sexta-feira, 27 de março de 2015

O ALGOZ VESTE SAIA - O LADO 'B' DO FEMINISMO por Marina Toth



Para falar a verdade eu acho que sou uma mulher moderna, pós-moderna não creio que eu seja se se compararmos meu comportamento e sentimento com a teoria de Bauman (tempos líquidos). Eu tenho uma enorme preguiça e baixa ou nenhuma paciência em conversar e conviver com às FEMINISTAS DE CARTEIRINHA. Preguiçaaaaaa vixi Maria - curuzes! Este texto muito fluídico, didático expressa justamente o que eu penso sobre isso. Roberta Carrilho


Mulher não pode usar saia. Mulher tem que usar saia. Mulher não pode se maquiar. Mulher tem que se maquiar. Mulher tem que competir profissionalmente com homem. Mulher tem que acalentar e amamentar. Cesariana não. Mulher não deve ir para academia, não deve fazer dieta e não deve se preocupar com sua aparência. Mulher que fica na cozinha é uma Amélia traidora.

Não é novidade que as mulheres vêm cruzando séculos sendo vitimadas por opressões e imposições externas, pela objetificação de seus corpos, vontades e desejos, e que por muito tempo a supremacia patriarcal nos subjugou e apequenou, limitou-nos.

No entanto, os mandos e desmandos citados acima não saíram da boca de nenhum homem que eu tenha recentemente conhecido, pelo contrário, saíram das bocas de outras mulheres, amigas, vizinhas de porta e de elevador, que agindo como paladinas do certo e do errado, forjaram suas posições de luminares, decidiram que podem tomar o lugar dos antigos homens passando elas mesmas a ditar regras para as outras mulheres seguirem, sob pena de traição de seu gênero.

Não há de se ignorar que o machismo ainda esteja presente no cotidiano, e que quanto mais baixa a classe socioeconômica, maior é o peso de sua mão. No entanto, este texto é voltado para outra forma de abuso contra a mulher, aquele abuso cometido por mulheres contra mulheres. As primeiras, muitas vezes escondidas atrás de legítimas bandeiras de luta feminina, perdem-se em radicalismo e intolerância, e agem como profetizas do comportamento feminino alheio, tentando formatar nossos modos e nossos desejos, agindo, também elas, como agressoras vorazes de nossas liberdades.

A coragem e o papel reivindicatório do movimento feminista e de suas mulheres no Brasil pós redemocratização, sem dúvida ajudou a romper com imposições comportamentais passadas e a acelerar o aceite de novos padrões de conduta afetiva e sexual, mas parece não ter se adequado à nova apresentação da realidade.

A própria idéia de gênero, antes estática e bipartida entre homem e mulher, hoje carrega uma concepção muito mais fluida, flexível, difícil de categorizar. Junto com a revolução feminina e sexual, vieram novas e infinitas roupagens para a sexualidade e para os comportamentos femininos, que não são um, mas incontáveis, causando estranheza ao feminismo contemporâneo mais agudo, que parece ter se perdido no discurso e na brutalidade da simplificação.

Nós, as mulheres, não somos uma massa uniforme e homogênea, não queremos todas as mesmas coisas e nem viver do mesmo jeito. Certamente as demandas da mulher branca, heterossexual, de 30 anos, são diferentes das demandas da mulher negra, da mulher mãe solteira, da mulher analfabeta, da mulher lésbica ou da mulher transexual, o que impõe ao feminismo o desafio de se reinventar a cada instante, tornando-se mais complexo e plurifacetário, sob pena de obsolescência.

Apesar das óbvias singularidades de cada mulher e da busca pela liberdade feminina, do quebrar das correntes que nos aprisionavam para que pudéssemos fazer nossas próprias escolhas, sejam elas quais forem, as alas mais radicais dos diferentes movimentos feministas vêm na contramão, reverberando dogmas rijos, simplistas, reguladores da conduta e do comportamento da mulher, e batem no peito para dizer que qualquer atitude que desafie as suas duras instruções não pode ser uma escolha consciente da mulher, mas imposição resultante da opressão de uma sociedade patriarcal.

Ou seja, se a mulher decide abrir mão do trabalho para cuidar dos filhos e ser a tradicional dona de casa, ou opta por comportamentos sexuais submissos, mesmo que fechada a quatro paredes, ou ainda decide ser uma dessas tantas mulheres fit de redes sociais, ou ela é uma traidora de seu próprio gênero, uma desertora da luta feminista que merece o ostracismo, ou ela é uma incapaz que optou por este caminho não por consciência e escolha, mas por imposição (leia-se opressão) masculina.

Nesse modelo infantilizado de classificação de nós, mulheres, somos reduzidas a 3 parcos tipos: (1) mulheres certas, que seguem os dogmas; (2) mulheres erradas, traidoras que merecem ostracismo; e (3) mulheres incapazes, vítimas da opressão masculina.

A simplificação da vida anda me assustando ultimamente.

A tentativa de retirar da mulher sua capacidade de escolha e de autodeterminar-se não é uma experiência nova, novo é apenas o algoz, nós mesmas.

A postura assumida e reafirmada pelo feminismo radical presta um desserviço ao tão necessário movimento feminista, atribuindo à ele pedantismo professoral, como se aquele grupo específico de mulheres, ao negar nossas complexidades e diversidades, e nos enquadrar e reduzir a poucas e pasteurizadas categorias, soubesse o que é melhor para cada uma de nós. E 'ai' de quem ousar discordar, de quem se atrever a seguir tendências de moda e beleza no instagram, de quem abrir mão do trabalho para viver em casa. A estas desobedientes mulheres restarão os títulos de alienadas ou traidoras de sua própria classe, pobres Amélias que não sabem o que fazem.

Essa tentativa insistente de despir a mulher de sua autonomia tem efeito degradante, vitimizando-a na medida em que a transforma de novo em criança, incapaz de optar e de bancar seus desejos e suas vontades, e como resultado, produz-se justamente aquilo que as feministas nasceram para combater: a própria opressão contra a mulher.

Estes pequenos grupos radicais vêm agindo como patrulheiros da moral alheia, pregando, muitas vezes por meio de manifestações de ódio indiscriminado, mazelas contra mulheres que não se adequam às suas assertivas, contra transexuais, a quem negam a própria natureza feminina, e contra os homens, muitas vezes pelo simples fato de serem homens.

Vozes vociferam raivosas não contra o machismo ou contra a opressão, mas contra o 'ser masculino', pune-se aqui a condição de gênero, de nascimento, pune-se o existir. Vociferam contra a mulher que escolhe padrões distintos para viver sua vida, presumindo-as fracas e submissas.

Coletivos feministas ganham destaque e formam-se dentro de ambientes universitários, muitas vezes escondendo-se atrás do anonimato, seus membros acabam mais comprometidos a perseguirem e constrangerem alunos (homens e mulheres) que consideram inadequados, do que comprometidos com a defesa dos reais interesses das diversas e complexas mulheres estudantes.

A desconstrução da feminilidade, a retirada da autonomia da mulher e a fabricação do inimigo generalizado como 'todo e qualquer homem', são alguns dos perigosos desafios que a parte séria do movimento feminista deve enfrentar para não ser engolido e tambem ele desconstruído pelas suas alas mais extremistas.

A outrora sadia e necessária discussão de gênero tem se desviado para o nada edificante e ainda menos efetivo conflito de gêneros, e para a simplificação e formatação da própria feminilidade, que agora, categorizada, deve se encaixar em normatização especifíca criada por mulheres que definem mulheres.





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