sábado, 21 de dezembro de 2013

ESPÍRITO NATALINO por Pedro Alexandre Sanches


Não cabe em si neste final de ano, de tanto espírito natalino acalentado dentro do coração. Quando o ano começou a acabar, indignou-se com o crime passional da hora, com o sequestrador da ex-namorada, com a filha que matou os próprios pais, com os estupradores da Escola-Base. Clamou pelo linchamento dos culpados em praça pública.

Deseja uma maior distribuição de renda e uma menor desigualdade social no Brasil – desde que isso não signifique uma invasão de favelados aos mais equipados shopping centers do país.

Crê em Deus, e amaldiçoa todas as religiões que não sejam a sua.

Cultua nove entre dez astros da MPB e dez entre dez mitos hollywoodianos. Quer distância de homossexuais. Acredita que liberdade sexual é promiscuidade.

Sente repulsa pelos apedeutas, pelos ignorantes, pelos incultos. Leu poucos livros ao longo do ano.

Luta pelos direitos homossexuais e aplaude os xingamentos de “vadia”, “vagabunda” e “piranha” que enchem de ibope a novela das nove. É militante antirracista, sabe o que é ser vítima de preconceito racial e ofende homossexuais na rua ou na rede social. É feminista e atravessa a rua em sobressalto se vê à frente um Emicida, um Mano Brown, um Mr. Catra, um Carlinhos Brown, um Seu Jorge, um Neymar.

Toma de assalto a CDHM (Comissão de Direitos Humanos e Minorias) da Câmara dos Deputados, com o objetivo consciente de estuprar quaisquer direitos que não sejam os de sua própria turma.

Ama os bichos (especialmente os beagles) como se eles fossem membros da família, nem que para protegê-los seja necessário queimar na fogueira os ícones blasfemos da ciência.

Detesta a Paula Lavigne como se ela fosse sua madrasta.

Deseja e faz o bem à empregada doméstica, ao porteiro, ao motoboy. Gostaria de não ter de encontrá-los no aeroporto (que, por sinal, está um caos).

É humanista progressista, mas cancela visto de existência a quem queira viver fora do eixo, fora da mídia, fora da terra, fora do teto, fora da tradição, da família e da propriedade.

Odeia política. Odeia politicos. Odeia corrupção. Odeia corruptos. Escolhe a dedo os politicos e os corruptos que vai combater.

Não gosta das séries da Globo. Só das da Fox.

Ama a Justiça acima de tudo. Mesmo que ela seja feita pelas próprias mãos.

Está ao lado do presidente da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) na militância a favor do IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano) progressivo: quanto mais pobre, mais paga!

É contra o abuso de taxas e impostos (é contra taxas e impostos, a bem da verdade). Às vezes precisa sonegar algum.

É contra propinas, jabaculês, mensalões. Às vezes precisa pagar algum. Eventualmente se vê na inevitabilidade de cobrar algum.

Aplaude, legitima e consome concessões públicas que usam os bens públicos como se fossem privados. Cá entre nós, também faz uma baguncinha, na sua própria vida, entre o que é virtude pública e o que é vício privado (e vice-versa).

Deplora o racismo. Não simpatiza muito com baianos, paulistas, cariocas, paraibanos, índios, árabes, judeus, palestinos...

Estudou na USP, aculturou-se, não tem preconceitos estéticos, nem de classe social.

Deplora o racismo. Aprecia a sofisticação e em sua casa não se ouvem funk, rap, axé, pagode, tecnobrega, lambada, forró, arrocha, sertanejo. Tudo tem limites, e seus limites são estritamente estéticos.

Sabe que a praia e a praça são do povo como o céu é do condor e do avião, mas… na sua praia, não!!! Chamará a polícia se esses maloqueiros tiverem a audácia de invadir sua praia (detesta a polícia, mas recorrerá a ela se necessário).

É contra as drogas, é contra os drogados, é contra o tráfico de drogas, é contra quem acha que o tráfico de drogas é uma droga, é contra a legalização das drogas.

É contra isto tudo que está aí. É contra a esquerda. É contra a direita. É contra os Black Blocs. É contra ir às ruas. É contra quem não vai às ruas. É contra isto tudo que está aí.

Tem muito amor para dar, e vai dar todo o amor que tem neste ano (se neste ano não der, vai ser no próximo). Ama o Natal e o ano novo, preenche-se de bons sentimentos nessa época, depois de um ano corrido e tumultuado. Renova os votos a cada jornada, se veste dos pés à cabeça de espírito natalino, bondade, generosidade, solidariedade, fraternidade. Como cantava o roqueiro transviado Raul Seixas, é sempre mais fácil achar que a culpa é do outro. Evita o aperto de mão de um possível aliado. Convence as paredes do quarto e dorme tranquilo(a). Sabendo no fundo do peito que não era nada daquilo.

Pedro Alexandre Sanches


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