejuízos ao filho. Ausente tal demonstração nos autos, inviável sua decretação pelo Juízo. AGRAVO DE INSTRUMENTO DESPROVIDO. (TJRS - Agravo de Instrumento nº 70025244955, Sétima Câmara Cível, Relator: André Luiz Planella Villarinho, Julgado em 24/09/2008, Publicado em 01/10/2008).

Retomando o raciocínio, constata-se que, com a finalidade de reforçar o posicionamento ora exposto, o art. 1.584, § 3º, assevera que “Para estabelecer as atribuições do pai e da mãe e os períodos de convivência sob guarda compartilhada, o juiz, de ofício ou a requerimento do Ministério Público, poderá basear-se em orientação técnico-profissional ou de equipe interdisciplinar”. Assim, na hipótese do art. 1.584, § 2º, antes da aplicação da guarda compartilhada, deve ser realizada necessariamente a mediação interdisciplinar. A nosso ver, quando o dispositivo afirma que o juiz poderá, na verdade, está a criar um poder-dever para ele, ou seja, desde que imprescindível (caso do art. 1.584, § 2º), o magistrado tem o dever de determinar a prática da mediação interdisciplinar, tanto assim que é possível a sua atuação de ofício, sem qualquer tipo de violação ao princípio da inércia.

Aliás, por faltar conhecimentos técnicos ao juiz para resolução de conflitos deste jaez, não poderia ser outra a alternativa proposta pela lei a não ser impor a prática da mediação interdisciplinar como etapa prévia da aplicação da guarda compartilhada quando não houver acordo dos pais sobre esta matéria.

Em síntese, é positiva a modificação patrocinada pela Lei nº 11.698/08 ao substituir a regra geral da guarda unilateral a quem revelar melhores condições para exercê-la (antigo art. 1.584, parágrafo único) pela guarda compartilhada (atual art. 1.584, § 2º), por ser essa medida a que mais atende ao princípio do melhor interesse do menor. Na hipótese de não haver acordo entre os pais sobre tal medida, ela será aplicada “sempre que possível”, ou seja, sempre que for proveitosa a mediação interdisciplinar, a qual deverá ser determinada pelo magistrado. Entretanto, se não houver sucesso na mediação, será aplicada a medida excepcional da guarda unilateral, obviamente a quem relevar compatibilidade com a natureza desta medida, nos termos do art. 1.584, § 5º, tudo em atenção ao melhor interesse do menor.

Embora, portanto, a lei em análise deva ser comemorada pela comunidade jurídica nacional, de outro lado, ela comete um grave erro ao determinar que o art. 1.584, § 4º, tenha a seguinte redação: “A alteração não autorizada ou o descumprimento imotivado de cláusula de guarda, unilateral ou compartilhada, poderá implicar a redução de prerrogativas atribuídas ao seu detentor, inclusive quanto ao número de horas de convivência com o filho”. Ora, esse dispositivo fere de morte o princípio do melhor interesse do menor, pois se preocupa muito mais em punir uma conduta irregular dos pais do menor, ignorando que essa punição, na verdade, prejudicará sensivelmente o desenvolvimento do filho, que perderá tempo precioso de convívio com seus genitores.

Concluindo, não obstante suas falhas, as quais devem ser apontadas para aprimoramento da sua aplicação, a Lei nº 11.698/08, por tudo quanto discutido neste trabalho, deve ser bem recebida pela comunidade jurídica nacional.


CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em resumo, não há motivos para se temer o advento da Lei nº 11.698/08, muito antes pelo contrário, o reconhecimento expresso da guarda compartilhada no ordenamento jurídico nacional vem a ampliar os esforços para a efetivação do princípio do melhor interesse do menor, haja vista os seus naturais benefícios.

Nesse sentido, o risco de insucesso do uso deste instituto no caso de não existir acordo entre os pais do menor a respeito dessa medida é apenas aparente, sendo absolutamente contornável pela prévia prática da mediação interdisciplinar, conforme permitido pelo recente art. 1.584, § 3º, do Código Civil.

Por conseqüência, é salutar que o art. 1.584, § 2º, estipule a guarda compartilhada como regra geral, inclusive quando não houver acordo entre os pais do menor acerca da mesma, sendo ela aplicável “sempre que possível”, ou seja, sempre que frutífera a mediação familiar anteriormente realizada.

Não havendo sucesso na mediação, hipótese pouco provável, como vem se constatando empiricamente, é que se deve recorrer à excepcional guarda unilateral.

Por ora, as preocupações dos operadores do Direito não devem mais se voltar à disciplina legal da guarda compartilhada, mas sim à sua efetivação na prática, sendo imprescindível, para esse fim, o aprimoramento do instituto da mediação familiar, daí porque cresce a importância da aprovação do Projeto de Lei nº 505/07, apresentado ao Congresso Nacional pelo Deputado Sérgio Barradas Carneiro (PT/BA) por sugestão do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), que visa implementá-lo, acrescentando um parágrafo 3º ao art. 1.571 do Código Civil, o qual determinará que “na separação e no divórcio deverá o juiz incentivar a prática de mediação familiar”.


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Leonardo Barreto Moreira Alves
Promotor de Justiça do Estado de Minas Gerais
Bacharel em Direito pela Universidade Federal da Bahia (UFBA)
Especialista em Direito Civil pela PUC/MG
Mestre em Direito Privado pela PUC/MG
Professor de Direito Processual Penal dos cursos Praetorium BH/SAT e Aprobatum Membro do Conselho Editorial do Ministério Público do Estado de Minas Gerais Membro do IBCCRIM – Instituto Brasileiro de Ciências Criminais Membro do IBDFAM - Instituto Brasileiro de Direito de Família

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