Adorei a composição - representa muitas coisas entre elas: velho e novo. Ficou D+ !! |
Este texto eu li a muito tempo atrás numa prova de concurso eu não me lembro qual mas ele me marcou! E não foi à toa! Já faz 10 anos e ele continua super contemporâneo. É um super texto vamos assim dizer. Este é pra quem gosta de pensar e exercer cidadania ativamente. Vale a pena Lê-lo!!
Abraços,
Roberta Carrilho
A cada início de ano, é costume renovar esperanças e fortalecer confianças em relação ao futuro. Tempo de limpar gavetas, fazer faxinas e vestir cores que – acreditam muitos – ajudem a realizar antigos desejos e aspirações. Nada existe de errado com esses hábitos, descontado o teor de superstição que costuma motivá-los, nem com o fato de se os estender para o campo das relações econômicas. Afinal, também na economia a esperança pode mover montanhas. Mas para tal precisa fundamentar-se em fatos concretos.
Um pouco de realismo sempre faz bem. Os atos econômicos não são praticados em um vazio institucional, já que o homo economicus, aquele robô frio, calculista, pronto a maximizar resultados, sejam lucros, utilidades, taxas de retornos ou quaisquer outros, só existe nos livros de economia. Na vida real, as relações entre economia, política, direito, ética e outros campos da ação humana objetiva e subjetiva, são inevitáveis, sendo a soma dessas inter-relações o que se chama, reverentemente, de sociedade. O hábito arraigado de separar o econômico do social, do político, do ético e do legal, de que é exemplo o discurso de contrapor o “mercado” ao “social” – quase sempre denegrindo o primeiro e enaltecendo o segundo – é uma das causas das repetidas frustrações das esperanças de crescimento econômico sustentado.
Ora, como pessimistas nada mais são do que otimistas bem informados, tentemos não ser nem uma coisa nem outra: busquemos, apenas, ser realistas e olhemos para as instituições que nos circundam. O que vemos, neste início de ano de 2004, não é diferente do que sempre vimos em muitos outros janeiros: (a) no seio do próprio governo, um cabo-de-guerra, confrontando, de um lado, pragmáticos que em boa hora acolheram o princípio moral da responsabilidade fiscal e, de outro, pretensos progressistas, presos a dogmas ideológicos e para quem responsabilidade fiscal é coisa de neoliberais; (b) observando o episódio das convocações extraordinárias do Congresso e de algumas Assembleias estaduais, para não citarmos outros, vemos um Legislativo desacreditado e alheio aos males que uma explosão de gastos públicos provocará em nossa precária situação fiscal; (c) o Judiciário, em condições semelhantes e emitindo sinais inoportunos de politização; (d) uma carga tributária extorsiva e crescente; (e) uma burocracia sufocante e cada vez maior, mais politizada e menos profissionalizada; (f) uma crença generalizada de que a pobreza de muitos é fruto da riqueza de poucos; (g) uma perigosa incitação ao ódio, derivada do conceito de lutas de classes, em que se lançam, sob o nome de políticas afirmativas, negros contra brancos, pobres contra bem-sucedidos, mulheres contra homens e homossexuais contra heterossexuais; (h) valores morais em clara decomposição e (i) centralização crescente de poder, em detrimento do federalismo.
A consequência disso tudo é uma anomia generalizada, em que o cidadão, tornado servo de um Estado que há muito tempo pouco ou nada lhe oferece, passa a descrer nas instituições. O país clama por um banho institucional de bom senso, sem o qual toda a esperança dos rituais de passagem de ano não passará de um transtorno obsessivo, compulsivo, repetido anos após ano.
Ubiratan Iorio
Jornal do Brasil - janeiro 2004
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