quarta-feira, 17 de outubro de 2012

ANTOLOGIA - GRANDES LIVROS, CRÍTICOS ANÕES: UMA SELEÇÃO - Sérgio Rodrigue (Veja)

Flaubert dissecando Madame Bovary, ilustração de J. Lemot: 

"Não é um escritor", disse Le Figaro. A crítica jornalística, já disse Antonio Candido, é uma atividade de alto risco. Avaliar com pressa e no calor da hora os méritos de uma obra literária, emitindo juízos que a posteridade terá tempo de sobra para julgar, confirmar ou revogar, é andar na corda bamba. Elogios rasgados a livros medíocres costumam ser esquecidos, mas o oposto disso, o pau firme em obras que depois se revelam imortais, garante uma ridícula espécie de imortalidade aos resenhistas míopes. A Flavorwire, sempre ela, preparou uma saborosa lista (em inglês) de 15 críticas especialmente negativas colhidas por grandes obras da literatura na época de seu lançamento. Traduzi minhas preferidas:


SOBRE LOLITA, DE VLADIMIR NABOKOV: “‘Lolita’ é inegavelmente uma novidade no mundo dos livros. Infelizmente, uma novidade ruim. Há duas razões igualmente sérias para que o livro não mereça a atenção de nenhum leitor adulto. A primeira é que ele é chato, chato, chato de um modo pretensioso, floreado e vazio. O segundo é que ele é repulsivo.” Orville Prescott, The New York Times.


SOBRE ‘O MORRO DOS VENTOS UIVANTES’, DE EMILY BRONTË: “Como pode um ser humano ter escrito um livro como esse sem cometer suicídio antes de completar uma dúzia de capítulos é um mistério. É um misto de depravação vulgar e horrores artificiais.” Graham’s Lady’s Magazine.


SOBRE ‘ABSALÃO, ABSALÃO’, DE WILLIAM FAULKNER: “Sério, eu não sei o que dizer desse livro a não ser que ele aponta a última erupção daquele que um dia foi um talento notável, ainda que menor… Trata-se de ficção barata disfarçada sob o rebuscamento da linguagem e com uma falsa profundidade conferida pela manipulação hábil de uma série de truques técnicos excêntricos.” Clifton Fadiman, The New Yorker.


SOBRE ‘O GRANDE GATSBY’, DE F. SCOTT FITZGERALD: “O Sr. Scott Fitzgerald merece uma boa sacudidela. Eis aqui um indiscutível talento que não tem vergonha de fazer papel de bobo à vista de todos. ‘O grande Gatsby’ é uma história absurda, quer a consideremos como romance romântico, melodrama ou registro realista da vida nas altas rodas de Nova York”. L.P. Hartley, The Saturday Review.


SOBRE ‘ULISSES’, DE JAMES JOYCE: “Parece ter sido escrito por um lunático pervertido que se especializou na literatura das latrinas… James Joyce é um escritor de talento, mas em ‘Ulisses’ deixou de lado toda a decência elementar da vida para chafurdar com gosto em coisas que despertam risos escarninhos em adolescentes imbecis.” The Sporting Times.


SOBRE MADAME BOVARY, DE GUSTAVE FLAUBERT: “Monsieur Flaubert não é um escritor.” Le Figaro.

E para ninguém pensar que só resenhistas estrangeiros correm o risco de tomar sorvete com a testa, anexo aqui como faixas-bônus dois exemplos clássicos de miopia crítica doméstica, o primeiro de Álvaro Lins e o segundo, insuperável, de Sílvio Romero, o grande (sem ironia) crítico sergipano que odiava Machado de Assis. Divirtam-se:


SOBRE ‘PERTO DO CORAÇÃO SELVAGEM’ E ‘O LUSTRE’, DE CLARICE LISPECTOR: “Um romance não se faz somente com um personagem e pedaços de romance. Romances mutilados e incompletos são os dois livros publicados pela sra. Clarisse (sic) Lispector, transmitindo nas últimas páginas a sensação de que algo essencial deixou de ser captado ou dominado pela autora no processo da arte da ficção”. Álvaro Lins.


SOBRE O CONJUNTO DA OBRA DE MACHADO DE ASSIS: “Esse pequeno representante do pensamento retórico e velho no Brasil é hoje o mais pernicioso enganador, que vai pervertendo a mocidade. Essa sereia matreira deve ser abandonada. (…) O Sr. Machado simboliza hoje o nosso romantismo velho, caquético, opilado, sem ideias, sem vistas, lantejoulado de pequeninas frases, ensebadas fitas para efeito. Ele não tem um romance, não tem um volume de poesias que fizesse época, que assinalasse uma tendência. É um tipo morto antes do tempo na orientação nacional.” Sílvio Romero em 1885, três anos após a publicação de “Papéis avulsos” e quatro depois de “Memórias póstumas de Brás Cubas”.

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