sábado, 18 de outubro de 2014

CULPA: PSICOLOGIA DA CULPA, CONSEQUÊNCIAS E LIBERTAÇÃO por Divaldo Franco pelo Espírito Joanna de Ângelis

Foto by Brett Walker - link: https://www.flickr.com/photos/brettwalker/



A psicologia da culpa

Duas são as causas psicológicas da culpa: a que pro­cede da sombra escura do passado, da consciência que se sente responsável por males que haja prati­cado em relação a outrem e a que tem sua origem na infância, como decorrência da educação que lhe foi ministrada.

A culpa é resultado da raiva que alguém sente contra si mesmo, voltada para dentro, em forma de sensação de algo que foi feito erradamente.

Este procedimento preexiste à vida física, porque ori­ginário, na sua primeira proposta, como gravame cometido contra o próximo, que gerou conflito de consciência. Quando a ação foi desencadeada, a raiva, o ódio ou o desejo de vingança, ou mesmo a inconsequência moral, não permitiram avaliação do desatino, atendendo ao im­pulso nascido na mesquinhez ou no primarismo pessoal.

Lentamente, porém, o remorso gerou o fenômeno de identificação do erro, mas não se fez acompanhar da coragem para a conveniente reparação, transferindo para os arquivos do Espírito o conflito em forma de culpa, que ressuma fa­cilmente ante o desencadear de qualquer ocorrência pro­duzida pela associação de ideias, condutora da lembrança inconsciente.

Quando isto ocorre, o indivíduo experimenta insopitável angústia, e procura recurso de autopunição como mecanismo libertador para a consciência responsável pelo delito que ninguém conhece, mas se lhe encontra ínsito no mapa das realizações pessoais, portanto intransferível. Apresenta-se como uma forte impregnação emocio­nal, em forma de representações ou ideias (lembranças in­conscientes), parcial ou totalmente reprimidas, que ressurguem no comportamento, nos sonhos, com fortes tintas de conflito psicológico.

Na segunda hipótese, a má-formação educacional, especialmente quando impede a criança de desenvolver a identidade, conspira para a instalação da culpa. Normalmente exige-se que o educando seja parcial e adulador, concordando com as ideias dos adultos - pais e educadores - que estabelecem os parâmetros da sua conduta, sem terem em vista a sua espontaneidade, a sua liber­dade de pensamento, a sua visão da existência humana em desenvolvimento e formação.

É de lamentar-se que as crianças sejam manipuladas por genitores, guardiões e professores, quando frustrados, que lhes transmitem a própria insegurança, insculpindo-lhes com­portamentos que a si mesmos agradam em detrimento do que é de melhor para o aprendiz. Precipita-se-lhe a fase do desenvolvimento adulto com expressões piegas, nas quais se afirmam: "já é uma mo­cinha, trata-se de um rapazinho", inculcando-lhes condutas extravagantes, sem que deixem de ser realmente crianças.

A vida infantil é relevante na formação da personali­dade, na construção da consciência do Si, na definição dos rumos existenciais.

A conduta dos adultos grava no educando a forma de ser ou de parecer, de conviver ou de agradar, de conquistar ou de utilizar-se, dando surgimento, quase sempre, quando não correta, a inúmeros conflitos, a diversas culpas.

Constrangida a ocultar a sua realidade, a fim de não ser punida, sentindo-se obrigada a agradar os seus orientadores, a criança compõe um quadro de aparência como forma de conveniência, frustrando-se profundamente e perturbando o caráter moral, que perde as diretrizes de dignidade, os referenciais do que é certo e do que é errado...

Essa má-educação é imposta para que os educandos sejam bons meninos e boas meninas, o que equivale a dizer que atendam sempre aos interesses dos adultos, não os contrariando, não os desobedecendo. Bem poucas vezes pensa-se no bem-estar da criança, no que lhe apraz, naquilo que lhe é compatível com o entendimento.

Vezes outras, como forma escapista da própria cons­ciência, os pais cumulam os filhos com brinquedos e jogos, em atitude igualmente infantil de suborno emocional, a fim de os distrair; em realidade, no entanto, para fugirem ao dever da sua companhia, dos diálogos indispensáveis, da convivência educativa mais pelos atos do que pelas palavras.

Apesar de pretender-se tornar independente o edu­cando, invariavelmente ele cresce codependente, isto é, sem liberdade de ação, de satisfação, culpando-se toda vez que se permite o prazer pessoal fora dos padrões estabeleci­dos e das imposições programadas. Para poupar-se a problemas, perde a capacidade de dizer não, a espontaneidade de ser coerente com o que pen­sa, com o que sente, com o que deseja.

Não poucas vezes, a criança é punida quando se opõe, quando externa o seu pensamento, quando se nega, alterando a maneira de ser, a fim de evitar-se os sofrimentos.

Há uma necessidade psicológica de negar-se, de di­zer-se não, sempre que se faça próprio, sem a utilização de métodos escapistas que induzem à pusilanimidade, à incoerência de natureza moral.

Não se pode concordar com tudo, e ipso facto, omi­tir-se de dizer-se o que se pensa, de negar-se, de ser-se autêntico. Certamente a maneira de expressar a opinião é que se torna relevante, evitando-se a agressividade na resposta negativa, a prepotência na maneira de traduzir o pensamento oposto. Torna-se expressivo, de certo modo, não exatamente o que se diz, mas a maneira como se enun­cia a informação.

Esse hábito, porém, deve ser iniciado na infância, embutindo-se no comportamento do educando a coragem de ser honesto, mesmo que a preço de algum ônus.

Essa insegurança na forma de proceder e a dubiedade de conduta, a que agrada aos outros e aquela que a si mes­mo satisfaz, quase sempre desencadeiam processos sutis de culpa, que passam a zurzir o indivíduo na maioria das vezes em que é convidado a definir rumos de comportamento.

A culpa pode apresentar-se a partir do momento em que se deseja viver a independência, como se isso constituísse uma traição, um desrespeito àqueles que contribuíram para o desenvolvimento da existência, que deram orientação, que se esforçaram pela educação recebida. Entretanto, merece considerar que, se o esforço foi realizado com o objetivo de dar felicidade, esta começa a partir do instante em que o indivíduo afirma-se como criatura, em que tem capacidade para decidir, para realizar, para fazer-se independente.

Os adultos imaturos, no entanto, diante desse comportamento, cobram o pagamento pelo que fizeram, dizendo-se abandonados, queixando-se de ingratidão, provocando sentimentos injustificáveis de culpa, conduta essa manipuladora e infeliz.

Esse método abusivo é normalmente imposto à in­fância, propiciando que a culpa se instale, quando a criança dá-se conta de que pensa diferente dos seus pais, exigindo desses educadores sabedoria para poderem diluí-la e apoia­rem o que seja correto, modificando o que não esteja com­patível com a educação.

A culpa é algoz persistente e perigoso, que merece orientação psicológica urgente.


As lamentáveis consequências da culpa não liberada

A culpa encontra sintonia com as paisagens mais escuras da personalidade humana em que se homizia. Os conflitos e a mesquinhezes dos sentimentos nu­trem-se da presença da culpa, levando a estertores agônicos aquele que lhe sofre a injunção.

Acabrunha e desarticula os mecanismos da fraterni­dade, tornando o paciente arredio e triste, quando não in­feliz e desmotivado.

As suas ações tornam-se policiadas pelo medo de co­meter novos desatinos e quase sempre é empurrado para a depressão. Vezes, porém, outras, apresenta-se com nuanças muito especiais, mediante as quais há uma forma de es­camoteá-la através de escusas e de justificações indevidas.

Assevera-se, nessa conduta, que é normal errar, e, sem dúvida, o é, mas não permanecendo em contínua postura de equívocos, prejudicando outras pessoas, sem o reconhecimento das atitudes infelizes que devem sempre ser recuperadas. 

Tormentosa é a existência de quem se nutre de cul­pa, sustentando-a com a sua insegurança. Tudo quanto lhe acontece de negativo, mesmo as ocorrências banais, é absorvido como sentimentos necessários à reparação.

A infância conflituosa, não poucas vezes, induz o educando à raiva, ao desejo de vingança, à morte dos pais ou dos mestres. Isto ocorre como catarse liberadora do desgosto. Quando, mais tarde, ocorre algo de infelicitador com aquele a quem foram dirigidos a ira e o desejo de desforço, a culpa instala-se, automaticamente, no enfermo, provocando arrependimento e dor.

Determinados acontecimentos têm lugar não porque sejam desejados, mas porque sucedem dentro dos fenôme­nos humanos. Entretanto, a consciência aturdida aflige-se e procura mecanismo de autopunição, encontrando, na culpa, a melhor forma de descarregar o conflito.

Quando, num acidente, alguém morre ao lado de outrem que sobreviveu, em caso de este não possuir estabi­lidade emocional, logo se refugia na culpa de haver tomado o lugar na vida que pertencia ao que sucumbiu, sem dar-se conta de que sempre teve igualmente direito à existência.

Tal comportamento mórbido castra muitas iniciati­vas e desencadeia outros processos autopunitivos de que a vítima não se dá conta. O arrependimento, que deve ser um fenômeno nor­mal de avaliação das ações, mediante os resultados decor­rentes, torna-se, na consciência de culpa, uma chaga a pur­gar mal-estar e desconfiança.

Como forma de esconder o conflito, surge a autoco-miseração, a autocompaixão, quando seria mais correto a liberação do estado emocional, mediante a reparação, se e quando possível.

Reprimir a culpa, tentar ignorá-la é tão negativo quanto aceitá-la como ocorrência natural, sem o discerni­mento da gravidade das ações praticadas.

A medida que é introjetada, porém, a culpa assenhoreia-se da emoção e torna-se punitiva, castradora e perversa. Gerando perturbações emocionais, pode induzir a comportamentos doentios e a atitudes criminosas, em face de repressões da agressividade, de sentimentos negativos in­capazes de enfrentamentos claros e honestos que empurram para a traição, para os abismos sombrios da personalidade.

Porque se nutre dos pensamentos atormentadores, o indivíduo sente-se desvalorizado e aflige-se com ideias pessimistas e desagradáveis. Acreditando-se desprezíveis, algu­mas personalidades de construção frágil escorregam para ações mais conflitivas.

Nos criminosos seriais, por exemplo, a culpa incons­ciente propele-os a novos cometimentos homicidas, além do inato impulso psicopata e destrutivo que lhes anula os sentimentos e a lucidez em torno das atrocidades cometi­das. Portadores de fragmentação da mente permanecem incapazes de uma avaliação em torno dos próprios atos.

Podem apresentar-se gentis e atraentes, conseguindo, dessa forma, conquistar as suas futuras vítimas, antegozando, no entanto, a satisfação da armadilha que lhes prepara, estimulando-os ao golpe final.

Bloqueando a culpa, saciam-se, por breve tempo, na aflição e no desespero de quem leva à consumpção. Quanto maior for o pavor de que o outro dê mostra, mais estímulo para golpear experimenta o agressor. A fúria sádica explode em prazer mórbido e cessa até nova irrupção.


Processos de libertação da culpa

Há uma culpa saudável que deve acompanhar os atos humanos quando estes não correspondem aos padrões do equilíbrio e da Ética. Esse sentimento, porém, deve ser encarado como um sentido de responsabilidade. Sem ela, perder-se-ia o controle da situação, permi­tindo que os indivíduos agissem irresponsavelmente.

Todas as criaturas cometem erros, alguns de natureza grave. No entanto, não têm por que desanimar na luta, ou abandonar os compromissos de elevação moral. O antídoto para a culpa é o perdão. Esse perdão que poderá ser direcionado a si mesmo, a quem foi a vítima, à comunidade, à Natureza.

Desde que a paz e a culpa não podem conviver jun­tas, porque uma elimina a presença da outra, torna-se necessário o exercício da compreensão da própria fraqueza, para que possa a criatura libertar-se da dolorosa injunção.

A coragem de pedir perdão e a capacidade de perdoar são dois mecanismos terapêuticos liberadores da culpa.

Consciente do erro, torna-se exequível que se bus­que uma forma de reparação, e nenhuma é mais eficiente do que a de auxiliar aquele a quem se ofendeu ou prejudi­cou, ensejando-lhe a recomposição do que foi danificado.

Tratando-se de culpa que remanesce no inconscien­te, procedente de existência passada, a mudança de atitu­de em relação à vida e aos relacionamentos, ensejando-se trabalho de edificação, torna-se o mais produtivo recurso propiciador do equilíbrio e a libertador da carga conflitiva.

Ignorando-se-lhe a procedência, não se lhe impede a presença em forma de angústia, de insegurança, de insatisfação, de ausência de merecimento a respeito de tudo de bom e de útil quanto sucede... Assim mesmo, o esforço em favor da solidariedade e da compaixão elabora mecanismos de diluição do processo afligente.

E comum que o sentimento de vergonha se instale no período infantil, quando ainda não se tem ideia de responsabilidade de deveres, mas se sabe o que é correto ou não para praticar. Não resistindo ao impulso agressivo ou à ação ilegítima, logo advém a vergonha pelo que foi feito, empurrando para fugas psicológicas automáticas que irão repercutir na idade adulta, embora ignorando-se a razão, o porquê.

A culpa tem a ver com o que foi feito de errado, en­quanto que o sentimento de vergonha denota a consciência da irresponsabilidade, o conhecimento da ação negativa que foi praticada. Somente a decisão de permitir-se herança perturba­dora, que remanesce do período infantil, superando-a, tor­na possível a conquista do equilíbrio, da autossegurança, da paz.

A saúde mental e comportamental impõe a liberação da culpa, utilizando-se do contributo valioso do discerni­mento, que avalia a qualidade das ações e permite as re­parações, quando equivocadas; e, o prosseguimento delas, quando acertadas.




Divaldo Pereira Franco ditado pelo 
Espírito Joanna de Ângelis



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