Marisa Monte |
— Não faça isso! — Disse Ritinha, com o dedo em riste e em tom ameaçador, à Débora.
— O quê? — Respondeu a amiga.
— Se humilhar desse jeito, homem nenhum merece! Estou besta!
— Você não sabe do que está falando, Ritinha… Nunca teve uma paixão de verdade. Da missa, não sabe nem a metade! — E concluiu separando as sílabas. — Nem a me-ta-de!
Ritinha fez menção de responder, mas diante do que ouvira, apenas fechou a cara e foi embora. Mesmo não gostando, a amiga tinha razão. Pelo menos em parte, mas isso não justificava o que estava prestes à fazer: sair com o Maurício.
Nenhuma das amigas de Débora conhecia o rapaz pessoalmente, nem mesmo Ritinha — a amiga mais próxima — mas a fama dele era conhecida por todo mulherio da região. Fora esse detalhe da fama, as noites em que tiveram que apoiar Débora, que não se continha em pratos por tomar diversos foras de Maurício, serviram muito bem para mostrar que tipo de homem ele era: um legítimo cafajeste!
Uma coisa era certa, ele tinha um excelente domínio da lábia, sabia como ninguém, conseguir o que queria de uma mulher. Só isso explicava a situação! Até ele aparecer, Débora era uma mulher muito bem resolvida, de forma alguma deixaria homem algum a tratar de maneira tão desprezível.
Não interessava a ela contabilizar as pisadas de bola que Maurício dava. Se a deixava esperando na mesa de um bar ou sozinha no quarto de um motel. Quando ele ligava, Débora contrariava as amigas, desmarcava os compromissos e ia encontrá-lo.
A caminho de casa Ritinha ficou atormentada com as palavras da amiga. De fato, nunca tivera uma paixão. Namoricos foram muitos, mas alguém que lhe balançasse, lhe deixasse de quatro, nunca!
E não é que ela estivesse fechada para um relacionamento intenso, o problema é que ninguém realmente se apresentou com condições para mexer com sua cabeça. Chegou a se questionar sobre o seu nível de exigência, porém, mesmo quando pedia pouco não obtinha sucesso.
Adormeceu pensando nos acontecimentos do dia. Ao acordar teve ume epifania terrível: estava com inveja de Débora! Quisera estar errada, mas a raiva do dia anterior não tinha a ver com a postura da amiga, mas sim, com a sua necessidade de vivenciar algo tão intenso.
Com aquela revelação em mente, Ritinha mudou de postura. Viu que não ganharia nada se portando como uma freira. Se quisesse um homem daqueles, teria que ir à luta, se vestir melhor, frequentar festas e aprender um pouco mais sobre como seduzir alguém.
Estava certa de que, em pouco tempo, coisa de semanas, estaria acompanhada. Meses se passaram e nada do sapo vestido de príncipe aparecer.
Em uma noite de insônia, resolveu entrar numa dessas salas de bate-papo na internet. Passou horas conversando com estranhos com codinomes curiosos. Afinal, é normal nesses ambientes virtuais que as pessoas não utilizem seus nomes verdadeiros.
Talvez de forma inconsciente, passou a dar atenção para um que se intitulava como “Cafajeste Carinhoso”. As conversas entre os dois passaram a ser constantes; a cada dois ou três dias “teclavam” sobre o cotidiano.
O clima da conversa, vez ou outra, descambava para o erótico, o que tornava a brincadeira mais divertida. Porém, quando Ritinha via que estava passando para o pornográfico, dava alguma desculpa e se desconectava.
Não demorou para que resolvessem se encontrar. O convite surgiu dele, lógico. A curiosidade que Ritinha tinha sobre o suposto cafajeste serviu como incentivo para que ela aceitasse o convite.
Toda a situação era nova para ela. Tinha uma grande dose de surrealidade. Conhecer um completo estranho pela internet e ir encontrá-lo não estava dentro do que parecia aceitável. Não fosse a vontade que tinha de se apaixonar, não teria ido.
No dia combinado, Ritinha tomou um táxi e foi ao seu encontro em um bar bem movimentado. O local foi exigência dela, pois sabia dos riscos que corria. O rapaz poderia ser um assaltante ou algo pior. Melhor não arriscar.
Como não chegaram a dizer seus nomes, nem trocaram fotos, combinaram a roupa que estariam. Mas, nem precisaria, foi fácil encontrá-lo. Era o único homem sentado sozinho naquele bar.
A identificação de ambos foi espontânea e natural. Bastou cruzar os olhares para sentirem que haveria mais naquela noite.
— Não imaginava que você seria tão bonita! Assim que entrou por aquela porta, senti que o seu perfume mudou o ambiente. Muito prazer, meu nome é…
— Não diga! Prefiro desse jeito! De qualquer forma, obrigada pelos elogios. Vamos pedir algo?
O rapaz estranhou um pouco, mas prosseguiu.
Algumas taças de vinho depois, estavam a caminho do motel mais próximo. Para uma primeira vez o resultado foi excepcional. Na verdade, Ritinha nunca tinha experimentado tamanha identificação com alguém. Ele parecia saber como tudo funcionava no corpo dela, até mesmo, melhor que a própria.
Na manhã seguinte, praticamente sem dormir, resolveram ir embora. E foi no caixa do motel que Ritinha teve uma surpresa. Ao receber os documentos de volta, ela pode ver seu nome: Maurício.
Enquanto tentava disfarçar sua expressão de pânico, Ritinha pensava: “Meu Deus! Era só o que me faltava, ser o mesmo da Débora!”. Por uma daquelas coincidências trágicas, era o próprio.
Aquilo que seria apenas uma noite, se tornou frequente, mesmo sabendo de quem se tratava, Ritinha continuou a vê-lo. O sexo se tornou cada vez melhor, talvez pela cumplicidade que a frequência impôs ou porque tinha de ser.
Débora continuava sem saber de nada. Mas, por pouco tempo. Em dado momento, Ritinha não aguentou a culpa e se confessou à amiga. Ficaram sem se falar por algumas semanas, mas voltaram. Até que o inimaginável aconteceu: Maurício pediu Ritinha em casamento. E ela aceitou, de pronto!
Quando isso aconteceu, praticamente todas as amigas foram contra Ritinha, disseram que ela era louca, que estava jogando a vida fora, que cedo ou tarde ele a trairia e que ficaria sozinha. Algumas chegaram a revelar detalhes de relações que tiveram com Maurício na tentativa de demovê-la da ideia do casamento.
Quebraram a cara! Ritinha não deu bola, estava decidida a casar mesmo sabendo que as amigas estavam certas. Ela sabia que seria traída, mas também sabia que sem aquela paixão não viveria. Era melhor fazer vista grossa e ser feliz.
O casamento aconteceu. Com o tempo, as amigas perdoaram, Maurício era um cafajeste, mas era um cafajeste de dar saudades até em feministas.
BEM QUE SE QUIS
Verão brasileira, feita por Nelson Motta, da música
“E Po´ Che Fa”, de Pino Daniele, na voz de Marisa Monte
Bem que se quis
Depois de tudo
Ainda ser feliz
Mas já não há
Caminhos prá voltar
E o quê, que a vida fez
Da nossa vida?
O quê, que a gente
Não faz por amor?…
Mas tanto faz!
Já me esqueci
De te esquecer
Porque!
O teu desejo
É meu melhor prazer
E o meu destino
É querer sempre mais
A minha estrada corre
Pro seu mar…
Agora vem, prá perto vem
Vem depressa, vem sem fim
Dentro de mim
Que eu quero sentir
O teu corpo pesando
Sobre o meu
Vem meu amor, vem prá mim
Me abraça devagar
Me beija e me faz esquecer…
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