Por mim e pela minha filha, Maria Eduarda Carrilho
Roberta Carrilho
“Quando ao
leito nupcial de tua mãe – não o temas.
No passado,
em sonho também, bem como em oráculos,
Muitos
homens se deitaram com as próprias mães”.
Sófocles
Além de compartilhar o amor dos nossos pais com irmãos e irmãs, temos de compartilhá-lo também com o outro progenitor. Novas perdas à vista. Pois, embora Édipo – o destinatário das palavras confortadoras acima – não só tivesse sonhado, como realizado o incesto, fez apenas o que dizem que nós todos fazemos mais ou menos aos três anos de idade, e que desejamos apaixonadamente fazer: Livrar-nos de um dos progenitores e possuir o outro sexualmente.
São desejos proibidos e persistentes. São abandonados e revividos muitas vezes em nossa vida. Mas a grande renúncia – nossa primeira e decisiva desistência – ocorre quando desistimos da competição da infância, quando damos fim ao caso de amor mais intenso do que qualquer outro que pudermos ter.
Sim, Virgínia, existe o complexo de Édipo.
Ele fala conosco em nossos sonhos e no divã do psiquiatra. E fala através dos desejos de todos os dias de todas as crianças.
“Quando crescer vou me casar com ...” a pessoa mais próxima e mais amada de sua vida. Certamente é compreensível que, aos três anos, a pessoa mais próxima e mais querida seja o pai ou a mãe".
Muito bem, dirá Virgínia, posso aceitar o amor romântico: garotos namoram suas mães; garotinhas namoram os pais. É o aspecto sexual de Édipo (dirá Virgínia) que me parece estranho – e ofensivo. Crianças, crianças inocentes não têm vida sexual.
Sim, dizem os psicanalistas, elas têm.
Na verdade, por mais desagradável que seja imaginar impulsos sexuais numa criança de três anos, deveria reconhecer que a vida sexual começa antes disso, com os prazeres orais (e são evidentemente prazeres) do bico da mamadeira ou do seio da mãe. É verdade que essa fase oral pouco se parece com o ato adulto do pênis-vagina. Mas da boca ao ânus e aos órgãos genitais, certas partes do corpo – as zonas erógenas – são sucessivamente fontes centrais do que pode ser considerado como tensão sexual e prazer sexual.
Essa visão classicamente freudiana do desenvolvimento sexual deve, entretanto, ser considerada uma parte de um quadro mais vasto, que abrange, além das zonas sexuais, o relacionamento com as pessoas do nosso meio. Esses relacionamentos produzem o que o analista Erik Erikson chama de “encontros decisivos”, como o encontro da boca do bebê com o seio da mãe, em meio a tudo aquilo que se passa entre eles para ajudar ou dificultar o recebimento por parte da criança, a dádiva por parte da mãe. Nessa procura de ação compartilhada, que inclui os prazeres eróticos de ver, ouvir, ser tocado e carregado, existe um profundo prazer libidinoso que – como observa Erikson – não cabe num termo como “fase oral”.
Com a vida sexual que começa com o nascimento, o que dá à fase de Édipo uma importância tão especial e profunda? É que os desejos e necessidades são muito profundos. Somos dominados pelos conflitos provocados por esse triângulo perigoso e cheio de paixão. Embora tenham sido esquecidas as fantasias desenfreadas que antes incendiavam a mente, somos o que somos por causa do que fizemos com elas.
Foi Sigmund Freud que descobriu e descreveu o complexo de Édipo. Afirmou que é universal e inato. E embora, como veremos, ele implique sentimentos positivos e negativos em relação ao pai e à mãe, começaremos com uma observação sobre essa tese central e desafiadora.
O menino apaixona-se pela mãe. A menina apaixona-se pelo pai. O outro progenitor amado/odiado é um empecilho. Desejo sexual, ciúmes, competitividade e a vontade de dispor do rival aparecem muito antes de a criança ser capaz de dizer o bê-á-bá. Esses sentimentos, esses impulsos inconscientes em direção ao incesto e o parricídio, inundam-nos de culpa e de medo de uma retaliação.
Os adultos pouco ou nada lembram disso tudo. Nem naquela época o drama é representado explicitamente. O que pode haver são afagos, carinhos e beijos (“Eu te amo, papai”), explosões inexplicáveis (“Eu te odeio, mamãe"), brincadeiras nas quais a boneca-mãe se afasta por um longo, longo tempo, e pesadelos onde um monstro ou um tigre (tão assustador quanto alguns dos próprios desejos secretos da criança) persegue uma menina completamente apavorada.
Tudo isso é a sombra da encenação do complexo de Édipo. As emoções puras e não censuradas ficam fora do palco. Tampouco criança imagina conscientemente que o rival, como um monstro ou um tigre, possa lhe fazer mal. Mas o medo inconsciente do mal que ela pode infligir (pois, lembrem-se, ela não só odeia sua rival como a ama também), e o medo de que a rival odiada (a quem ama e de quem precisa) deixe de amá-la, podem provocar conflitos interiores suportáveis.
Além disso, a criança é pequena; eles são grandes; ela não tem o que é necessário para derrota-los ou possuí-los. Cada vez torna-se mais claro que está fadada ao desapontamento em suas ambições.
Assim, mais ou menos aos cinco anos, a maioria dos meninos e meninas enfrenta a necessidade de abandonar seus desejos proibidos de Édipo.
Que nunca são completamente abandonados.
Desejos que, em menor ou maior grau, e às vezes de modo confuso, continuam a determinar sua vida.
Um exemplo óbvio é a compulsão de uma mulher para escolher homens mais velhos, com o fim de casar, amar ou fazer sexo, uma condição para poder gratificar (nem sempre, mas muitas vezes) a fantasia, não completamente abandonada, de derrotar a mãe e conquistar o pai-amante. (“Que idade você tem?”, perguntou uma jovem que conheço ao homem que ela tinha levado para a cama. Quando ele respondeu, ela exclamou: “Exatamente a idade do meu pai”. O homem ficou embaraçado. “Isso é bom ou não?”, perguntou. A resposta foi franca e simples: “Isso é FANTÁSTICO!”).
Minhas inclinações edipianas levaram-me a me apaixonar várias vezes por homens vinte ou vinte e cinco anos mais velhos do que eu, cuja sabedoria, realizações e dedicação a esta ou aquela causa nobre eram um eco do meu desejo infantil de ter um herói para adorar. Para casar com um homem da minha idade, como fiz afinal, tive de me libertar das fantasias edipianas – aprendendo, mais tarde do que a maioria, que ser uma sócia num relacionamento oferece certas vantagens que a filhinha-do-papai não tem.
Mas o pai edipiano há tanto tempo desejado, não precisa ser um homem mais velho.
Pode simplesmente ser casado ou comprometido. Quando uma jovem que já teve vários casos com homens casados se queixa, suspirando que “os bons já estão comprometidos”, deve procurar saber de onde veio essa ideia desanimadora, para começar.
O único homem digno de ser conquistado, diz esta versão do triângulo, é o homem roubado de outra mulher. Mas, às vezes, o mais importante na fantasia de Édipo. Se um homem abandona a mulher por você, está provando que você é melhor do que a mulher dele.
Mas há um detalhe. Quando ele abandona a mulher, é possível que você não o queira mais.
Mary Ann perdeu o pai quando tinha três anos, e até hoje o procura, passando de um homem casado a outro. Mas seu interesse diminui quando o homem fica disponível.
Na verdade, no íntimo o que a motiva não é o desejo de encontrar o pai, mas a raiva que sente da mãe e o desejo de vingança. Assim, cada caso amoroso para ela é na verdade uma censura à mulher do seu amante. “Você está perdendo seu marido porque não cuida bem dele”. E cada um desses casos é para ela um furioso ataque contra a mãe, que “perdeu” o marido para a morte, não tendo tomado conta dele como devia.
Freud descreve uma atitude semelhante em homem cuja condição para o amor é de que “exista sempre uma terceira pessoa prejudicada”. Assim, quando um homem desse tipo se apaixona, é sempre por alguma mulher casada ou comprometida. Ele repete a experiência da infância de amar uma mulher já possuída por outro. E é evidente, diz Freud, “que a terceira pessoa prejudicada” nesses relacionamentos “é seu próprio pai”.
Os analistas dizem que as mulheres cujos amantes são, em sua fantasia, pais, podem sofrer inconscientemente de grande sentimento de culpa. Com “filhos” e “mães”, esse sentimento talvez seja mais profundo. Na verdade, o homem pode ficar impotente quando sua mulher se parece muito com a mãe; a importância evita que eles desobedeçam ao tabu do incesto. E, no caso de Arthur, que julgou ter resolvido seus problemas arranjando uma amante assim que ela começou a cuidar dele – a ser maternal – a impotência voltou.
Outro homem, branco, de classe média, tentou compreender por meio da psicanálise sua preferência por mulheres negras ou “exóticas”. Por que não se interessava por mulheres brancas de classe média? Descobriu que essa preferência baseava-se no fato de que aquelas mulheres “estranhas”, que evidentemente não podiam ser suas parentes, representavam a “não-mãe”, e ele, portanto, podia fazer sexo com elas.
Triângulos amorosos podem situar-se a um ou muitos passos de distância da sua fonte. São também geralmente representados de modo simbólico. Assim, atitudes ou ações que parecem “sem sentido” podem ter um significado psicológico, pois são versões do complexo de Édipo.
(O analista Ernest Jones, por exemplo, interpreta a famosa procrastinação de Hamlet como uma atitude edipiana. Ele jurou matar o tio, mas não consegue fazê-lo. “A vacilação de Hamlet, escreve Jones, não é motivada por sua incapacidade para a ação, nem por sua consciência extremamente cristã, nem por sua mãe, o tio havia feito o que Hamlet há muito desejava fazer”. Assim, “o próprio ‘demônio’ de Hamlet o impede de denunciar abertamente o tio... Na verdade, o tio simboliza a parte mais profunda e mais escondida da sua personalidade, e ele não pode matá-lo sem matar a si mesmo”).
Não é preciso aceitar o Hamlet de Jones para aceitar o complexo de Édipo. Ele pode ser encarado como uma – não a única – explicação da peça. E, na verdade, é essencial lembrar que todas as ações humanas são produtos de várias causas, que raramente ‘A’ leva a ‘B’, e que experiências anteriores da vida – doenças ou perdas importantes, o relacionamento de um bebê com a mãe – afetarão o modo como se enfrentam esses triângulos amorosos. Ou o fato de estarmos ou não preparados para enfrentá-los.
Contudo, nossos sentimentos e escolhas sexuais provavelmente expressam, nos anos seguintes, nossas respostas aos conflitos edipianos. Bem como a qualidade da nossa vida profissional. Lou, que jamais deixou de temer o pai poderoso da sua infância, aos quarenta anos é ainda submisso a todos os representantes da autoridade, ao passado que Mike, que ainda tenta desafiadoramente destronar o pai autocrata, tornou-se ativista político, lutando contra os “grandes” que dominam os “pequenos”. Quando esses homens examinaram os próprios sentimentos, voltam ao mundo dos cinco anos de idade, onde uma pessoa pequena ama/desafia/teme um homem grande. E se a derrota irremediável ou o desafio feroz permanecem como a marca do relacionamento pai-filho, derrota ou desafio podem colorir qualquer relacionamento subsequente com a autoridade.
Outro problema edipiano, muito mais comum do que se imagina, é o medo do sucesso – a chamada “neurose do sucesso”. Ela se manifesta em mulheres ou homens que afirmam desejar vencer em sua carreira, mas que de um modo ou de outro conseguem sabotar as próprias ambições – procurando evitar promoções, entrando em pânico se as conseguem. “As forças da consciência que provocam o mal-estar devido ao sucesso”, escreve Sigmund Freud, “estão intimamente ligadas ao complexo do Édipo...”
Freud refere-se a pessoas cujo temor infantil de competir com o progenitor do mesmo sexo continua a persegui-las quando adultos, e que – embora não se deem conta disso – equacionam sucesso com o assassinato daquele progenitor. Assim, o sucesso é perigoso porque haverá represálias. Se competir significa matar ou ser morto, e se todos os competidores representam o pai, o neurótico pode deixar de competir, pode fazer tudo para não ter sucesso.
O script revisto, então, deverá ser:Vou me contentar com o segundo lugar. Juro que jamais o ultrapassei.Por favor, não me machuque.
Para certas mulheres que temem o sucesso, o uso positivo das suas qualidades eliminaria completamente sua mãe, mesmo sem provocar sua ira. Algumas temem também que o uso positivo das suas qualidades possa prejudicar seu pai/marido. Assim, Emily, violinista adolescente, prejudica sua técnica com o arco e perde um concurso que teria ganho facilmente. E a brilhante jovem advogada Denise quase desmaia e tem de sair da sala, porque, em conversa com seu chefe, percebe de repente que pode fazer tudo o que ele faz – e melhor.
Esses temores de prejudicar ligam-se aos temores antigos, mas tenazes, de sermos abandonados. O sucesso significa: vou perecer porque todos irão embora. Os homens também têm esses temores, mas se se fala menos sobre eles, dizem alguns analistas, é porque o que os homens mais temem é o MEDO DO ABANDONO.
Evidentemente, existem boas razões para questionar o sucesso. Há as pressões. Há o sacrifício imposto sobre a vida de família. Mas quando pessoas capazes, que juram desejar um emprego melhor, chegam constantemente atrasadas para as entrevistas com empregadores, ou ficam doentes e não comparecem, ou conseguem parecer perfeitas idiotas quando entrevistas, possivelmente estão evitando, não desejando o sucesso. E quando pessoas que lutam por uma promoção tornam-se deprimidas ou angustiadas quando promovidas, provavelmente estão sofrendo de uma neurose do sucesso.
O curso desses triângulos sofre nova alteração quando acontece o que analistas chamam de COMPLEXO DE ÉDIPO NEGATIVO, uma condição emotiva que envolve desejos sexuais pelo progenitor do mesmo sexo, e sentimentos de rivalidade para o progenitor do sexo oposto. Na infância, luta-se com os dois complexos, o positivo e o negativo, e ambos permanecem conosco pelo resto da vida. O que significa que, enquanto para a maioria das pessoas os impulsos heterossexuais são ascendentes, todos nós somos, em certo grau, bissexuais.
(Entretanto, já foi dito que o desenvolvimento sexual da mulher é inevitavelmente mais difícil que o do homem, porque seu COMPLEXO DE ÉDIPO POSITIVO sempre é precedido pelo COMPLEXO DE ÉDIPO NEGATIVO, uma vez que a mãe é o primeiro grande amor de todo ser humano. Mais ou menos aos três anos, esse amor começa a se associar a intensas fantasias triangulares, que envolvem um par feliz e um indivíduo que fica de fora. Para meninas, bem como para meninos, o par feliz é formado pela mãe e pelo filho ou filha; o rival de ambos é um intruso cabeludo chamado papai).
(Assim, as meninas, quando resolvem seu complexo de Édipo, enfrentam uma perda dupla, desistindo primeiro da mãe e depois do pai. Os garotinhos podem algum dia casar com a nova edição da sua paixão original. As meninas têm que submeter seu primeiro amor a uma mudança de sexo).
O homossexualismo é uma das consequências possíveis do fracasso de resolver esses sentimentos edipianos negativos. Outra é o heterossexualismo. Um homem, por exemplo, pode escolher uma mulher (e ela não precisa parecer “masculina” nem agir como se o fosse) porque ela possui certas qualidades que a tomam, para ele, uma substituta de um amante masculino. E uma mulher pode escolher um marido cronicamente infiel, a fim de (mentalmente) compartilhar com ele suas amantes. Ou podem ser mais diretos, procurando, em papéis de homossexualidade passiva ou ativa, tomar ou dar o que desejavam do progenitor do mesmo sexo.
Devemos reconhecer que nossas intensidades e tendência sexuais têm muito a ver com nossa natureza inata. As pessoas diferentes na intensidade de suas necessidades desde o nascimento. Porém, embora esses “dons” inatos possam ser responsáveis por certas tendências, nossa natureza sexual é sem dúvida inata e adquirida. Na verdade, nossas respostas variadas aos vários aspectos dos conflitos de Édipo refletem de modo significativo nosso ambiente humano, que compreende irmãos e irmãs, e talvez outros parentes próximos, bem como o tipo de pais que temos e o modo como eles se comportam um com o outro e conosco. Inclusive sexualmente.
Pois devemos lembrar que, se o rei Édipo desejava dormir com Jocasta, Jocasta também queria dormir com Édipo. A corrente da paixão fluía nas duas direções. E, durante o período edipiano quando a criança se sente sexualmente atraída pelo pai ou pela mãe, os pais sentem-se também sexualmente atraídos pelos filhos.
Sim, Virgínia, pais normais – não pervertidos.
Mas a diferença entre os dois são as restrições – tanto conscientes quanto inconscientes – feitas a esses sentimentos. A diferença está na prática ou não desses sentimentos. Um psicanalista diz que jamais encontrou, na sua clínica, “um caso que seja apenas impulsos fortes demais. O dano ocorre”, diz ele, “quando o progenitor perturbado e perturbador entra em interação com a criança edipianamente receptiva”.
O comportamento de sedução dos pais pode excitar, confundir e assustar a criança. O ato de sedução, apesar de algumas afirmações recentes de que o incesto não é de todo mau, na opinião de muitos especialistas, é sempre arrasador.
O psicanalista Robert Winer caracteriza a família humana como fornecedora, durante a vida, de um “espaço transicional”, um lugar de repouso entre o indivíduo e a sociedade, a fantasia e a realidade, o interior e o exterior. O incesto, diz ele, é a violação desse espaço de dois modos: o pai incestuoso assalta a individualidade da filha, como que dizendo: “Você é a minha para eu fazer o que quiser”, e ao mesmo tempo força uma separação prematura para ela, como se dissesse: “Você não é minha filha, é minha amante”. O dr. Winer diz que o incesto “destrói a sagrada inocência que une a família”. Diz também que, embora a vida em família possa sofrer outras formas de exploração, o incesto “é o atentado, logo depois do assassinato, que traz as consequências mais devastadoras”.
Como pode isso acontecer?
“Depois da morte da mãe, quando minha filha era muito pequena, ela começou a ir para a minha cama todas as manhã, e às vezes dormia na minha cama. Eu tinha pena dela. Oh, depois disso, quando saímos juntos, no automóvel ou no trem, sempre ficávamos de mãos dadas. Ela cantava para mim. Dizíamos:
“Esta tarde não vamos dar atenção a ninguém... Seremos só nós dois... Esta manhã você é minha”. As pessoas achavam maravilhoso aquele relacionamento entre pai e filha – chegavam a chorar de emoção. Éramos como amantes – e então, de repente, passamos a ser amantes...”
Histórias semelhantes de incesto não são raras no divã do psicanalista. Esta, porém, não é do divã, mas uma ficção. A filha é a refinada Nicole de ‘Suave é a Noite’, de F. Scott Fitzgerald. As consequências para ela? Torna-se psicótica.
O mesmo acontece com a desamparada, feiosa, pobre criança negra Peccola, no livro de Toni Morrison ‘Os olhos mais Azuis’, cujo pai bêbado – excitado pela “rigidez do seu corpo paralisado de medo, pelo silêncio da garganta atônita... e pelo fato de fazer uma coisa terrível e proibida” – sem nenhuma ternura a estupra.
As versões na vida real da história de Peccola, quando relatadas, aparecerem nos tribunais de famílias ou nos relatórios policiais. Mas muitos casos não são contados, porque a vítima teme o que a revelação pode causar à sua família. No livro de Suzzane Fields sobre relacionamentos pai-filha, ‘tal Pai, tal Filha’, uma jovem assistente social chamada Sybil descreve suas dolorosas experiências reais de incesto:
“Eu apaguei a maior parte daquele período de minha vida, mas estou fazendo um esforço consciente para falar sobre ele agora. Acho que começou quando eu tinha oito anos. Sempre acontecia, em casa ou em viagem, de ficarmos algum tempo sozinhos, meu pai e eu. Ele começou fazendo com que eu o tocasse por cima da calça. Depois, expôs-se para mim e me tocou com suas mãos. Sempre insistia para que eu beijasse seu pênis, mas eu me negava”.
Sybil diz que, quando ela tinha quinze anos, o pai tentou o ato sexual, mas, ficando com o corpo rígido, ela evitou que acontecesse. Ela então procurou um conselheiro numa organização partícula, e disseram que podia fazer queixa e o pai seria preso. Mas, diz ela, “era horrível só o fato de tentar decidir. Se se fosse aos tribunais, minha família seria destruída. Meus irmãos jamais compreenderiam. Como íamos viver? No fim, não tive coragem de arriscar a destruição da família”.
Embora atos de incestos sejam mais comuns entre pais e filha, as mães podem também desempenhar um perigoso papel de sedutora dos filhos, levando para sua cama.
Vestindo-se na frente deles. Acariciando-os quando não deve. O dr. Winer descreve o caso de um universitário que era incapaz de sair com moças, e que ainda recebia massagens nas costas feitas por sua mãe. Massagens nas costas? Quando os pais não renunciam aos seus desejos incestuosos, observa ele, “fantasias incestuosas podem se realizar de modo simbólico, deslocado ou parcial”.
Outro analista descreve um exemplo mais direto de fantasias incestuosas da mãe. Sua paciente, mãe de um menino de quatorze anos, preocupa-se com a educação sexual do filho. Não queria que ele apanhasse doenças das prostitutas: uma viúva ou uma divorciada também não serviam. Ela rejeitava também moças solteiras, e imaginava o que aconteceria se se oferecesse ao filho como provisória parceira de sexo. O analista, usando a psicanálise, ajudou-a a se convencer de que essa não era uma boa ideia.
Sim, os pais têm sentimentos sexuais em relações aos filhos, até mesmo por filhos de três, quatro ou cinco anos. E o modo como eles reagem diante desses sentimentos tem muito a ver com o que a criança vai fazer com seu complexo de Édipo. Pois, deixando de lado os atos de sedução, uma atitude extremada dos pais pode ser o super estímulo, e outra pode ser a rejeição e a negação de qualquer contato físico. Em algum ponto entre os dois pólos, estão os pais e mães capazes de confirmar, com amorosas discrições, o valor do prazer físico nos relacionamentos humanos.
Nada impede que exista um relacionamento especial e particular entre marido e mulher, o qual filhos e filhas não devem invadir.
Nada impede que, por mais forte que seja o desejo, a criança, no fim, não vá embora com o progenitor desejado.
Durante o jantar, uma menina de quatro anos conversa com os pais sobre o pouco espaço do apartamento onde moram. A filha tem uma solução: “Passo minha cama para o quarto de vocês, e assim meu quarto vai ter mais lugar para os brinquedos”.
Quando o explica que o quarto do casal só para os dois, a menina para de comer, começa a bater no pai, depois desmorona aos pés dele. O terceiro membro do triângulo, a mãe da menina, comenta essa cena tocante e comovente.
“Sinto vontade de dizer a ele, e estou certa de que ela também sente: ‘Não diga isso'. Tenho vontade de adoçar a resposta para ela: ‘Nosso quarto ficaria mais apertado com duas camas’, ou qualquer coisa assim. Não quero que ela sofra e que se sinta rejeitada. Mas eu não digo nada. Ela precisa entender, de preferência, dito pelo pai, que ele ama a nós duas, porém, de modo diferente”.
Mas a cena não terminou. A mãe, lembrando o próprio desejo de ser a única diante do pai, descreve o que aconteceu a seguir:
“O pai diz que quer dar um grande abraço na menina, e que está disposto a brincar com ela depois do jantar. Ela levanta-se lentamente, recupera a dignidade e sorri, antecipando o abraço e a diversão. Eu também sorrio, pois tanto na dor quando no gracioso consolo, vejo refletido meu próprio ciúme, uma pista de minha passagem de criança para mulher adulta”.
A despeito da angústia que sentimos o fato de não podermos afastar nosso pai de nossa mãe nos leva ao crescimento e a um lugar no vasto mundo. Haverá consolação para nossa perda dolorosa, mas necessária. Porém, conseguir uma vitória de Édipo, derrotar nosso rival e conseguir o amor do pai ou da mãe, pode ser muito mais prejudicial para nós do que a derrota.
Uma mulher, que vivia com o homem que amava, repetidamente recusava o pedido constante de se casar com ele. Sentia-se compelida a recusar, sem saber por quê. Com a psicanálise, descobriu que estava equacionando casamento com ter filhos, e equacionamento ter filhos com a morte. Sua mãe morreu quando ela tinha quatro anos, o que para ela foi uma vitória de Édipo carregada de sentimentos de culpa, por ter ganho o pai tomando o lugar da mãe. E agora, temia o casamento, que queria dizer filhos, que queria dizer que ela também ia morrer, como castigo por seu maldoso e tão desejado triunfo.
Vitórias prejudiciais de Édipo podem ocorrer com a morte do pai ou da mãe: “Eu quero a minha mãe só para mim, e de repente meu pai morreu do coração”. Podem ocorrer também quando os pais se divorciam. Estudos recentes demonstram que os meninos são menos capazes que as meninas de enfrentar a separação dos pais, quando a menina fica com a mãe e que os efeitos neles – que incluem a diminuição do aproveitamento escolar, depressão, raiva, diminuição da autoestima, uso de drogas e do álcool – são mais duradouros e mais intensos. As meninas precisam da presença e referência da mãe como exemplo, como amor primeiro. Por ser mais comum os filhos e filhas ficarem sob a guarda da mãe após a separação dos pais, os traumas nas meninas são mais atenuados. Mas, caso não seja assim, podem ter as mesmas reações que os meninos quando separados de seus pais. Esses estudos sugerem também que problemas de Édipo explicam, em parte, os problemas maiores que os meninos e meninas têm com o divórcio dos pais, ainda quando a criança se identifica com o progenitor mais do que o outro.
Segundo Linda Bird Francke, em ‘Filhos do Divórcio’, a mãe ainda fica com a custódia dos filhos – por acordo ou determinação legal – em mais de 90% dos casos. Quando se trata de um filho homem, a maior parte das mães ficam com os filhos – e o filho fica com a mãe, “O conflito de Édipo supostamente é resolvido a favor da mãe, mas não a favor da criança”, diz o psiquiatra infantil Gordon Livingston, de Columbia, Maryland, cuja clínica atende cerca de quinhentos filhos de pais divorciados por ano.
“Contudo, atualmente têm se repetido os casos de resultado contrário”. O fato de o filho tomar o lugar na cama da mãe (às vezes literalmente), o aumento da tensão sexual e do sentimento de culpa, podem levar a desordem interior e ao comportamento problemático. Embora os meninos de três a cinco anos pareçam especialmente afetados pelas implicações edipianas do divórcio/separação, a fase da adolescente traz novamente à tona esses conflitos, tornando os filhos do divórcio/separação possessivos e ciumentos.
Um garoto de dezesseis deliberadamente trancou a porta, deixando a mãe na rua, quando ela saiu com um amigo. “Ela teve de acordar para entrar”, explicou ele mais tarde. “O cara, quando me viu, perdeu todo o entusiasmo”. Outro, de quinze anos, foi mais direto: “Quero que você esteja em casa às onze horas”, disse para a mãe, “e sozinha”.
Um estudo demonstrou que meninos entre nove e quinze anos têm maior dificuldades para aceitar um padrasto. Os mais jovens, contudo, confusos com suas ansiedades edipianas, podem fazer de tudo para levar outro homem para casa. “Com quem vamos nos casar agora?”, perguntava para a mãe insistentemente um garotinho. “Precisamos de um pai por aqui”.
Mas a vitória de Édipo não exige morte nem divórcio. Pode ser conseguida quando as mães (ou os pais) favorecerem os filhos em detrimento do outro cônjuge. São os casos de filhos mimados e adorados pela mãe, enquanto o pai é tratado por ela com mal disfarçado desprezo. Sem um homem com quem se identificar, sentindo-se culpado, temendo o castigo por seu sucesso, o jovem amante edipiano – quando consegue definir todo o problema – deseja ter perdido a competição edipiana. Isso acontece também quando a mãe está doente em depressão pós-parto e o pai sente um amor pela filha e a trata com mal disfarçado de desprezo.
Então, qual seria, para um analista, a solução “saudável” do complexo de Édipo? Como deve ser a renúncia construtiva ais cinco anos? Como renunciar a paixões que no mundo do inconsciente são temas para Skakespeare e Sófocles? E quais as vantagens desta perda necessária dos nossos impossíveis e proibidos?
Afirma-se que o complexo de Édipo nunca é completamente eliminado, e que aparecerá muitas vezes mais. Lutaremos com o complexo de Édipo durante toda a vida. Lutaremos com o complexo de Édipo durante toda a vida. Lutaremos para libertar nosso amor sexual e nossa autoafirmação vigorosa das imagens infantis e incestos e de parricídio. Às vezes, conseguimos fazê-lo.
A capacidade para enfrentar esse amor e esse ódio, esse medo, essa culpa e essa renúncia, quando se tem sorte, crescerá com o tempo. Mas os padrões tornam forma nos primeiros anos, quando se faz o que deve ser feito para resolver o complexo de Édipo.
Isso significa a renúncia do amor sexual pelo pai (ou pela mãe), a identificação – a empatia – com a mãe (ou com o pai). Na verdade, acreditando que ambos se oporão aos nossos maldosos desejos, nós os imitamos, repudiamos esses desejos. Adotamos seus padrões de moral e seu sistema de prêmios e castigos. Adquirimos uma agência interior de manutenção da lei.
Há perdas e ganhos.
Identificando-se com o progenitor do mesmo sexo, a criança enfrenta a natureza e os limites da identidade a que pertence, aprendendo o que pode e o que não pode fazer, como homem ou como mulher, e abandonando os desejos de algo impossível.
Consolidando nosso mecanismo interno de manutenção de lei – nosso superego -, enfrentamos a natureza e os limites da liberdade humana, aprendendo o que podemos, e abandonando nossos desejos do proibido.
Renunciando ao intercâmbio apaixonado com os pais, voltamos à estrada que leva a união total à separação, entrando num mundo que pode ser nosso, se renunciarmos aos nossos sonhos de Édipo.
Margerth Mead observa que o complexo de Édipo “tem esse nome derivado de um fracasso – do infeliz Édipo que não conseguiu resolver o conflito -, e não das soluções, embora quase todas um tanto comprometidas, adotadas pelas diversas civilizações”. Ela cita um poema piegas mas relevante – “A Um Usurpador” -, escrito antes da era da conscientização freudianas, no qual o pais identifica o antigo problema, e diz como poderá vir a ser resolvido.
Ahá!
Um traidor no campo,
Um rebelde estranhamente ousado
–Um moleque que mal sabe falar ou andar,
Com apenas quatro anos!
Pensar que eu, que governei sozinho,
Tão orgulhoso, no passado,
Tenha de ser expulso do meu trono
Por meu próprio filho, finalmente!
Ele espalha traição por toda parte
Como só bebês sabem fazer,
E diz que vai ser o namorado da mãe
Quando for “um grande homem”!
Renuncie à sua traição, meu filho,
Deixe o coração da mamãe para mim;
Pois haverá outra
Que exigirá sua lealdade.
E quando a outra chegar,
Queira Deus que seu amor cintile
Durante toda a sua vida, tão claro e verdadeiro
Quanto o de sua mãe por mim!
Judiht Viorst
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