segunda-feira, 26 de abril de 2010

O CICLO DA AUTO-SABOTAGEM - PARTE I



Resolvi transcrever alguns trechos do livro: 
"O ciclo da auto-sabotagem

Por que repetimos atitudes que destroem nossos relacionamentos e nos fazem sofrer"; porque penso que poderá ser útil como foi para mim,  e,  ajudar outras pessoas que estão vivendo ou convivendo com esse tipo de auto-sabotagem. (amigos, pais, marido, esposa, sua/seu ficante (essa é ótima, bem contemporânea), namorada e/ou namorado,  irmãs e/ou irmãos, filhos e/ou filhas e etc... ).

Esta leitura me fez entender algumas questões íntimas que nem eu mesma reconhecia ou percebia até então. Me incitou. Fez meu cérebro refletir, relembrar, pensar e concluir que:

TODOS NÓS SOMOS SERES MULTI-COMPLEXOS!!!
e como ...

Em várias vezes me reconheci em algumas narrativas, principalmente na personagem deste trecho (Jillian). Claro, que não exatamente igual, têm algumas diferenças, como por exemplo: o meu pai sempre foi um homem bondoso, generoso, amoroso, dócil, tranquilo, responsável e etc ... ao contrário da minha mãe, que sempre foi uma pessoa autoritária, cruel, arrogante, tirana, egoísta, insensível e crítica. Mas, uma coisa nós temos em comum, fui e talvez ainda seja a filha preferida do meu pai, desde de sempre. E por incrível que pareça, a teoria do Dr. Stanley Rosner, tem bastante coerência e fundamento. Os ciclos se repetem. É impressionante!!! 

*Veja meu exemplo, o pai da minha filha (meu ex - HK) é a minha mãe de calças. A diferença é que a minha mãe é extremamente inteligente e culta, enquanto ele não é nem uma coisa e nem outra.

Minha mãe sempre demonstrou abertamente que eu não era a filha que ela havia idealizado. Sempre dizia que eu era isso ou aquilo, mas no fundo, ela queria mesmo era ser exatamente como eu sou... LIVRE, sem preconceitos, sem tabus, sem medos!!! Tenho uma personalidade exuberante, alegre, comunicativa, fácil de fazer amizades, confiável, criatividade, amorosa (porém, tímida para relacionamentos afetivos-sexuais. Tenho uma certa dificuldade de me entregar ou confiar; ninguém é perfeito né!!! Ainda bem!!! rsrsosss) ... tudo que ela não consegue ser. É sempre assim, as pessoas frustadas geralmente comportam dessa forma. "Macaco que não consegue pegar a fruta, diz que ela está podre". Mas fazer o que? Tentei entendê-la, tentei mostrar que eu também tinha valor, mas tudo foi em vão, nada resolveu. Larguei para lá... Desejo que ela seja e esteja feliz, rezo sempre para ela. Hoje só  sinto uma profunda compaixão, infelizmente não sobrou mais nada!!! Não sinto nenhuma falta dela. Tem outro velho ditado que eu utilizo muito: "O plantio é FACULTATIVO mas a colheita é OBRIGATÓRIA". (quem planta amor colhe amor e quem planta rancor colhe rancor, pois da semente ruim não tem como nascer frutos bons e vice-versa).

Outro pedaço interessante sobre minha vida, é que depois da minha gravidez (não planejada, diga-se de passagem), meu pai ficou extremamente decepcionado comigo. Ele não suportou me ver naquela situação (mãe-solteira), ficou doente e nunca mais foi o mesmo. Nesta fase da decepção, ele emagreceu mais ou menos uns 40 quilos. Ficou diabético. Diz o médico que a sua diabetes era emocional. Sua vida sedentária o adoeceu e minha gravidez foi o gatilho. Ele me ignorou e se afastou. Isso me afetou muito, muito mesmo!!! Fiquei desequilibrada emocionalmente e até hoje tenho sequelas disso. Hoje consigo perceber claramente.

Meu Pai é o meu ídolo... Eu o admiro, o amo, e respeito além do normal. Eu daria minha vida se fosse preciso para ele. Gentileza é o sobrenome do meu pai. É claro que ele tem seus defeitos, como todo e qualquer ser humano, mas nada que ofusque sua essência. Ele é sistemático e rígido com as coisas certas. Me lembro de uma certa manhã que ele nos chamou (os filhos) na cozinha e disse: "O NOME EU DEI DE PRESENTE PARA VOCÊS, MAS O SOBRENOME É MEU! PORTANTO, CUIDADO COM ELE". Nunca esqueci disso!!! E iriei repassar para as minhas filhas, para os meus netos, bisnetos.. enquanto eu viver. A importância em ser uma "Carrilho". Eu sou a única filha que fisicamente pareço com a família "Carrilho". Sou um pouco mais morena, meus cabelos são pesados, lisos, negros  e tenho olhos amendoados. Meus irmãos são bem diferentes de mim, são bem mais claros, um é loiro e a outra tem cabelos castanhos claros. Parecem com a família da minha mãe, os "Carvalhos".  Quando saio com o meu pai e encontramos com algum parente dele dizem: "Carrilho, essa sua filha é mesmo uma Carrilho". (Eu adorooooooo isso!!!).

Hoje Graças a Deus, ele está voltando a ser como antes. Agradeço todos os dias essa Graça. Tudo mudou depois que comecei a morar sozinha, longe das críticas e do apedrejamento moral da minha mãe. (tenho muita pena dela, é uma criatura infeliz!!! e mesmo assim, meu pai nunca fez nada para contraria-la, em nada. Nada mesmo. Isso o torna ainda mais admirável para mim ).

Voltando ao livro, são trechos extensos, analíticos. Não é uma leitura agradável, eu bem reconheço, mas é instrutivo e interessante. Mostra as causas e suas consequências em certos comportamentos na vida prática.

"DE PERTO NINGUÉM É NORMAL!!!" já dizia Caetano Veloso 


Roberta Carrilho



REPETIÇÃO NO CASAMENTO:
CONTRATOS NÃO ESCRITOS E COMPORTAMENTOS COMPLEMENTARES

Amor. Todo mundo quer. Todo mundo precisa. Poemas épicos foram escritos sobre ele. Óperas grandiosas e melodias foram cantadas em seu nome. Indivíduos já mataram por causa dele. É algo sem o qual ninguém pode viver.

Mas o que é exatamente essa coisa chamada amor? Quem pode realmente defini-la? É uma emoção, um simples sentimento de abnegação e compromisso com o bem-estar do outro, tal como uma experiência religiosa? Ou é um tipo de loucura? Penso que é possível identificar a veracidade de certas expressões comumente usadas para descrever o amor"loucamente apaixonado, louco por ela, ciúme doentio". Talvez algumas dessas frases indiquem um reconhecimento inconsciente de que o amor é um tipo de loucura, um estado incomum da mente, um lapso de juízo ou de bom senso. Certamente, alguém que "se apaixona" não consegue se distanciar o suficiente, ao menos uma vez, para analisar, perguntar-se o que é amor. Mas as pessoas nitidamente e com toda certeza quando estão apaixonadas.

No entanto, o que chamamos de amor às vezes não tem nada a ver com amor. Quase sempre, ele - e, consequentemente, os casamentos - é constituído de uma expectativa inconsciente de que o parceiro poderá suprir nossas necessidades não atendidas, e até propiciar uma sensação de completude. É o que chamamos de contrato não-escrito, presente na maior parte dos casamentos. Esta percepção ou motivação raramente é explícita, porque o indivíduo quase nunca tem consciência dela. Ele só está consciente do amor que sente por aquela pessoa.

Esse desejo de ter as necessidades atendidas é algo ruim? Claro que não. Em qualquer casamento ou relacionamento, procuramos ter nossas necessidades satisfeitas e atender quando possível, às necessidades de nossos parceiros. Se as percepções e expectativas são realistas, o casamento se desenvolve e prospera, porque temos clareza do que queremos e de como esperamos atingir o que queremos.

Mas não é a esse tipo de relaciomento que me refiro. O fracasso em muitos casamentos, evidenciado pelos assustadores índices de divórcio, não é uma necessidade ou desejo consciente. Sem dúvida, o problema está na expectativas inconscientes de um ou de ambos os parceiros, que são irreais e distorcidas. São estes os casais que estão condenados a engrossar as estatísticas do divórcio.

É realmente possível não perceber as necessidades do outro, de modo que o cônjuge se transforme em apenas mais uma esperança de algo impossível? Será que existe alguém que foi desprezado e indesejado por sua família de origem e cresceu procurando por aquele amor parental incondicional - esperando encontrá-lo no cônjuge?

Infelizmente, tanto é possível como acontece frequentemente. Tal desejo e muitos outros são expressos no ciclo de repetição matrimonial. Há aqueles que cresceram em lares desajustados, e que buscam um parceiro que lhes ofereça a estabilidade que não conseguiram ter na família de origem. Porém, quando o cônjuge revela-se incapaz de oferecer aquilo que desejam, eles se decepcionam. As pessoas procuram desesperadamente aquilo que não tiveram. Por que, então, tudo parece dar errado? Dá errado quando o indivíduo simplesmente perpetua as perdas, repetindo a tragédia do passado. E agora a parte assustadora e verdadeira: embora quase nunca seja perceptível à primeira vista, a repetição surge na forma de casar-se com a mãe hostil e exigente, ou com o pai frio e insensível. Em alguns casos, isto se dá, repetidamente. Por que alguém faria isso?

Ao iniciar uma terapia de casal, logo na primeira ou na segunda sessão, peço que cada um deles descreva os pais. Geralmente, com o tempo - na verdade, quase sempre - , começo a perceber uma nítida semelhança entre os cônjuges e um dos pais. O mais trágico, no entanto, é que o paciente se assemelha exatamente com quem teve mais dificuldades. O pai hostil e frio, é repetido no marido ou na esposa hostil. A mãe severa, dominadora e implacável é repetida no cônjuge severo e dominador. Isto é a representação da relação mal resolvida com um dos pais que foi percebido como agressor, aquele que não conseguiu atender às necessidades do filho. A escolha inconsciente do parceiro representa uma tentativa de mudar aquele pai/mãe, de conseguir o amor e o carinho que faltou. O cônjuge, por sua vez, desempenha o papel de castrador. O resultado se apresenta na forma de queixas do tipo: "ele não me ouve; não foi isso o que eu disse; não foi isso que eu quis dizer". Isto, por sua vez, gera lutas pelo poder, batalhas de vontades, brigas sobre quem está certo e quem está errado. Geralmente, o que vem a seguir é aquela sensação silenciosa, mas bastante incômoda, de estar pisando em ovos, para não desequilibrar a balança. O casal está atuando em dueto, dizendo que busca a harmonia, mas, no fundo, está produzindo dissonâncias.

Às vezes, há uma vaga consciência do que está acontecendo, pensamentos confusos de que o cônjuge está se comportando como o pai/mãe frustador, mas tais pensamentos geralmente são repelidos. Porque fracassamos no reconhecimento da dinâmica da interação com o cônjuge e porque não queremos nos lembrar inteiramente do impacto prejudicial que aquele pai/mãe teve sobre nós, tendemos a repetir muitas vezes a relação. Temos a expectativas de que, da próxima vez, seremos bem-sucedidos naquilo que queremos. Vivemos com a esperança de que encontraremos, no casamento, a satisfação que não encontramos até agora. Se percebemos que o cônjuge atual ou potencial não consegue atender às nossas expectativas, fantasiamos que conseguiremos torná-lo mais receptivo, mais generoso, forte, delicado e menos hostil. Por quê? Porque continuamos presos à fantasia infantil de que conseguiremos agradar e mudar nossos pais, que seremos capazes de fazer com que os pais nos amem da maneira que precisamos ser amados. Em muitos casos, este tipo de pensamento e desejo não funcionou com nossos pais. E é quase certo que também não funcione no casamento.

Os casamentos são realizados inconscientemente, e isto nunca esteve tão evidente para mim quanto na ocasião em que atendi Jillian e Michael.

Quando Jillian chegou sozinha ao meu consultório em uma tarde de primavera, estendeu-se a mão com unhas bem-feitas para me cumprimentar e sentou-se na cadeira em frente à minha, com uma aparência muito radiante, vestida elegantemente e muitíssima atraente. A voz era bem modulada, e ela não tinha problemas em expressar suas preocupações. A questão que ela me trouxe foi que o filho de 12 anos estava tendo dificuldades na escola. Os testes revelaram que ele tinha um QI alto, mas não estava tendo um bom desempenho. Jillian estava consciente de que as tensões no seu casamento podiam ter algo a ver com o desempenho escolar do filho. Levou apenas uma sessão para Jillian passar da questão do filho (que, essencialmente, revelou-se um assunto de menor importância) para as dificuldades no seu casamento. Ela estava casada com Michael havia 16 anos, e estava farta daquele relacioamento.

- Ele é bom, brilhante, honesto e atraente - disse ela, ao falar dele pela primeira vez. - Mas é muito lerdo, devagar. É preciso uma fogueira embaixo dele para que se mexa. Ele está no mesmo emprego há anos. Ganha pouco, mal dá para nossas necessidades, e não há futuro ali para ele. Ele sabe disso, também. Mas isso o incomoda? Não!
- Mas incomoda você - comentei.
- Sim, pode acreditar. Sou gerente de escritório, mas estou sempre de olhos abertos, procurando um emprego melhor, sempre fazendo contatos. Quero progredir na vida, quero ganhar mais dinheiro e ter um emprego mais confiável, que seja valorizado. Quero efetivar mudanças. Michael é ético e honesto. Ele é capaz, muito capaz. Mas não tem nenhuma iniciativa. Nenhuma! Até o fato de eu ficar angustiada não parece incomodá-lo nem um pouco. Ele diz que está tudo bem, que tudo vai ficar bem. Mas, como é que ele pode dizer isso se as coisas não estão bem?
- Ele fica com raiva quando você toca neste assunto? - perguntei.
- Raiva? Ele? Ele não consegue nem ficar com raiva. Eu gostaria até que ele ficasse. É um cara inteligente também, uma pessoa que estudou muito. E isso é estranho - ele tem muitos amigos. As pessoas gostam dele. Mas ele está me deixando louca. Vive adiando as coisas. Tudo. Não troca nem uma lâmpada no dia que eu peço. Pode levar meses para fazer algo tão trivial.
- E como ele se sente em relação ao filho e suas notas na escola?
Ela fez uma careta e deu de ombros.
- Para ele está tudo bem. Não manifesta nenhuma emoção intensa por nada!

Achei que este poderia ser um bom momento para perguntar-lhe sobre o seu relacioamento sexual. Em muitos casamentos, a vida sexual é um bom termômetro do relacioamento, e, geralmente, indica o que está acontecendo entre os parceiros.

- Sexo? - replicou ela. - Ele raramente me procura para sexo. Quando tentamos, ele falha. Já falei várias vezes para ir ao médico e, como sempre, ele concorda. Mas ele faz alguma coisa? Não. É como se não se importasse, nem mesmo com isso. Que tipo de homem é esse? E se a iniciativa for minha, então, é pior ainda. Aí é que ele não funciona.
- Foi sempre assim? - perguntei.
- Não. - Ela ficou um pouco pensativa. - Não. Foi ficando pior. Ele é tão passivo em tudo ... Honestamente, algumas vezes acho que me casei com minha mãe.

Essa era a abertura que eu estava buscando, a oportunidade de explorar a dinâmica de sua família de origem, e como isso funcionava no seu casamento. Era interessante observar os paralelos e também verificar cini a dinâmica era reproduzida no processo terapêutico.

No início, só Jillian era minha paciente. Neste período, surgiram algumas correspondências interessantes. A mãe de Jillian era uma mulher dogmática que criticava a filha e favorecia claramente o filho, único e irmão de Jillian. A mãe reclamava de quase tudo que ela fazia. Rebaixava a filha na família, o que Jillian atribuía, corretamente, ao fato da mãe preferir abertamente o filho.

- Ela sempre me dizia que eu era desorganizada e que estava na hora de me organizar - disse Jillian. - Era ativa na família e na comunidade, e parecia se preocupar conosco - mas só se preocupava quando podia cuidar de tudo, inclusive da minha vida. Ela queria saber de tudo o que eu pensava e sentia. E então eu lhe fazia confidências, e o que ela fazia a seguir era espalhar tudo para toda a comunidade. Sempre me senti traída. Mas, como eu era estúpida, na semana seguinte eu voltava a lhe contar tudo. Ela era bastante controladora! E, ainda assim - e isto é o mais estranho -, era bastante submissa às exigências irracionais do meu pai.
- Irracionais? - perguntei.
- Acredite se quiser. Ele tinha um temperamento explosivo, e se voltasse para casa de mau humor, era melhor tomar cuidado. Ele atacava violentamente minha mãe e meu irmão. Ele nunca foi rude comigo, mas eu temia que a qualquer momento isto iria acontecer.

Achei essa observação interessante, e encorajei Jillian a continuar nesta linha de pensamento. Acabou vindo à tona de modo lento e gradual, que Jillian não tinha uma opinião muito boa sobre si mesma. Ela não se achava brilhante ou capaz, mas sabia que era bonita, e acreditava que este era seu único atributo. Ela era sexy e atraía os homens, mas nunca permitiu que eles se aproximassem. Tinha medo e um bom motivo para isso. Apavorada com o temperamento violento do pai, ela vivia com medo de que um dia a raiva dele se voltasse contra ela. Havia conotações sexuais em sua relação com Jillian, que se defendeu tornando-se a linda e graciosa garotinha do papai.

Essa constelação familiar foi reeditada na sua relação comigo. Jillian conseguiu descobrir várias coisas sobre a minha vida familiar, e queria, claramente, se aproximar de mim. Foi bastante inventiva e persistente ao me confrontar com acontecimentos e pessoas da minha vida. Mesmo sabendo que era algo inadequado, ela parecia incapaz de parar o que estava fazendo. Isto se manifestou a partir de algumas questões idênticas às que estavam acontecendo no casamento, e que representavam uma repetição de sua vida pregressa. Ela se sentia intimidada por mim e por aquilo que eu sabia dela. Tinha medo que eu, como sua mãe, fosse criticá-la e usar o que sabia para machucá-la. Temia que eu ficasse bravo com ela, e tinha, então, de se mostrar importante para mim. Ao investigar minha vida pessoal, achou que havia conseguido algum poder sobre mim para empatar o jogo. Embora não fosse abertamente competitiva, precisava sentir que mantinha algum controle da situação. E tinha de me mostrar quanto era maravilhosa, apesar de seus sentimentos de inferioridade.

- Ontem, um rapaz muito bonito foi ao escritório e me disse que eu era linda, que devia estar trabalhando como modelo, e elogiou as roupas que eu estava usando.

Quando eu não respondi a tais comentários, ela ficava em silêncio e retraía-se, ressentida. Com o avanço da terapia, ela começou a ter uma preocupação constante com a visão. Sustentava que não conseguia enxergar direito, e que temia estar perdendo a visão. Várias visitas a inúmeros oftalmologistas revelaram que sua visão não estava prejudicada. Ainda assim, ela continua a ter medo.

Seria demais afirmar que estavam surgindo questões que ela não queria ver, ou das quais não estava se dando conta? Interessante, porque à medida que nosso trabalho progredia, seu medo de perder a visão foi desaparecendo. Entretanto, algo novo começou a acontecer: ela passou a se irritar, a ficar furiosa comigo queria reconhecer o seu papel na perpetuação dos problemas com Michael, sobre os quais tinha se queixado. Ela não queria ver que era compelida a estar no comando, a ser líder, exatamente como a mãe tentou ficar no comando. Ao ficar no comando, exigindo que Michael "se mexesse e fizesse algo de sua vida", ignorava os próprios sentimentos subliminares de carência e vulnerabilidade. Tinha medo de admitir sua necessidade de proximidade e intimidade, e reprimia tais sentimentos para se convencer de que estava no controle da situação - contudo, às vezes parecia que ela preferia que eu cuidasse dela e resolvesse seus problemas. Na sessão seguinte, geralmente ela se comportava como se não precisasse nem um pouco de mim. Como uma criança, ela não havia feito a transição gradual que a maior parte das crianças fazem, da pessoazinha necessitada que suplica e realmente precisa e merece apoio, para o adulto independente e assertivo. Na terapia, todas essas contradições eram representadas. Eu significava um sofrimento, porque era um pai para a criança confusa dentro dela. Ou eu representava a criança frágil, e ela tinha necessidade de me mostrar que realmente não precisava de mim. Ou de ninguém.

Não havia meio-termo na sua vida íntima nem na vida exterior. E eu era aquele que havia posto esse conflito em destaque. Esse mesmo conflito era constantemente representado no casamento. Ela reclamava que Michael não fazia o suficiente para tomar conta dela, enquanto, em outras ocasiões, não aceitava nada que ele fizesse.

Esse conflito entre superdependência e independência reproduzia-se também na área sexual. Ela podia ser sedutora quando quisesse, e decidir até que ponto as coisas avançariam. Permitia a intimidade somente até o ponto em que Michael começava a sentir que estava funcionando sexualmente, e então ela o sabotava. (Ela estava no controle). Ela podia humilhar Michael por sua falta de iniciativa e seu fracasso no desempenho sexual (Ela estava no controle). Assim como em todas as outras áreas, quando Michael mostrava iniciativa, seus esforços eram menosprezados e ele desistia. Entretanto, ela alimentava fantasias sexuais nas quais era o objeto masoquista do macho sádico e superpoderoso. Assim, reprimia suas fantasias de submissão e dependência passiva, e extravasava seus impulsos mais agressivos, controladores e sádico-sedutores.

Essencialmente, o contrato não-escrito aqui era de tal ordem que Jillian poderia amar um homem que aparentasse ser bem-sucedido e importante na comunidade, uma pessoa que não seria criticada ou considerada desprovida de algo. Ao mesmo tempo, precisava defender-se, estando no controle sem demonstrar suas vulnerabilidades, evitando intimidades que poderiam expor seus desejos de submissão. Ela sabotava todas as situações pelas quais ansiava, conscientemente, um parceiro que fosse bem-sucedido, autoconfiante e ativo. Mas se isso acontecesse, violaria seu papel no contrato. Ela precisava afastar a figura da mãe crítica e dogmática que se submetia ao marido. Precisava afastar o pai hostil, irado e grosseiro. A repetição, aqui, estava em Jillian assegurar-se de que não estaria na posição em que havia estado na sua família de origem, fazendo justamente o contrário. Tinha de estar além da crítica, tinha de estar no comando. A vulnerabilidade e a carência tinham de ser evitadas a qualquer custo.

Mais uma vez, tudo isso foi reproduzido na relação terapêutica. Ela buscava minha aprovação demonstrando que era uma pessoa ocupada, que fazia coisas maravilhosas no escritório onde trabalhava, quais iniciativas havia tomado, e enaltecendo a si mesma à custa dos outros, especialmente do marido.

Finalmente, em virtude da grande dedicação de Jillian e do sucesso da relação terapêutica, às vezes bastante difiícil seus olhos se abriram e ela foi capaz de perceber o que estava acontecendo e de tomar algumas decisões. Deu-se conta de que estava sabotando oportunidades de uma vida mais satisfatória. Agora era uma questão de escolha ficar com Michael, e não uma necessidade. Havia alternativas para ela.

Enquanto isso, qual era o papel de Michael no processo? Com o nosso incentivo, meu e de Jillian, ele começou a fazer terapia com um excelente profissional recomendado por mim. Michael frequentou regularmente as sessões agendadas, mas, após vários meses, parecia, tanto para Michael quanto para seu terapeuta, que não estavam conseguindo progresso. Naquela época, eu estava com um bom grupo de terapia em andamento e sugeri que talvez pudesse ser do tipo adequado para Michael trabalhar alguns de seus problemas. No mínimo, ele poderia perceber, em um ambiente estruturado e seguro, como era visto por outras pessoas, e não apenas por Jillian.

E assim, por um período, Michael trabalhou tanto com o grupo quanto comigo individualmente. Foi aqui que os antecedentes de Michael, sua história e a concepção que tinha de si mesmo puderam ser claramente compreendidos. Talvez o que mais contribua para a percepção que um homem tem de si seja a percepção de seu pai, desde a primeira infância. Rapidamente, tornou-se óbvio que, enquanto Jillian se casara com um homem que não se parecia com seu pai - que era, na verdade, a antítese de seu pai -, Michael se casara com seu pai ao escolher Jillian. O pai de Michael era um homem imaturo, inseguro e preocupado consigo e com os negócios, tentando constantemente parecer mais importante do que era. Ele fez questão de mostrar a Michael que ele nunca seria capaz de atender às suas expectativas e que jamais seria tão bem-sucedido quanto ele. Michael estava destinado a ser uma decepção para o pai, que aproveitava todas as oportunidades para se certificar de que isso estava acontecendo.

Alguns filhos reagiriam agressivamente a tal tratamento. Michael, entretanto, nunca enfrentou o pai, e isso se tornou claro praticamente desde o nosso primeiro encontro. A única expressão de ressentimento manifestada em palavras foram: "Eu nunca quis ser como meu pai. Eu não quero me parecer com ele. Não quero agir como ele. De maneira alguma!" Como o pai não se orgulhava dele, Michael também não se orgulhava do pai.

- Meu pai me dizia, desde criança, que eu seria um fracassado na vida, que não conseguiria fazer nada direito - disse Michael, em um dos nosso primeiros encontros. - Nunca tive nenhum apoio ou incentivo de sua parte. Não importava o que eu fizesse, pois nada seria bom o suficiente. Ele esperava pelo meu fracasso, antes mesmo de eu tentar qualquer coisa.
- Mesmo quando era pequeno? - perguntei.
- Desde criança - disse, assentindo com a cabeça. - Fui muito intimado por ele. Ele sempre estava me mostrando quanto eu era imprestável e estúpido. Chegou a um ponto que eu fazia qualquer coisa para não ter de ouvir isso. lembro-me de quando caí da árvore e quebrei a perna. Eu tinha uns 6 anos. Foi muito angustiante. Mas não contei nada para o meu pai, nem para minha mãe. Sabia que meu pai iria me dizer que eu era um imbecil. Finalmente, dois dias depois, quando não conseguia mais suportar a dor, não conseguia nem mesmo andar, eles perceberam que algo estava errado e me levaram ao médico. Eu havia fraturado a perna.
- E o aconteceu depois disso? - perguntei.
- Meu pai disse que eu era imbecil e desajeitado. - disse, dando de ombros. - E ainda ficou furioso por eu ter escondido o fato por dois dias.

Sim, eu podia imaginar como tudo havia acontecido. O pai não fazia idéia que tinha preparado o terreno para o filho se tornar tão medroso, a ponto de não conseguir nem confidenciar sua dor para ele.
- Então você desistiu? Nem ao menos tentou? - perguntei.
- Bem, não, eu tentei. Por um tempo. Tentei conquistar desesperadamente sua aprovação. Lembro-me  de quando eu estava no ensino médio e estudei muito para entrar em uma boa escola. Era uma escola tradicional. E consegui.
- E?
- Ele disse que não poderia pagar. E, então, fui para uma escola pública.
- E ele poderia pagar? - perguntei.
Michael deu de ombros e depois assentiu com a cabeça.
- Talvez. Quero dizer, nós poderíamos. Talvez tivesse sido difícil. Mas eu estava disposto a trabalhar e a ajudar. Eu sempre estava disposto a trabalhar duro.
- Por que você acha que seu pai fez isso com você? - perguntei.
Michael deu de ombros. Sorriu. Por um longo tempo, ele não disse nada. Eu deixei o silêncio continuar, na esperança de que, assim, Michael experimentasse e descobrisse algum indício do que estava subjacente. Em vez disso, o silêncio prosseguiu.

O silêncio, como já foi observado, pode ser uma ferramenta importante no processo terapêutico. No silêncio, o paciente geralmente se lembra de eventos, e, mais que isso, sente as emoções que estão associadas àqueles eventos. Se o teraupeuta está sintonizado, é compreensivo e deixa o silêncio prosseguir, muitas coisas podem ser descobertas. O terapeuta pode ver lágrimas se formando, pode ter um vislumbre de algo tão sutil como um meneio de cabeça. E uma simples pergunta ou afirmação pode liberar ou aliviar o que fo descoberto. "Você parece estar com medo", ou mesmo "Em que você está pensando?" pode ser uma abertura, e o paciente consegue reviver e liberar aquelas memórias profundamente dolorosas e inconscientes.

Isso não aconteceu com Michael. Ele parecia bastante satisfeito com o silêncio. Eu podia ver que não havia nada emergindo; nenhuma raiva, nehuma lágrima, seguer um sinal de hostilidade. Era somente uma maneira patética de esperar, uma sensação de que nada, realmente nada importava. Logo percebi que nossa relação terapêutica havia se transformado, rapidamente, na repetição do que havia sido com seu pai na infância. Michael respondia com um dar de ombros, com silêncio, a qualquer desafio ou questão que pudesse esclarecer sua situação. Para ele qualquer coisa que fizesse ou tentasse seria um fracasso. Então, para que tentar? Por que se preocupar? A solução que encontrou para o dilema foi se afastar emocionalmente, não ter noção de seus verdadeiros sentimentos.

Fiquei sabendo, então, que Michael havia feito terapia uma vez a pedido de Jillian e que não tinha dado em nada. Parecia que dessa vez, comigo, ele também estava determinado a fracassar, a sabotar qualquer progresso ou qualquer compreensão maior de si mesmo. Ele era uma pessoa agradável. Mas não ia se submeter a nada. Ficou claro para mim que Michael estava deprimido, apesar da aparente cordialidade. E a razão disso era a raiva, o rancor. Sua raiva foi introjetada. Ele não se permitia expressá-la, ou mesmo vivenciá-la. E, então, descarregava a raiva sobre si. Ele se safava das situações que o deixavam furioso, desenvolvendo defesas passivo-agressivas. Quando era solicitado a olhar para si mesmo na terapia, ele escapulia. E assim as coisas prosseguiram. Eu achei - esperei - que fosse mudar. Usei todos os dispositivos terapêuticos que conhecia. Mas as coisas só ficaram piores: Michael não se fechava mais em silêncio, passou a fazer algo pior - concordava comigo. Sim, posso ver isso. Sim, isso era verdade. Sim, entendo o que você diz. Posso entender como seria isso. Mas era tudo da boca para fora. Se fosse real, ele não agiria assim.

Fora do consultório, descobri que ele tinha outras maneiras de negociar sua passagem pela vida. Ajudava e cooperava com os outros, especialmente se lhe fossem destinadas tarefas domésticas ou técnicas, mais como uma forma de se livrar dos outros do que um desejo de ganhar aprovação ou buscar elogios. Ele nunca dizia não, estóica e relutantemente aceitando as demandas que lhe eram feitas. Entretanto, de modo geral, sua concordância nada significa. Ele adiava as coisas, preso em um perfeccionismo paralisante. Conseguia realizar pouca coisa. (lembre-se de que ele não conseguia nem trocar uma lâmpada).

Mas, inversamente, mantinha-se envolvido em tarefas nas quais era bom e que lhe agradavam. Isso era ilustrado no seu relacionamento com Jillian, para quem ele se tornou um faz-tudo. A admiração de Jillian por ele, era fundamentada no fato de Michael ser um faz-tudo, ou alguém sensível.

"Jillian teve um problema com o seu computador no escritório e me chamou. Fui até lá e, rapidamente, consegui consertar e deixá-lo funcionando. Ela ficou muito contente, e o seu chefe também. Me senti bem com isso".

Então ele tinha êxito em coisas pequenas, insignificantes. Mas nas principais áreas da vida, não conseguia defender-se. Não exigia nada para si ou procurava ser recompensado por seus esforços. Sentia-se prejudicado, impotente e inadequado, e achava que qualquer coisa que fizesse não daria certo.

continuação na parte II ...

Trecho do livro: O CICLO DA AUTO-SABOTAGEM (Por que repetimos atitudes que destroem nossos relacionamentos e nos fazem sofrer)
Autores: Stanley Rosner e Patrícia Hermes - Editora Best Seller

Stanley Rosner, Ph.D., é psicólogo com mais de 40 anos de experiência. Diretor da Career and Educational Planning Assicuates, entidade que oferece consultoria em planejamento profissional, foi presidente da Connecticut Psychological Association e da Connecticut Society of psychoanalytric Psychologists. Publicou mais de 30 artigos e é autor de The Marriage Gap, sobre casamentos disfuncionais.

Patrícia Hermes é escritora e autora de mais de 40 romances voltados para o público jovem. Ganhou prêmios com o Smithsonian Notable Book e o C.S. Lewis Honor Book.

2 comentários:

  1. carrinho,

    Sua história pessoal é bastante com a mim exceto não ter filhos.
    Infelizmente, meus relacionamentos vivem nesse ciclo vicioso. Uma amiga aconselho a comprar o livro para entender melhor os maniqueismo que geramos....e eu particularmente, que modificar a minha história em não sofre.
    Atualmente, estou com depressão, mas em tratamento com psiquiatra e Psicológo...enfim gostaria de mater contato contigo para partilhar. Yoly Ramos (yolysramos@gmail.com)

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  2. Oi Yoly que bom que de alguma forma meus relatos puderam ajuda-lá pelo menos entender que você não é a única a ter relações complexas e sofridas.

    Todos nós! sem exceção temos algumas cruzes.
    É preciso buscar estrutura e manter os ombros bem fortes para carregar até o final.
    É a vida pulsando...

    Também faço terapia e tratamento medicamentoso, e tem me auxiliado muito.

    Vamos trocar figurinhas...

    E se eu puder ser uma amiga para vc será com alegria.

    Ah! Antes que eu me esqueça ... Obrigada pela visita e volte sempre! e se quiser mandar recado e etc... abaixo link do meu facebook e e-mail.

    Abraços,
    Roberta CARRILHO (rsrsrs e não carrinho)

    http://www.facebook.com/roberta.carrilho
    robertacarrilho@hotmail.com

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