quinta-feira, 5 de novembro de 2009

O OFÍCIO DE VIVER - Cesare Pavese



É preciso astúcia para se conseguir viver neste mundo. Está bem. Só os astutos sabem praticar o mal para triunfar. Quem sofra com este estado de coisas e decida fazer uma patifaria, para se vingar, para imitar os outros, deve refletir que, depois, terá de viver sempre com astúcia, saber triunfar, porque senão a astuta patifaria cometida uma vez servirá apenas para o torturar, contrastando com todo o seu persistente estado de não-astuto, não-patife, inapto. 

Pecado é agir contra o que nos é próprio. É uma ruptura de equilíbrio. Daqui resulta que, quando alguém pecou (isto é, tem remorsos, caso contrário não foi pecado), toda a sua vida parece posta em questão.Conselhos aos pecadores: nunca ficar a meio caminho, mas empenhar-se a fundo e procurar transformar a nova orientação num hábito, transfigurar neste sentido especialmente o próprio passado.

Pode parecer o contrário, mas a coisa que causa mais horror a qualquer pessoa é acordar, uma manhã, diferente do que era na noite anterior. Quer dizer, perder o sentido da sua própria arquitetura interna. Qual a diferença entre um crime realizado e outro imaginado, saboreado, amado, mas não cometido? A seguinte: o primeiro já não poderá não ser, o segundo deixa a ilusão de não ter perturbado a nossa natureza. Em consciência, deveriam provocar em nós o mesmo remorso; mas não sucede assim porque, no segundo caso, nada nos impede de voltarmos a ser o que éramos anteriormente. (...)Em suma: a boa consciência não é senão a expressão do desejo que todos temos: ser nós próprios - estar à vontade.

Os pequenos prevaricadores ocasionais sofrem imensamente mais do que os maiores criminosos, porque os segundos são naturais.

Quando o remorso de qualquer má ação nos persegue, não é a dor infligida aos outros que nos desagrada, mas o mal estar que nos agita.

A arte de viver - dado que para viver é preciso fazer sofrer os outros (...) - consiste em habituarmo-nos a fazer todas as patifarias sem abalar o nosso equilíbrio interior. Ser capaz de todas as patifarias é a melhor bagagem que um homem pode possuir.

Cesare Pavese


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