Jornal do Brasil – Publicado em 24/02/2006
Deixemos os cenários sombrios sobre o futuro do Planeta.
Vamos às histórias que falam do destino final da vida.
Um trem corre veloz para o seu destino.
Corta os campos como uma seta.
Fura as montanhas.
Passa os rios.
Desliza como um fio em movimento.
Lá dentro se desenrola todo o drama humano.
Gente de todas as gentes.
Gente que conversa.
Gente que cala.
Gente que trabalha em seu computador.
Gente de negócios, preocupada.
Gente que contempla serenamente a paisagem.
Gente que cometeu crimes.
Gente que é boa gente.
Gente que pensa mal de todo mundo.
Gente solar que se alegra com o mínimo de luz que encontra em cada pessoa.
Gente que adora viajar de trem.
Gente que por razões ecológicas é contra o trem.
Gente que errou de trem.
Gente que não se questiona; sabe estar no rumo certo e a que horas chega em sua cidade.
Gente ansiosa que corre para os primeiros vagões no afã de chegar antes que os outros.
Gente estressada que quer retardar o mais possível a chegada e se coloca nos últimos vagões.
E absurdamente gente que pretende fugir do trem andando na direção oposta a ele.
E o trem impassível segue o seu destino, traçado pelos trilhos.
Despreocupadamente carrega a todos.
A ninguém se furta.
Serve a todos e a todos propicia uma viagem que pode ser esplendorosa e feliz.
E garante deixá-los todos no destino inscrito em sua rota.
Neste trem, como na vida, todos viajam gratuitamente.
Uma vez em movimento, não há como fugir, descer ou sair.
Pode se enfurecer ou se alegrar.
Nem por isso o trem deixa de correr para o seu destino predeterminado e carregar a todos cortesmente.
A graça de Deus – sua misericórdia, sua bondade e seu amor – é assim como um trem.
O destino da viagem é Deus.
O caminho é também Deus porque o caminho não é outra coisa
que o destino se realizando passo a passo, metro a metro.
A graça carrega a todos, os que são a favor e os que são contra.
Com a negação, o trem não se modifica.
Também não a graça de Deus.
Só o ser humano se modifica.
Pode estragar sua viagem.
Mas não deixa de estar dentro do trem.
Acolher o trem, enturmar-se com os companheiros de destino é já antecipar a festa da chegada.
Viajar é já estar chegando em casa.
A graça é ”a glória no exílio, glória que é a graça na pátria” como diziam os antigos teólogos.
Rechaçar o trem, correr ilusoriamente contra sua direção, de nada adianta.
O trem suporta e carrega também a estes rebeldes,
com toda a paciência, porque Deus se dá indistintamente a bons e a maus, a justos e a injustos.
A vida como a graça é generosa para com todos.
De tempos em tempos ela nos faz cair na realidade.
Nesse momento – e sempre há o momento propício para cada pessoa humana – o recalcitrante percebe então que é carregado gentil e gratuitamente.
De nada adianta sua resistência e revolta.
O mais razoável é escutar o chamado de sua natureza e
deixar-se seduzir pela oportunidade de uma viagem feliz.
Nesse momento desfaz-se o inferno interior e irrompe gloriosamente o céu, a face humanitária de Deus. Descobre a gratuidade do trem, de todas as coisas e a presença de Deus. Há um destino bom para todos cada qual na sua medida.
E tu, leitor e leitora, como viajas?
Leonardo Boff
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