quinta-feira, 26 de março de 2015

O TÉDIO É APENAS UM SINTOMA por Bruno Braz



Podemos explicar o fenômeno do tédio a partir de alguns elementos: ansiedade, culpa, ânsia por controle e entretenimento. Porém, o que sentimos como "tédio" é apenas um sintoma de algo muito maior


Esse vazio, essa dor latente que espera por qualquer oportunidade para se manifestar não é tão surpreendente, visto que a maior missão da tecnologia é maximizar o prazer, o conforto e a segurança, além de evitar qualquer sofrimento imediato. O ímpeto em tornar a vida mais fácil, segura e conveniente é o que motiva a tecnologia desde o princípio. Os novos avanços são cada vez mais eficientes. A vida se tornou mais fácil. Hoje, vamos à farmácia aplicar tecnologia para aliviar qualquer desconforto, não importa quão pequeno. Dor de cabeça? Tome uma aspirina. Nariz escorrendo? Remédio pra gripe. Depressão? Beba até cair. Há uma suposição implícita de que não precisamos sentir dor. A maior conquista da tecnologia seria descobrir algum meio para eliminar, de uma vez por todas, a dor e o sofrimento.

David Pearce aborda algo parecido em sua "missão hedonística". Ele defende a extinção completa do sofrimento através da engenharia genética, nanotecnologia e neuroquímica, desativando os receptores da dor, estimulando as zonas de prazer e assim por diante, tal como pressuposto pelas "drogas da felicidade" atuais e por todo o aparato médico que busca eliminar ou aliviar apenas os sintomas — ignora-se as causas. Drogas psicoativas são aplicadas com a premissa de que a real causa da angústia são os baixos níveis de serotonina e noradrenalina no cérebro. Aumente o nível desses neurotransmissores e, pronto, a angústia desaparece — o tratamento é um sucesso!

Por trás da suposição de que "não precisamos sentir dor" se encontram outras ainda mais profundas. Uma delas é a desconexão. Baixos níveis de serotonina são considerados de forma isolada em relação ao todo, assim como a peça quebrada de um carro. Esse paradigma mecanístico ignora a natureza orgânica do corpo humano, em que a saúde de qualquer parte reflete a saúde do todo; ignora que existem razões para os baixos níveis de serotonina, e razões para as razões, espalhando-se como uma teia de razões que abrangem todo o ser do paciente.

Há outra suposição relacionada à desconexão, a de que vivemos em um universo morto e sem propósito. Eventos ocorrem ao acaso. Não há nenhum propósito maior tornando cada evento significante e certo. Assim, a depressão não serve um propósito maior, pois não existe tal coisa. Não há razão para depressão exceto pelo que é identificável por fatos e dados, e portanto nenhum motivo para supor que a dor retornará uma vez que seu veículo atual for suprimido. A realidade é infinitamente controlável.

Se, no entanto, considerarmos a tecnologia, individualmente e coletivamente, como um meio não para extinguir a dor, mas para retardá-la, então se torna óbvio que essa mesma dor continuará a existir, esperando por qualquer momento de ócio. Isso se torna ainda mais evidente quando o próprio esforço em retardar a dor acaba gerando uma nova. Novos problemas causados por tecnologias desenvolvidas para solucionar os anteriores — sintomas causados pelo próprio remédio.

Na vida cotidiana, felicidade e segurança vêm de fortes conexões com a família, comunidade, natureza, lugares, espírito e consigo mesmo, e não de uma "independência", seja psicológica ou financeira. A história da tecnologia é uma longa saga que veio ampliando a separação da natureza (por nos acharmos superiores, cegos pelas maravilhas do progresso), da comunidade (pela especialização e produção em massa), dos lugares (pela alta mobilidade e incentivo à atividades em ambientes internos) e do espírito (pelo predomínio do paradigma científico Newtoniano). Logo, não se admira que a dor da condição humana só tenha aumentado durante a era atual. Ainda que as dificuldades físicas tenham definitivamente diminuído, o sofrimento psicológico na forma de solidão, desamparo, depressão, ansiedade, angústia e irritação tem crescido em proporções epidêmicas. Mesmo quando a tecnologia consegue conter as consequências externas dessa separação, ainda a internalizamos como "dor".


Fonte: © obvious:


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