quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

O DESENVOLVIMENTO IRÁ ELIMINAR A CULTURA NATIVA DOS POVOS DO OMO, NA ETIÓPIA? por Haroldo Castro


Um menino da etnia Arbore tem sua face salpicada de pontos 
(Foto: © Haroldo Castro/Época)


Uma das sete reportagens que escrevi durante a expedição “Luzes da África” abordou a visita a etnias que vivem no vale do rio Omo, no sul da Etiópia. Quem curte fotos no Face e no Instagram certamente já viu imagens de crianças com seus rostos pintados, com um monte de flores e folhas decorando a cabeça. O fotógrafo alemão Hans Silvester, com o intuito de preservar esses costumes tribais, passou meses no Omo fotografando os povos Surma e Mursi.

Cerca de 12 diferentes etnias vivem na região do Omo; algumas são agricultores e outras continuam a tradição seminômade pastoril. Cada povo possui uma maneira diferente de se vestir e decorar seu corpo. Em 2010, tive contatos com as etnias Hamer, Arbore e Karo. Sem o mesmo empenho que Silvester – e sem nenhuma produção ou estúdio para realizar as imagens – consegui fotografar algumas pinturas faciais que cruzaram meu caminho.

Meu plano agora é regressar, nos próximos meses, à Etiópia – e também voltar ao Omo. Pelas informações que recebi, algumas das estradas que eram de terra, trazendo enormes dificuldades de locomoção durante a época das chuvas, foram pavimentadas. Isso é uma boa notícia para os locais e até para os visitantes. Mas o asfalto veio junto com a obra da represa Gilbel Gibe III, a segunda maior hidrelétrica do continente africano. Com 90% da obra concluída, a usina deve começar a funcionar no segundo semestre de 2015.

Com milhares de trabalhadores e de caminhões entrando em território nativo, qual terá sido o impacto nesses últimos cinco anos? Será que verei uma diferença marcante?

Certamente, os dias de mercado nos diversos vilarejos da região continuarão os mesmos. A reunião semanal para que os habitantes rurais possam vender seus produtos é essencial para a sobrevivência deles. Por exemplo, na segunda-feira, os Hamer, pastores e coletores, trazem ao vilarejo Turmi produtos como leite, manteiga, mel e lenha. Os que cultivam tabaco trazem folhas secas de fumo. Com o dinheiro obtido, compram grãos (como sorgo), café e sal.

Uma mulher Hamer no mercado de Turmi. Ela usa sua vestimenta tradicional de pele de animal, mas também veste uma velha camiseta por baixo (Foto: © Haroldo Castro/Época)

A arte corporal que existe no Omo certamente continuará por mais uma década. Pintar a cara ou o corpo é uma das características mais marcantes das etnias locais e se transformou em um dos principais motivos para que um estrangeiro visite a região . O turismo, mesmo se escasso, traz algum benefício econômico às comunidades. Além de criar empregos para vários jovens trabalharem no setor, a venda de artesanato e as doações aos vilarejos visitados trazem dinheiro vivo a uma cultura que gera poucos rendimentos.

Uma jovem Karo com sua face decorada, às margens do rio Omo (Foto: © Haroldo Castro/Época)

Um menino Karo com pintura no rosto e flores decorando as orelhas
(Foto: © Haroldo Castro/Época)

As vestimentas, estas sim, começarão a mudar e a tradicional roupa feita de pele cabrito deverá ser substituída pelos modernos panos coloridos africanos – que são, na sua maioria, confeccionados na China ou na Índia. As mulheres Samburu, etnia que habita o norte do Quênia, a uns 500 km ao sul do Omo, usavam roupas como as dos habitantes do Omo até os anos 1980. Hoje todas, sem exceção, usam os tecidos multicoloridos. Até quando os povos do Omo manterão suas vestimentas?

Uma mulher Hamer veste sua roupa tradicional confeccionada com a pele de um cabrito
 (Foto: © Haroldo Castro/Época)

Uma das tradições que tem enfrentado a oposição do governo federal etíope é o “bullah”, um rito de passagem masculino. Se os pulos sobre os seis touros não causam muita controvérsia, a preparação da cerimônia, quando mulheres, por livre e espontânea vontade, são chicoteadas para mostrar que são corajosas, não é bem vista pelos governantes em Adis Ababa. Eles consideram o ato como uma barbárie – assim como muitos visitantes estrangeiros – e prefeririam que esse ritual desaparecesse.

Aos nossos olhos ocidentais, um homem dar chibatadas nas costas de uma mulher é, de fato, inaceitável. Mas não podemos esquecer que essas tradições fazem sentido para a cultura local e que a dor sentida e o sangue derramado possuem um valor emblemático para os Hamer. Pode uma sociedade urbana entender e julgar uma comunidade tribal pastoril?

Durante o ritual “bullah” o jovem deve passar por cima de seis touros, seis vezes
(Foto: © Haroldo Castro/Época)

Uma das parentes do jovem que será iniciado recebe chicotadas para mostrar o quanto ela é corajosa. Esse ritual Hamer pode vir a ser proibido no futuro 
(Foto: © Haroldo Castro/Época)

Quanto tempo essas tradições, coloridas ou violentas, podem perdurar? Caso minha viagem se confirme, terei uma resposta mais definitiva sobre o assunto em abril ou maio próximo.




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