segunda-feira, 16 de agosto de 2010

O PERIGO DA INTELIGÊNCIA por de José Virgolino de Alencar (comentário de Juarez Nogueira)

Recebi este texto do meu amigo de longos anos, JUAREZ NOGUEIRA, sempre muito presente. Admiro não só pela sua inteligência privilegiada, ou pelos seus talentos literários, mas pela fidelidade dos seus sentimentos e coesão entre a fala e ação.
É tão bom ter amigos ... amigos inteligentes, coerentes, sensíveis é ainda melhor.
Beijussss Juarez...

É um texto extremamente lúcido e reflexivo.
Adorei!!!
Roberta Carrilho


Mas o texto lembrou-me o conto do escritor H.G.Wells, “A terra dos cegos”.

O conto fala de um lugar onde as pessoas são cegas há várias gerações. Porque não podem ver, não reconhecem seu problema. Até que um homem, Nunez, com visão normal, tenta persuadir a população cega do problema da falta de visão. Num trecho da obra, lê-se:

“A imaginação de outros tempos fora substituída pela que a atmosfera de trevas lhe ditava, auxiliada pela sensibilidade dos ouvidos e das pontas dos dedos. Nunez apercebeu-se de que mais tentativas para lhes fazer compreender a verdade resultariam absolutamente infrutíferas”.

Sim, ele fracassa. E a população decide, por fim, arrancar-lhe os olhos para curá-lo de sua ilusão.

O texto me lembrou o conto “Teoria do Medalhão”, de Machado de Assis (1881). É a história de um pai que aconselha o filho sobre seu futuro para garantir a recompensa de seus esforços. O pai diz ao filho que não pense muito, não tenha ideias próprias, seja popular. Assim será sempre lembrado, pois agrada a todos, é simpático, quando na verdade não é. O pai aconselha o filho a não divergir dos demais, a ser conivente com a maioria das pessoas para ser tido como necessário em todos os lugares, eventos sociais e festas. Isto para ser lembrado durante a vida e depois da morte também.

Também me lembrou Samuel Pepys, no Diary (1665):
“(...) living as I do amongst so many lazy people, that the diligent man becomes necessary (…). Traduzindo: “(...) vivendo como eu vivo entre tantos picaretas, um homem diligente se faz necessário (...)”.

Os que já me conhecem, sabem: tenho miopia, astigmatismo, daltonismo, fotofobia e vista cansada. Principalmente vista cansada. Principalmente.

(Independentemente dos meus distúrbios de visão, também me fez pensar bastante, ah isso fez, no fato de que a UFMG dispensou a leitura de obras literárias... Será por quê, hein? Ah, deixa pra lá... Isso é outra história...)

Então, segue o texto, com meu abraço: 
O perigo da inteligência
Juarez Nogueira

Do eterno girar do tempo e dos seculares conflitos entre os poderosos e as sociedades humanas, são incontáveis os exemplos de que a inteligência é um perigo, de que o talento causa susto aos títeres e aos incompetentes e despreparados que detêm o mando, seja o econômico, seja o político. A ascensão ao poder e a conquista de riquezas são fatos que, com raríssimas exceções, ocorrem com personagens medíocres, pouco familiarizados com o saber culto, mas sabidos (não sábios) nessa artimanha de dominar a cena, monopolizando o comando político e a propriedade dos bens de produção.

Apesar do poder e da riqueza, tais personagens são inseguros e medrosos diante da inteligência, do talento e da competência. Vivem assustados ante a possibilidade de ver seus alicerces de poder e de força econômica minados pela letalidade da palavra dos sábios, que costuma ter efeito de canhão quando mirada na direção da mediocridade do poderoso.

Quando Winston Churchill, ainda jovem, fez seu primeiro discurso na Câmara dos Comuns, ao terminar, perguntou a um parlamentar mais antigo o que ele achara do pronunciamento. O experiente membro da Câmara inglesa põe a mão no ombro de Churchill e dispara: “Meu jovem, você cometeu um grande erro. Foi muito brilhante neste seu primeiro discurso na Casa. Isso é imperdoável! Devia ter começado um pouco mais na sombra. Devia ter gaguejado um pouco. Com a inteligência que demonstrou hoje, deve ter conquistado, no mínimo, uns trinta inimigos. O talento assusta”.

A lição dada a Churchill pela velha raposa do parlamento britânico, mesmo com um certo quê de ironia, de certo modo traduz uma verdade observada em todas as épocas da evolução da humanidade, com muitos episódios em que o talento assustou até os impérios e seus Kaisers, sendo inúmeros os casos em que reinados caíram sem guerra armada, mas derrubados pela palavra de pensadores talentosos e corajosos. Como também a história registra fatos de perseguição, degredação, exílio e aniquilamento de homens inteligentes que desafiaram o poder, quando este, infelizmente, dispunha de armas e força física invencíveis.

Mesmo vencido, o talento incomoda, quando expõe uma verdade crua fustigando os poderosos. Rui Barbosa é um exemplo de brasileiro talentoso, ousado, que incomodou o império e a velha república com sua palavra de fina ferinidade. Vejam esse epigrama/trova do velho Rui, espicaçando ironicamente a burrice:


“Ha tantos burros mandando
em homens de inteligência,
que, às vezes, fico pensando
que a burrice é uma Ciência”. 

Pela obstinação e capacidade que têm os burros de conquistarem poder e riqueza, é de concluir-se que a burrice tem uma qualidade oculta a desafiar a ciência, a psicologia, a sociologia, enfim, o conhecimento mais remoto do ser humano. O burro não vai ter, por isso, reconhecida qualquer competência, mas ter-se-á uma explicação para o fenômeno, estranho, misterioso.

Acho que, mesmo em sendo um trocadilho definindo o paradoxo entre o medíocre e o competente, “o burro é sagaz para ganhar dinheiro; o inteligente é inapetente para consegui-lo”. O filósofo André Comte-Sponville diz que “há gênios infelizes e há imbecis felizes”. Contudo, é de se notar que a infelicidade do gênio não é nenhuma frustração, mas pura lamentação pelo domínio da burrice. A felicidade do imbecil é mera alienação, felicidade esta que geralmente é estragada pelas estocadas dos sábios, com suas certeiras flechas do saber.

De forma refinadamente bem-humorada, Nelson Rodrigues também ironiza o medo do poderoso burro diante do talento, afirmando: “Finge-te de idiota, e terás o céu e a terra”. A sutileza de Nelson Rodrigues ensina que se o talento meter-se a besta, o burro pode destruí-lo. Então, para sair-se bem e não ser incômodo, o talento deve fingir-se de idiota.

Disso tudo, se conclui:
O talento é um perigo!



José Virgolino de Alencar


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