terça-feira, 27 de maio de 2014

FÓRUM SOBRE ARQUITETURA E URBANISMO SOBRE SOLUÇÕES PARA GRANDES CIDADES COM O ARTISTA PLÁSTICO AMERICANO RICHARD SERRA E CARLOS RATTI DO MIT por Marcelo Marthe de Nova York


FORMAS BRUTAS - Richard Serra e sua obra Serpente, no Guggenheim de Bilbao: a “nobre introspecção” do maior escultor vivo (Corbis/Latinstock - Davi Corio/Getty Images)



O site de VEJA transmite ao vivo, nesta terça-feira, em parceria com a Arq.Futuro, os encontros da 6ª edição do principal fórum sobre arquitetura e urbanismo do Brasil, que acontece no Teatro Adolpho Bloch, no Rio de Janeiro.

- Às 15hs, Carlos Ratti, diretor do MIT Senseable City Lab e Reinier de Graaf, sócio do escritório OMA, falam sobre urbanismo e o papel da água na arquitetura e no design.

- Às 18hs, o artista plástico Richard Serra e o crítico de arquitetura do jornal The New York Times conversam sobre a relação entre cidade e arte.

Abaixo entrevista de Richard Serra publicada em VEJA.

Richard Serra: o homem de aço

Com rigor e muita transpiração, o americano Richard Serra resgatou a glória da escultura. Uma exposição inédita de seus desenhos está chegando ao Brasil

O americano Richard Serra, de 75 anos, é o maior escultor da atualidade. Formado na Universidade Yale, onde mais tarde foi professor, ele pauta seu trabalho por uma exploração rigorosa das formas e materiais — notadamente, o aço, com o qual cria obras imensas que, nas palavras do crítico australiano Robert Hughes, resgatam a “nobre introspecção” dos mestres da escultura. Embora essas obras possam ser vistas em museus como o Guggenheim de Bilbao, sua especialidade é a intervenção em ambientes urbanos. Serra esteve no Brasil tempos atrás para planejar os detalhes da retrospectiva de desenhos que entrará em cartaz no Instituto Moreira Salles, no Rio de Janeiro, no dia 30. Na semana que vem, desembarca de novo no país para supervisionar a montagem, participar do evento sobre arquitetura e urbanismo Arq.Futuro e lançar um livro de textos e entrevistas pela Editora IMS. Antes da viagem, ele recebeu VEJA no prédio do bairro nova-iorquino de Tribeca que abriga seu estúdio e a residência em que vive com a mulher e dois cachorros. Serra falou sobre seu trabalho, a arte nas cidades e deu opiniões fortes sobre os colegas contemporâneos. 

O senhor é conhecido por suas grandes esculturas. Qual a importância dentro de sua obra dos desenhos que serão vistos no Brasil?
O desenho corre em paralelo e se distingue bem da minha obra como escultor, com igual importância para mim. Desenhar é um exercício de enxergar melhor o mundo ao nosso redor, e enxergar o mundo é uma forma de raciocinar. Os desenhos, aliás, são uma vitrine riquíssima da personalidade e das preocupações de um artista: não há como se esconder sob cores e pinceladas. Além disso, encaro o desenho como uma ferramenta poderosa de rejuvenescimento. Ele mantém minha mente ativa, desenferruja as mãos e deixa os músculos em forma.

O senhor já disse que está mais interessado no processo de criação do que no resultado. Como assim?
Se o artista põe os fins na frente dos meios, passa a pensar demais nas consequências do que está fazendo e a se policiar. Isso tem um efeito perverso: você se preocupa com o que as pessoas vão achar de um trabalho, em vez de cumprir o papel fundamental do artista, que é testar os limites sem medo e, assim, contribuir para que a experiência humana no campo da expressão visual evolua mais um passo. No meu caso, é a exploração excruciante de cada material que possibilita a libertação plena. Os materiais me indicam o caminho, não o contrário.

O senhor se vale da matemática e da engenharia na busca pelo equilíbrio das formas. Quanto há de inspiração e transpiração na criação de suas obras?
Antes eu punha a mão na massa em todas as etapas da criação de uma obra, do planejamento à execução. Agora, cumpro o trabalho não menos exaustivo de coordenar um esforço coletivo que vai da negociação com a siderúrgica alemã que produz as esculturas à que se faz com o caminhoneiro que as transportará. A parte do trabalho que compete inicialmente a mim é criar e experimentar a nova escultura em estúdio. Depois de encontrar a forma que considero perfeita, elaboro maquetes até chegar a um ajuste fino de como ela deve se sustentar e interagir com o espaço.

O que vem primeiro: a obra em si ou o lugar que ela vai ocupar?
Uma coisa influencia a outra. Da geografia à circulação das pessoas, muitos fatores pesam na decisão de pôr uma escultura em determinado cenário. Quase sempre minha ideia original vai se alterando à medida que compreendo o que um lugar tem de especial. No caso de meu trabalho mais recente (a instalação East-West/West­-East, concluída há três semanas), quando o emir do Catar me pediu que criasse uma obra no meio do deserto, torci o nariz. Tinha dúvidas sobre aquela paisagem monótona. Passei meses circulando com um beduíno prestativo até achar uma locação que me empolgasse. As quatro placas de aço que instalei ali têm uma interação única com a topografia.

O fato de que poucas pessoas terão a chance de ver uma obra tão sensacional no meio do deserto não o frustra?
Quero justamente chamar atenção para a impossibilidade de um contato satisfatório a tal distância. A maioria das pessoas conhece as grandes obras de arte pela internet, sem nunca tê-las visto de perto. Nossa memória, hoje, está assentada nesses pratos feitos virtuais, e cremos que tudo o que existe e importa pode ser resumido num instantâneo. Eu me imbuí da missão de dinamitar essa noção. Minhas esculturas e desenhos são feitos para não caber numa foto. Ver e interagir com as coisas de perto é insubstituível.

Por que o senhor pensa grande?
O que me fascina são as possibilidades de intervir no ambiente urbano. O coração de qualquer país de cultura pulsante está nas grandes cidades que conseguem mobilizar as pessoas e fazê-las se reconhecer por meio de sua música, arquitetura e museus. É isso que torna cidades como Londres, Paris, Nova York e outras tão instigantes e fecundas. Lugares que dão as costas para isso, como a coreana Seul, se tornam um amontoado opressivo e estéril de concreto.

Há algo em comum entre a escultura clássica e o trabalho de artistas contemporâneos como o senhor?
Durante muito tempo, julguei que a escultura contemporânea já não guardava relação com o que essa forma de arte foi no passado. Mas hoje percebo que, do renascentista Donatello a um modernista como Brancusi, chegando até minha geração, as preocupações da escultura e as marcas que definem sua qualidade são as mesmas: o desafio de lidar com a gravidade, o espaço e os materiais na busca pelo equilíbrio da forma.

Nos anos 80, uma escultura sua foi criticada pelos transeuntes de uma praça nova-iorquina e acabou removida. Como é enfrentar a rejeição?
Não creio que houve rejeição, mas uma trapalhada. O governo americano encarregava artistas de criar obras para os espaços públicos, dava seu o.k. ao projeto e não se lembrava mais da obra. O meu caso foi o primeiro em que o governo resolveu remover uma escultura. Alegava-se que ela dificultava a circulação. Movi uma ação, pois retirá-la dali seria o mesmo que destruí-la — o que acabou ocorrendo. O mais triste é que o caso piorou as coisas: agora, todos os contratos de obras públicas na cidade deixam claro que o governo pode tirá-las do lugar quando bem quiser, à revelia de nossos direitos sobre elas. É estarrecedor.

O senhor tirou alguma lição do episódio?
Sim. Nunca confiar no governo.

É verdade que o senhor detesta quando aplicam o adjetivo “belo” a suas obras?
É uma palavra surrada. Claro que o artista não pode querer ditar o que as pessoas enxergam em suas obras. Mas não faço arte para oferecer beleza ou conforto. Uma boa obra provoca sensações múltiplas, muitas vezes conflitantes, e não cabe numa definição tão rasa.

O senhor não cultiva a irreverência de artistas como Jeff Koons, nem o apetite pelo choque de Damien Hirst. Qual sua opinião sobre essas tendências?
Estou interessado no aprimoramento da minha forma de expressão. Se você está interessado em imagem, inclusive no sentido marqueteiro da palavra, sua arte se torna uma commodity. Muitos artistas fazem arte pensando primariamente no mercado e viram grifes voltadas a atender a uma demanda comercial. Não acho que Koons seja irreverente. Ele calculadamente se vende como marca. Também Damien Hirst é calculadamente provocativo. No fundo, porém, todos esses artistas são convencionais e ultrapassados. Ainda estão no tempo em que a arte era feita para se exibir em pedestais e a pintura não havia questionado a representação bidimensional. Voltaram a um estado da arte de 100 anos atrás. Mas cada geração tem os artistas que merece.

E como o senhor vê outro escultor de grandes obras, o indo-britânico Anish Kapoor?
Não me interessa me ver no espelho, exercitar o narcisismo contemporâneo de se admirar refletido na superfície de uma obra — o que me parece ser a pedra de toque do trabalho de Kapoor. De novo, eis um artista que pensa nos fins antes dos meios. Só quer agradar ao espectador. Parafra­seando o que Bob Dylan disse ironicamente, ele e todos esses outros artistas pertencem a uma “comunidade de servidores”: estão ali para prover o que o gosto médio pede. Seja um pouco de escândalo, beleza ou diversão.


Fonte: Revista Veja


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