domingo, 23 de junho de 2013

A PEC 37 QUE ENFORCAR QUEM NUNCA ROEU A CORDA - Carlos Ayres Britto


Ex-presidente do Supremo Tribunal Federal, Carlos Ayres Britto afirma que o país não pode entregar o monopólio das investigações criminais a órgãos subordinados ao Poder Executivo: 'O MP não é subordinado a ninguém.'



Carlos Ayres Britto, em sua última sessão à frente do Supremo Tribunal Federal, no ano passado (Ueslei Marcelino/Reuters)

"A PEC 37 mutila o MP funcionalmente, ela desnatura e aparta o MP de si mesmo. Sobra o quê? O MP fica praticamente reduzido a um ornamento gráfico no sítio escriturário da Constituição"

Nas últimas semanas, para supresa até mesmo de integrantes do Ministério Público, faixas e cartazes contra a aprovação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) número 37 passaram a fazer parte do amplo cardápio de reivindicações dos protestos que tomaram as ruas de todo o país. A reação foi imediata: o Congresso recuou e decidiu adiar a votação da proposta - já há quem defenda, inclusive, que ela não saia mais gaveta. Batizada de "PEC da Impunidade" por promotores e procuradores, a proposta proíbe o Ministério de Público de conduzir investigações criminais, prerrogativa que passaria a ser exclusiva das polícias. Ex-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Carlos Ayres Britto avalia que a sociedade está “passando um pito” no poder público. “A PEC 37 quer enforcar quem nunca roeu a corda, o Ministério Público”, disse o ex-ministro ao site de VEJA.

Leia também: O que é a PEC 37

A PEC 37 serve a que interesses? A PEC 37 quer enforcar quem nunca roeu a corda, o Ministério Público. Acho um equívoco de quem propôs e de quem está aderindo. O Ministério Público, pela Constituição, está habilitado, sim, a desencadear investigações no campo mais genérico do direito, já que ele é defensor da ordem jurídica, e no campo específico do direito penal. O Ministério Público tem um papel totalmente independente, e não apenas com atuação subsidiária [à polícia]. O MP é independente até dos três poderes. 

Existe corporativismo exacerbado nessa discussão sobre a PEC 37? Virou um cabo de guerra entre polícia e MP? As associações majoritárias de policiais civis e militares estão contra a PEC 37. Entendem por modo cientificamente correto que o MP dispõe da competência constitucional para a investigação lato sensu, seja no campo penal, seja no campo do combate à improbidade administrativa e em outras áreas, como defesa das populações indígenas, defesa do meio ambiente, defesa dos direitos à saúde e à educação. Não tem que ter nenhum tipo de amarra ao MP. 

O que diz a PEC 37

A PEC define como competência "privativa" da polícia as investigações criminais ao acrescentar um parágrafo ao artigo 144 da Constituição. O texto passaria a ter a seguinte redação: "A apuração das infrações penais (...) incumbe privativamente às polícias federal e civis dos estados e do Distrito Federal." 

O que diz a Constituição:
A legislação brasileira confere à polícia a tarefa de apurar infrações penais, mas em momento algum afirma que essa atribuição é exclusiva da categoria policial. No caso do Ministério Público, a Constituição não lhe dá explicitamente essa prerrogativa, mas tampouco lhe proíbe. É nesse vácuo da legislação que defensores da PEC 37 tentam agora agir. 

Votação:
As propostas de emenda à Constituição, como a PEC 37, tem um regime diferenciado de votação e, para serem aprovadas, exigem quórum mínimo de 3/5 de votos favoráveis do total de membros da Casa (308 votos na Câmara e 49 no Senado) e apreciação em dois turnos tanto na Câmara quanto no Senado.

Também há casos de abusos cometidos por promotores e procuradores. O Ministério Público é um defensor da ordem jurídica e é o intérprete isento dos princípios e regras constitutivos dessa ordem jurídica. Há abusos localizadamente, topicamente, pontualmente, mas não como característica central. Claro que a polícia tem evoluído, sobretudo a Polícia Federal, por exemplo, e também as polícias dos estados, civil, militar. É possível trabalhar com essa ideia de evolução no âmbito das estruturas policiais. Mas o fato é que as instituições policiais são hierarquicamente subordinadas a chefias do Poder Executivo. Então não se pode entregar o monopólio do inquérito policial, da investigação criminal a órgãos subordinados ao Poder Executivo. O MP não é subordinado a ninguém. 

Parlamentares chegaram a falar abertamente em aprovar a PEC 37 com o argumento de que o MP estaria “incomodando” deputados e senadores. O Ministério Público tem sido a instituição pública que sabe dar conta do recado constitucional. Ele tem sido um ponto fora da curva. Qual curva? Da impunidade quanto àqueles que cometem crimes propriamente ditos ou improbidade administrativa. O MP tem encarnado seu papel, cumprido suas funções e servido aos valores determinantes de sua própria existência.

Julgamentos importantes, como o mensalão e denúncias grandes de improbidade, teriam tido o mesmo resultado se a PEC 37 estivesse em vigor? O MP no mensalão teve o papel de órgão acusador. As alegações finais do processo penal foram feitas pelo Ministério Público, pelo procurador-geral da República. Um procurador foi o Antonio Fernando de Souza, e o outro Roberto Gurgel, ambos grandes agentes públicos, respeitáveis, competentes, desassombrados do ponto de vista da sua independência. O MP fez seu papel no mensalão. A PEC 37 mutila o MP funcionalmente, ela desnatura e aparta o MP de si mesmo. Sobra o quê? O MP, sem esse poder de investigação por conta própria, fica praticamente reduzido a um ornamento gráfico no sítio escriturário da Constituição e das leis.

O ministro José Dias Toffoli, do STF, falou em um prazo de dois anos para o fim do julgamento do mensalão. O senhor acredita em prazo semelhante? Não tenho prognóstico para isso. Mas o processo foi legitimamente conduzido, debatido, votado, dosimetrado, tudo à luz do dia, de forma transparente, com todo respeito às garantias constitucionais do contraditório entre acusação e defesa e do próprio contraditório argumentativo no seio dos ministros, sobretudo do ministro revisor [Ricardo Lewandowski] e do ministro relator [Joaquim Barbosa]. Foi um processo revestido de toda a legitimidade. Temos ministros responsáveis, competentes, devotados. E agora o ministro Joaquim Barbosa, que é o presidente da Casa e o relator do processo, saberá honrar as tradições do STF.

Como o senhor avalia essa onda de manifestações pelo país? Vejo essas manifestações como uma ativação da cidadania no curso de uma democracia que veio para ficar e que é para valer. As pessoas querem se informar para se comunicar, para se conectar com consciência, protagonizando ações com plena consciência e ciência das coisas. Como majoritariamente os movimentos não descambaram para a violência, saúdo esses movimentos, os aplaudo e os vejo como uma advertência às instituições e às autoridades. É como se o povo estivesse a dizer, e de fato está dizendo, ‘olha, nós estamos saindo da virtualidade das redes sociais para a factualidade das praças e das ruas porque não aceitamos mais o não-fazer, o não cumprir o seu papel com rigor das instituições e dos agentes públicos’. O povo está se dotando da legítima autoridade de passar um pito nas autoridades.

Laryssa Borges, de Brasília
http://veja.abril.com.br/noticia/brasil/a-pec-37-quer-enforcar-quem-nunca-roeu-a-corda


VEJA TAMBÉM:

Passeata no Rio de Janeiro reúne 2 mil pessoas

Críticas foram contra a PEC 37 e pedidos de ações contra corrupção e de mais verbas para saúde e educação

23 de junho de 2013 | 20h 23
Vinicius Neder e Felipe Werneck - O Estado de S. Paulo
Uma passeata que começou com 300 manifestantes em Copacabana e terminou, cinco quilômetros adiante, com cerca de 2.000 pessoas concentradas próximo à casa do governador Sergio Cabral (PMDB), percorreu a orla carioca com diversas palavras de ordem. No início, predominaram as críticas contra a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 37, que restringe poderes de investigação do Ministério Público, pedidos de ações contra corrupção e de mais verbas para saúde e educação. No fim, prevaleceram críticas ao governador e ao prefeito Eduardo Paes (PMDB).
O protesto começou às 16 horas e até o início da noite não havia sido registrado nenhum incidente. O quarteirão onde está localizado o prédio do governador, numa rua transversal à praia, foi isolado e protegido por um contingente de certa de 200 policiais militares.
Durante a passeata, os manifestantes pediam o apoio dos moradores. Em resposta, moradores dos apartamentos em frente à praia de Ipanema e Leblon (um dos metros quadrados mais caros do País), acendiam e apagavam as luzes. O clima, em geral, foi festivo e as manifestações, diversas. Havia cartazes contra e a à favor da presidente Dilma Rousseff, mas poucos.
Um manifestante carregava cartaz contra o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Muitos levavam cartazes contra o deputado Marcos Feliciano, presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara. O presidente da Associação Nacional de Militares do Brasil, Marcelo Machado, carregava uma faixa com a frase "Forças Armadas prontas com o povo" e disse que seu objetivo era mostrar que os militares apoiam o povo.Segundo ele, o repúdio à PEC 37 é o mais importante dos assuntos em pauta. "Ela pode inibir a investigação sobre a corrupção".
Quando a passeata chegou a Ipanema, pouco antes de 18 horas, os manifestantes tomaram a pista da Avenida Vieira Souto próxima aos prédios, que, diferentemente da pista junto à praia, não estava interditada. Agentes da CET-Rio afiram então para fechar ao trânsito toda a orla.
Pouco depois, na chegada da passeata ao local onde um grupo de cerca de 20 jovens montou acampamento desde a noite de sexta-feira, em ato de protesto contra o governador, um dos acampados discursou com um megafone. Pregou a não violência, pediu que os protestos sejam pacíficos e emendou reivindicando investigação sobre suposto envolvimento do governador Cabral com o escândalo no qual a construtora Delta, do empresário Fernando Cavendish, ocupou o centro de investigações sobre superfaturamento de obras.
O discurso foi recebido por um coro de manifestantes com palavras de ordem contra o governador e depois, com todos cantando o Hino Nacional. Foram entoados cantos chamando Cabral de ditador, chamando os policiais que faziam a proteção do bloqueio para passar para lado dos manifestantes e fazendo alusão ao fato de o governador estar em Paris.
A assessoria de Cabral, contudo, negou que o governador esteja fora do País. Não foi confirmado se ele estaria em casa, pois, segundo a assessoria, Cabral não tinha agenda pública neste fim de semana. Já no Leblon, Cibele Clauver e sua filha, Maria Clauver, moradoras do Leblon, carregavam um cartaz escrito "Não PEC, amém". Cibele criticou o foco excessivo na figura de Cabral no fim da passeata. "Escolhi esse tema (contra a PEC 37), mas o importante é repensar o País".
Durante o dia, restaurantes e supermercados de Copacabana foram protegidos por tapumes de madeira para evitar depredações durante a manifestação. O shopping Rio Sul, próximo ao túnel que liga Botafogo a Copacabana, anunciou na véspera que não abriria no domingo, por causa da manifestação.

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