Autor da biografia 'Clarice,', escritor pede ao amigo Caetano Veloso que reconsidere sua iniciativa
Caro Caetano,
Nos EUA, quando eu era menino, havia uma campanha para prevenir acidentes na estrada. O slogan rezava: "Amigos não deixam amigos bêbados dirigir". Lembrei disso ao ler suas declarações e as de Paula Lavigne sobre biografias no Brasil. Fiquei tão chocado que me sinto obrigado a lhe dizer: amigo, pelo amor de Deus, não dirija.
Nós nos conhecemos há muitos anos, desde que ajudei a editar seu "Verdade Tropical" nos EUA. Depois, você foi maravilhoso quando lancei no Brasil a minha biografia de Clarice Lispector, escrevendo artigos e ajudando com o alcance que só você possui. Admiro você, de todo o coração.
E é como amigo e biógrafo que te escrevo hoje. Sei que você sabe da importância de biografias para a divulgação de obras e a preservação da memória; e sei que você sabe quão onerosos são os obstáculos à difusão da cultura brasileira dentro do próprio Brasil, sem falar do exterior.
Fico constrangido em dizer que achei as declarações suas e da Paula, exigindo censura prévia de biografias, escandalosas, indignas de uma pessoa que tanto tem dado para a cultura. Para o bem dessa cultura, preciso dizer por quê.
Primeiro, achei esquisitíssimo músicos dizerem que biógrafos querem ficar com "fortunas". Caetano, como dizem no Brasil: fala sério. Ofereço o meu exemplo. A biografia de Clarice ficou nas listas de mais vendidos em todo o Brasil.
Mas, para chegar lá, o que foi preciso? Andei por cinco anos pela Ucrânia, pela Europa, pelos EUA, pesquisando nos arquivos e fazendo 257 entrevistas. Comprei centenas de livros. Visitei o Brasil 12 vezes.
Você acha que fiquei rico, depois de cinco anos de tais despesas? Faça o cálculo. A única coisa que ganhei foi a satisfação de ver o meu trabalho ajudar a pôr Clarice Lispector no lugar que merece.
Tive várias vantagens desde o início. Tive o apoio da família da Clarice. Publico em língua inglesa, em outro país. Tenho a sorte de ter dinheiro próprio. Imagine quantos escritores no Brasil reúnem essas condições: ninguém.
Mas a minha maior vantagem foi simplesmente ignorância. Não fazia ideia das condições em que trabalham escritores e jornalistas brasileiros. Não sabia o quanto não se pode dizer, num clima de medo que lembra a época de Machado de Assis, em que nada podia ofender a "Corte".
Aprendi o quanto ganham escritores, jornalistas e editores no Brasil, e quanto os seus empregos são inseguros e como são amedrontados por ações jurídicas, como essas com que a Paula, tão bregamente, anda ameaçando.
É um tipo de censura que você talvez não reconheça por não ser a de sua época. Não obriga artistas a deixarem o país, não manda policiais aos teatros para bater nos atores. Mas que é censura, é. E mais eficaz do que a da ditadura. Antes, as obras eram censuradas, mas existiam. Hoje, nem chegam a existir.
Você já parou para pensar em quantas biografias o Brasil não tem? Para só falarmos da área literária, as biografias de Mário de Andrade, Guimarães Rosa, Cecília Meirelles, cadê? Onde é que ficou Manuel Bandeira, Rachel de Queiroz, Gilberto Freyre? Você nunca se perguntou por que nunca foram feitas?
Eu queria fazer. Mas não vou. Porque o clima no Brasil, financeiro e jurídico, torna esses empreendimentos quase impossíveis. Quantos escritores brasileiros estão impedidos de escrever sobre a história do seu país, justamente por atitudes como as suas?
Por isso, também, essas declarações, de que o biógrafo faz isso só por amor ao lucro, ficam tão pouco elegantes na boca de Paula Lavigne. Toda a discussão fica em torno de nossas supostas "fortunas".
Você sabe que no Brasil existem leis contra a difamação; que um biógrafo, quando cita uma obra ainda com "copyright", tem obrigação de pagar para tal uso. Não é diferente de você cantar uma música de Roberto Carlos. Essas proteções já existem, podem ser melhoradas. Mas falo de algo bem diferente do que você está defendendo.
De qualquer forma, essas obsessões com "fortunas" alheias fazem parte de um Brasil do qual eu menos gosto. Une a tradicional inveja do vizinho com a moderna ênfase em dinheiro que transformou um livro, um disco, uma pintura em "produto cultural".
Não é questão de dinheiro, Caetano. A questão é: que tipo de país você quer deixar para os seus filhos? A liberdade de expressão não existe para proteger elogios. Disso, todo mundo gosta. A diferença entre o jornalismo e a propaganda é que o jornalismo é crítico. Não existe só para difundir as opiniões dos mais poderosos. E essa liberdade ou é absoluta, ou não existe.
Imagino, e compreendo, que você pense que está defendendo o direito dos artistas à vida privada. Mas quem vai julgar quem é artista, o que é vida privada e sobre quem ou o que se pode escrever? Você escreve em jornal. Como o artista deve fazer, tem se metido no debate público. Sarney, da Academia Brasileira das Letras, escreve romances. Deve ser interditada também qualquer obra crítica sobre ele, sem autorização prévia?
Não pense, Caetano, que o seu passado de censurado e de exilado o protege de você se converter em outra coisa. Lembre que o Sarney, quando eleito governador do Maranhão, chegou numa onda de aprovação da esquerda.
Não seja um velho coronel, Caetano. Volte para o lado do bem. Um abraço do seu amigo,
Benjamin Moser
Benjamin Moser é autor de "Clarice" (Cosac Naify)
Fonte: Blog Elfi Kürten Fenske
Templo Culurual Delfos
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REPORTAGEM DA FOLHA DE SÃO PAULO
Paula Lavigne critica reportagem sobre biografias não autorizadas
08/10/2013A reportagem "Gil e Caetano se juntam a Roberto contra biografias" ("Ilustrada", 5/10) informou que a Associação Procure Saber deseja manter a exigência de autorização prévia para biografias. Tal informação está equivocada, e não foi o que eu, como presidente da Procure Saber, informei à repórter Juliana Gragnani.
Em entrevista, esclareci que não se tratava de ser a favor de autorização prévia. Expliquei longamente a posição da associação. Em e-mail, a advogada da Procure Saber ainda informou: "Vamos esclarecer, para não deixar dúvidas: a Associação Procure Saber não apoia exigência de autorização; o que essa associação propõe é que direitos e obrigações sejam equânimes, e que não haja abusos à guisa de proteger direitos que não estão sendo violados. É muito complicado reduzir toda a questão a um equivocado 'apoio à exigência de autorização'". Essa foi a minha manifestação, e a reportagem distorceu a posição da Associação.
PAULA LAVIGNE, presidente da Associação Procure Saber (Rio de Janeiro, RJ)
RESPOSTA DA JORNALISTA JULIANA GRAGNANI - Na entrevista concedida por e-mail, Paula Lavigne escreveu o seguinte, sem cortes: "Nosso grupo é contra a comercialização de uma biografia não autorizada". O posicionamento foi reiterado por telefone. Por mensagem, a assessoria do músico Gilberto Gil também confirmou: "Gil é a favor de se respeitar a lei brasileira que exige que o biografado seja consultado e autorize ou não a biografia".
Ainda estou estupefato com o apoio de Caetano Veloso, Gilberto Gil e Chico Buarque às proibições de biografias, justo eles, que foram baluartes na luta contra a ditadura militar, que foram exilados, perseguidos, e proibidos de exercer sua liberdade de expressão. É proibido proibir, deixemos a banda passar, pois o Haiti não é aqui.
Fonte:Ex de Caetano Veloso arruma briga com jornalista por conta de polêmica sobre biografias de cantores - Paula Lavigne chamou Mônica Bergamo de "recalcada" e "encalhada".
09 de outubro de 2013
Paula Lavigne brigou com jornalista no TwitterAgNewsOs cantores Caetano Veloso, Chico Buarque, Milton Nascimento, Gilberto Gil, Djavan e Erasmo Carlos formam o grupo Procure Saber, contrário ao lançamento de biografias não autorizadas.
A produtora e atriz Paula Lavigne, ex-mulher de Caetano, é a diretora do grupo e se envolveu em polêmica nesta quarta-feira (9).
Ela e Mônica Bergamo, a jornalista da Folha de S.Paulo, discutiram através do Twitter por conta do grupo e de uma reportagem do jornal que criticava a postura dos cantores.
Paula concedeu uma entrevista ao jornal falando sobre as biografias não autorizadas. Antes de ser publicada a matéria, a produtora teria pedido para ler o conteúdo. Mônica comentou no Twitter.
— @PaulaLavigne tentou ler matéria da Folha antes de publicação. Solicitação foi negada.
Sob protestos de Paula, Mônica complementou.
— A reportagem foi feita c base em declarações dadas por escrito e qq um pode ler, comparar e concluir. Abs.
Paula então escreveu várias mensagens direcionadas à jornalista.
— Deixa de ser chata e recalcada. Você não tem mais o que fazer nao! Mulher encalhada é foda.
A discussão se estendeu ao longo da tarde e terminou com Paula esbravejando.
— Gente, vou sair desse twiter. Está muita baixaria! Não dá para aguentar @monicabergamo levando a sério os retwiters! Francamente. Eu tenho q trabalhar. @monicabergamo ganha para encher o saco das pessoas. Eu nao. Tw [Twitter] ñ paga as minhas contas. Estou indo! Vamos elevar o astral.
Fonte:
REPORTAGEM DO ESTADÃO
Em defesa das biografias
Em Frankfurt, Laurentino Gomes ataca grupo que quer autorização prévia para o gênero
10 de outubro de 2013Convidado para fazer uma palestra a respeito de biografias no estande brasileiro da Feira do Livro de Frankfurt, Laurentino Gomes acreditava que aquele seria um debate como vários outros. "Mas as notícias que chegam do Brasil, no entanto, fizeram com que eu mudasse de ideia e, ao invés de falar sobre meus livros, decidi tratar da ameaça que os biógrafos sofremos agora", disse.
De fato, com o surgimento de um grupo chamado Procure Saber, a discussão se polarizou. De um lado, o Procure Saber, pilotado pela empresária Paula Lavigne e formado por músicos como Chico Buarque, Caetano Veloso e Gilberto Gil e que lutam contra a modificação no Código Civil, ou seja, que continue sob vigilância qualquer tentativa de se biografar alguma personalidade sem prévia autorização.
De outro, o grupo dos biógrafos, formado por Fernando Morais, Ruy Castro, Lira Neto, Paulo César de Oliveira e o próprio Laurentino Gomes que, apesar de não organizados sob uma mesma entidade, defendem o pleno direito de se escrever sobre a vida pública de personalidades.
"O Brasil é hoje um dos raros casos de país democrático que impõem dificuldade ou mesmo censura ao trabalho dos biógrafos", disse Gomes. "Essa situação ameaça transformar o Brasil no paraíso da biografia chapa-branca, aquela que só é publicada mediante autorização prévia."
O escritor, que recentemente publicou o livro 1889, disse ter ficado chocado ao descobrir o apoio daqueles músicos à bancada evangélica do Congresso para impedir a aprovação de um projeto de lei que modifique o artigo 20 do Código Civil, que confere à Justiça beneficiar qualquer pessoa que se julgue prejudicada ou ameaçada por uma biografia.
"Proibir ou dificultar a produção de biografias é engessar a História e tirar dela o seu componente mais encantador: a complexidade e a incerteza que envolve seus personagens, alvos permanentes de novas descobertas e interpretações", disse o biógrafo, que apoiou o movimento dos músicos por mudanças no regimento de direitos autorais, ainda que isso implicasse em tirar fotos com políticos e "dar tapinhas nas costas do deputado Renan Calheiros".
"Paula Lavigne afirma querer a verdade, mas, é preciso lembrar, também os militares diziam isso, nos anos de chumbo, para justificar seus atos." Procurada pelo Estado, Paula Lavigne pediu para responder por e-mail a perguntas da reportagem, mas não enviou as respostas até o fechamento desta edição./ COLABOROU ROBERTA PENNAFORT
Blogs e Colunistas
segunda-feira, 28 de outubro de 2013
Hoje (28/10/13), às 17h, a linha de frente do Procure Saber – Roberto Carlos, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Djavan e Erasmo Carlos – gravarão no Rio de Janeiro um vídeo com suas manifestações a respeito da polêmica das biografias.
O vídeo faz parte de uma nova estratégia, que teve início com a aparição ontem de Roberto Carlos no Fantástico.
O grupo agora não quer falar mais em censura prévia – e muito menos em um dízimo a ser pago pelos editores para a publicação de biografias.
De acordo com o que ficou combinado numa reunião na sexta-feira passada, no estúdio de Roberto Carlos, a ordem agora é discutir o direito à privacidade e esquecer de uma vez por todas a ideia da autorização para a biografia.
No vídeo, os artistas falarão sobre o tema já com essa nova embocadura. Chico Buarque, ainda em Paris, não confirmou se gravaria o vídeo, mesmo que a distância.
Numa palavra, baixou o bom senso. Isso deve ser comemorado.
Por Lauro Jardim
Muito bem!!
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