O Transtorno Bipolar ocorre quando o indivíduo apresenta episódios de humor eufórico, exaltado ou excessivamente alegre, diferente do jeito normal da pessoa, o que, em psiquiatria é chamado de Mania, ou Episódio Maníaco. O nome Transtorno Bipolar vem do fato de que esses pacientes alternam episódios em que ficam deprimidos com outros em que estão maníacos, representando estados de humor de polaridades opostas. Esta doença era antigamente chamada de Psicose Maníaca Depressiva.
Por que o Transtorno Bipolar é chamado de Transtorno do Humor ou Transtorno Afetivo?
O humor é o estado emocional mais constante de uma pessoa, é a maneira que o indivíduo geralmente sente os diversos estímulos que recebe do ambiente. O afeto é a maneira que a pessoa reage a um determinado estímulo ambiental. Assim, uma pessoa pode apresentar um afeto esperado para uma situação específica, como a felicidade após uma conquista e a tristeza após a morte de um parente. Podemos entender que o humor é mais constante, enquanto o afeto relaciona-se a momentos e situações. Os termos humor e afeto são comumente usados como sinônimo, sendo que o termo transtorno de humor é utilizado como sinônimo de transtorno afetivo.
Assim, uma pessoa pode ter uma tendência a um humor estável, o que é chamado eutimia. Da mesma forma, ela pode passar por um período onde se sente com um humor predominantemente depressivo, onde existem sentimentos relacionados à tristeza, culpa, melancolia, infelicidade e desesperança. Por outro lado, pode apresentar um período onde ocorra humor eufórico, muito contente, com satisfação e alegria excessivas, diferentes do comum daquela pessoa, desproporcionais ou fora de contexto com a situação desencadeante. Ainda assim, também pode apresentar uma tendência a um humor com irritabilidade intensa, agressividade, raiva, ira e vingança.
Tais alterações de humor podem constituir um transtorno, na medida em que tenham uma duração excessiva de tempo, ou seja, não ocorrem apenas após uma situação desencadeante e não cessam após o término do estímulo. Também, nesses casos, há um sofrimento intenso causado por estes sentimentos, que na verdade são sintomas. Se estes sintomas estiverem interferindo no jeito de ser e agir do indivíduo, no seu trabalho, estudo, ou nas suas relação com seus amigos e familiares, podemos dizer que ele está com um transtorno de humor.
Essas alterações podem ser classificadas em quatro tipos: maníaco, hipomaníaco, depressivo e misto. Dessa forma, a presença de um humor depressivo na maior parte do tempo, ocorrendo por no mínimo duas semanas, associado a outros sintomas, pode constituir o que chamamos de Episódio Depressivo Maior, ou Depressão Maior (DM). A ocorrência de um humor predominantemente eufórico e/ou irritável, por no mínimo uma semana, associado a outros sintomas, constitui um Episódio Maníaco ou Mania. Se eles ocorrerem por pelo menos quatro dias, em uma intensidade leve, chamamos de Episódio Hipomaníaco ou Hipomania. Quando os sintomas maníacos e depressivos ocorrem juntos ou em alternância rápida, por pelo menos sete dias, chamamos de Episódio Misto.
O Transtorno Depressivo ocorre quando a pessoa apresenta apenas episódios depressivos. Quando uma pessoa que teve um Episódio de Depressão apresenta também um Episódio Maníaco, Hipomaníaco, ou Misto, passamos a chamar esta doença de Transtorno Bipolar.
O Transtorno Bipolar é freqüente na população?
Em adultos, o Transtorno Bipolar ocorre em cerca de 1% da população, tendo freqüência igual em homens e mulheres. Em adolescentes, acredita-se que a prevalência seja semelhante. Há estudos nos Estados Unidos da América que avaliaram adolescentes, e encontraram que 1% dos adolescentes entre 14 a 18 anos tem sintomas de TB. No entanto, em crianças, não existem estudos a respeito, já que o diagnóstico, nessa faixa etária, tem sido apenas recentemente considerado. Supõe-se que na infância e adolescência seja mais freqüente em meninos do que em meninas.
No Brasil, atualmente, existem cerca de 61 milhões de habitantes de 0 a 18 anos. Podemos pensar que existem, portanto, aproximadamente 610.000 crianças e adolescentes com esta doença.
Quem tem Transtorno Bipolar, tem chance de ter algum outro transtorno psiquiátrico?
Sim, a ocorrência de Transtorno Bipolar na infância e adolescência com outro transtorno psiquiátrico é mais a regra do que exceção. Isso é chamado de comorbidade, ou seja, o diagnóstico, em uma mesma pessoa, de dois ou mais transtornos.
A doença mais comumente diagnosticada, em pacientes com Transtorno Bipolar, é o Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade (TDAH). Ele ocorre em 60 a 90% dos pacientes. O TDAH se caracteriza por uma combinação de sintomas de desatenção, hiperatividade e impulsividade que causem prejuízo importante para a criança, em nível de relacionamento com crianças da mesma idade, com pais e professores. Geralmente, os sintomas de TDAH começam mais cedo do que os sintomas de Transtorno Bipolar, por volta dos três ou quatro anos.
O Transtorno Desafiador Opositivo (TDO) e o Transtorno de Conduta (TC) são outras comorbidades freqüentes. O TDO se caracteriza por um padrão de sintomas de hostilidade, desobediência e oposição a figuras de autoridade, como pais e professores. No TC pode haver agressividade física, mentira freqüente, destruição de propriedades alheias, briga com armas, fugas de casa, entre outros.
Além disso, principalmente em adolescentes, é comum a ocorrência de Transtornos de Ansiedade, que se caracterizam por preocupação intensa e excessiva com situações do cotidiano, associado com sintomas físicos de ansiedade (suor intenso, dor de barriga, diarréia, taquicardia) e evitação de alguma situação estressante (como ir à escola, ou encontrar um amigo).
Na adolescência, também deve ser investigado o uso de drogas, já que os pacientes podem iniciar seu uso durante as crises.
O que causa o Transtorno Bipolar?
O conceito atual das doenças psiquiátricas determina que não existe uma única razão pela qual a pessoa tem a enfermidade. Existem diversas teorias que propõem fatores que podem estar relacionados com as manifestações clínicas do Transtorno Bipolar.
A teoria biológica afirma que existe uma desregulação nas substâncias cerebrais que transportam os estímulos nervosos, entre as células do sistema nervoso (os neurônios). Estas substâncias são denominadas neurotransmissores, sendo que os mais envolvidos nos transtornos de humor são: a noradrenalina, a serotonina e a dopamina. Enquanto na Depressão existe uma diminuição nessas substâncias na zona de transmissão dos estímulos nervosos (chamada fenda sináptica), na Mania é possível que haja um aumento.
Estudos têm tentado identificar o local disfuncional do cérebro. Existe uma hipótese de que, em Transtorno Bipolar da infância, há uma diferença de simetria entre as áreas pré-frontais dos dois hemisférios cerebrais. A área pré-frontal é o local mais desenvolvido do cérebro humano, e está relacionada com controle de estados afetivos e regulação de impulsos. Além disso, alguns autores sugerem que exista uma disfunção em um circuito cerebral chamado de córtico-estriatal, o qual teria uma predisposição de transmitir sensações nervosas associadas com afeto de desconforto, tristeza, tédio, desesperança e irritabilidade. No entanto, tais hipóteses estão sendo apenas recentemente estudadas.
Quanto às teorias psicológicas, a mais conhecida é a teoria psicodinâmica. Esta é derivada da psicanálise, criada por Freud, no final do século XIX, que afirmava, em termos gerais, que a doença psiquiátrica derivava do conflito entre impulsos do ser humano e das defesas criadas pela mente humana contra estes impulsos. Assim, na Depressão, a tristeza é derivada de impulsos agressivos que a pessoa direciona para si. A Mania, ao contrário, é uma defesa onde, para não entrar em contato com estes impulsos, o paciente os transforma em impulsos opostos, com alegria, euforia e grandiosidade. Assim, seria uma forma de negação dos sintomas depressivos.
Um adulto que tem Transtorno Bipolar, tem chance de transmitir a doença para os filhos?
Estudos sobre herdabilidade e transmissão genética vêm sendo realizados nos últimos anos. Os Transtornos do Humor, tanto o Transtorno Depressivo e, principalmente, o Transtorno Bipolar, apresentam um forte componente genético.
Dessa forma, os parentes de primeiro grau de pacientes com Transtorno Bipolar têm um risco maior de apresentar Transtorno Bipolar ou Transtorno Depressivo do que a população geral. Quanto maior o número de parentes com Transtorno Bipolar, maior a chance de que os sintomas iniciem na infância ou na adolescência. Nestes casos isso reflete uma influência genética maior, o que, provavelmente, indica uma manifestação mais grave da doença.
Como a doença interfere na vida da criança ou adolescente?
O transtorno bipolar de início na infância e adolescência, quando não tratado, causa vários prejuízos no desenvolvimento da criança. Pode alterar gravemente o relacionamento com crianças da mesma idade, devido às freqüentes mudanças de humor e episódios de descontrole. Durante os episódios depressivos, a criança costuma ficar mais isolada, perdendo o contato com colegas. O adolescente pode se envolver, com freqüência, em comportamentos de risco, como atividade sexual sem proteção e dirigir intoxicado por drogas. Na escola, também podem existir dificuldades acadêmicas, pois os episódios causam uma lentificação cognitiva e tendência à distração excessiva, com incapacidade de aprendizagem. As complicações também podem aparecer nos membros da família, uma vez que os pais podem se sentir culpados e incapazes de entender o comportamento do filho como decorrente de uma doença. A criança e adolescente também podem ser culpados pelo seu isolamento, mau humor, dificultando ainda mais o relacionamento familiar, gerando estresse crônico e piora dos sintomas. Pode haver inclusive episódios depressivos em outros membros da família pela situação gerada pelo caos familiar. Além disso, a presença de sintomas não tratados, que causam sofrimento psicológico, costuma causar seqüelas na auto-estima das crianças e adolescentes, o que pode piorar o prognóstico e manejo do transtorno bipolar.
Como é a evolução da doença na infância e adolescência?
Não existem estudos que tenham avaliado, por um longo prazo, o Transtorno Bipolar de início na infância e adolescência. O maior tempo de acompanhamento foi de quatro anos, de pacientes que apresentaram um episódio maníaco na infância. Foi observado que a duração média do episódio foi de 1 ano e 5 meses, assim como um estudo realizado pelos autores. Os pacientes apresentaram sintomas da doença por 67% do tempo do estudo, inclusive com sintomas depressivos e mistos intensos. Esses dados sugerem que o Transtorno Bipolar de início na infância apresenta um prognóstico pior do que o de início na idade adulta, além do fato de que, provavelmente, se trate de uma doença de padrão crônico e com melhora lenta do quadro, ao contrário do que é observado mais comumente em adultos.
É importante ressaltar que esses dados são preliminares, devido ao fato da doença ter sido descrita recentemente nessa faixa etária. O Transtorno Bipolar de início na adolescência não apresenta nenhum estudo com seguimento tão longo quanto o descrito acima.
PRO CAB - Programa de Crianças e Adolescentes Bipolares
Serviço de Psiquiatria do Hospital de Clínicas de Porto Alegre - Departamento de Psiquiatria e Medicina Legal - UFRGS
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