terça-feira, 22 de novembro de 2011

POETA DO FÓRUM - Rubens Luiz Sartori (promotor aposentado)



O promotor Rubens Luiz Sartori notabilizou-se no Paraná por suas inúmeras peças jurídicas, escritas com o rigor e a precisão que exigem os rituais forenses. Só que em formato de poesia, geralmente  para requerer o arquivamento de processos abertos contra pessoas humildes, envolvendo insignificâncias. Pode-se imaginar o quanto deve ter divertido os juízes das várias comarcas por onde passou. Para encerrar sua carreira no Ministério Público, não deixou por menos: deitou poesia para o procurador-geral, Gilberto Giacoia.


TUBAÍNA E QUENTÃO

Autos de Inquérito nº 285/94 - 1ª Vara Criminal



Meritíssima Julgadora:


contém neste relatório,
a notícia furtadora
de garrafas de bebida,
cujo valor é irrisório
e não merece guarida.

O pouco valor constatado
nem de longe o incriminou,
vez que o indiciado é enteado
da pessoa que o denunciou.

Fala-se num botijão de gás
que também fora furtado,
mas nada tinha o rapaz
e nada com ele encontrado.

Dois quentões, duas tubaínas,
não permitem acusar,
pois são bebidas baratas
de consumo popular.

Não há como denunciar
e movimentar esse poder,
por míseros cinco reais
não vale a pena escrever.

O fato de ter sido preso,
num flagrante desrespeito,
demonstrou muito desprezo
e já humilhou o sujeito.

A polícia, infelizmente,
tomou tudo por escrito,
fez subir aqui pra gente
esse dossiê esquisito.

O certo pra esses casos,
num juizado arbitrário,
seria uma advertência na hora,
num julgamento sumário.

O que nos reserva a vida:
vinte anos de função,
ver um sujeito indiciado,
por tubaína e quentão.

Por isso eu peço à senhora,
me entende e evite a demora,
processar sem fundamento.
Compreenda que foi desforra,
do padrasto com tormento,
e como não há justa causa,
remeta ao arquivamento.



TIRAIADA


Autos de Inquérito nº 225/96 - 1ª Vara Criminal
Indiciado: Oscar Ortigara

Os fatos: o indiciado dirigiu-se na tarde de 18 de outubro do corrente ano (1995) até a propriedade do deputado Nelson Turéck, às margens da Usina Mourão (local de acesso público - área de lazer e habitada), nesta comarca, em visível estado de embriaguez, disparando para o alto dois tiros de espingarda e proferindo palavras de baixo calão contra o deputado, de quem é desafeto por razões políticas.



MM. Juiz:



O fato foi dia dezoito
de outubro, mês de eleição;
numa tarde bem brejeira,
descansar era a intenção.

Pescava o nobre deputado,
em seu barco, com os amigos,
no lago da Usina Mourão,
tranquilos e sem alaridos.

Eis que chega o desafeto,
seu amigo companheiro,
já bem alto do boteco,
gritando e arruaceiro.

Parando sua caminhonete,
o denunciado bradou:
"... venha aqui seu desgraçado...",
e dois tiros disparou.

Como disse Nelson Turéck,
foi pra cima a tiraiada,
e ele feito moleque
ficou torcendo por mais nada.

Tão logo que disparou,
o denunciado fugiu;
bem borracho ele voltou
pro lugar onde saiu.

Tomadas as providências,
o inquérito se iniciou,
mas o acusado, prudente,
a tentativa negou.

Aliás, há de se registrar
um inquérito bem montado,
com fotos e bom relatório,
pois a vítima é deputado.

Na tentativa de morte,
não posso aqui acusar,
pois atirar para o alto
não pode ninguém matar.

Portanto, a coisa é ladina,
mas nada de comoção;
o procedimento de rotina
é o tipo: contravenção.

Contravenção de disparo,
em habitado lugar,
no art. 28, equiparo
o ato de detonar.

Então o que se há de fazer,
com os tiros do vagal?
Se não este remeter
ao Juizado Especial!

A Lei é a 9.099,
que surgiu para abreviar
os casos de pouca monta
pra rapidinho julgar.

Assim descrito, Excelência,
só vejo um itinerário,
seguir este à ciência
ao Juizado sumário.


APOSENTADORIA



Excelentíssimo senhor
doutor Gilberto Giacota,
digno geral-procurador,
onde o 'parquet' se apóia:

Venho por meio desta,
à augusta procuradoria;
chapéu tapeado na testa,
pedir a aposentadoria.

Cumpri minha sina gaudéria,
fui promotor trintenário.
Sempre esclareci a matéria.
Sempre cumpri meu horário.

Comecei nos anos setenta,
com a máquina manual,
sem ter telefone, nem fax,
faltava até material.

Iniciei por Marialva;
não conto nada por prosa.
Trabalhei em São Jerônimo,
fui o primeiro de Barbosa.

No começo dos oitenta,
eu fui pra Engenheiro Beltrão,
lá eu fiquei por três anos,
e mais de quinze em Campo Mourão.

Campo Mourão, com amor,
abrigou-me desde piá:
de açougueiro a promotor.
Os meus ossos guardará.

Termino aqui em Maringá,
boa terra onde me formei;
meu filho hoje cá está,
no Direito que lhe ensinei.

Para minha filha caçula,
que dos dezoito já passou,
e vai ser Engenheira Química,
a minha benção a ela dou.

Agradeço à minha Jussara,
esposa de bom coração.
Ao seu lado tudo sara,
até a dor da ingratidão.

Ao meu pai, o seu Gastone.
À minha mãe, a dona Olga.
Como som de gramofone,
Casal simples, mas que empolga.

A minha beca desbotada
foi a estola de meu centro;
quanta vez saiu suada,
dos debates noite adentro. 
Sai bem rota, mas honrada.

Continuo no magistério,
lecionando na Fecilcam;
ensinando, sem mistério,
o alunado da Comcam.

Sei que é cedo pra ir embora,
mas eu já estou de tardezinha.
Fiz da minh'alma minha espora,
pra cavalgada que é só minha.

Vou-me apenas pra mais perto,
dos meus dias nesta terra.
E saio firme e mui esperto,
para o só meu tempo de espera.

Sempre fui do interior.
Nunca corri em promoção.
Fiz carreira um penhor:
"Ser promotor com paixão".

Deixo o cargo consciente
de que não fui muito brilhante;
porém, sempre independente;
jamais fui inoperante.

Devo tudo o que eu sou
à nossa Instituição;
"até sempre" e a Ela dou,
minha eterna gratidão.

Ao meu Ministério Público,
não desejo dizer adeus.
Quero, e o coração em júbilo,
rogar-lhe a bênção de Deus.

Obrigado, meus colegas,
do trabalho e da verdade;
sempre tenham deste amigo
o respeito e a amizade.

E assim descrito, Excelência,
singelo, e sem rebuscamento,
dê-me ir-me com decência;
dê-me, enfim, deferimento.

3 comentários:

  1. Obrigada Roberta pelas publicações. Pela admiração e amizade que tinha por meu pai.
    Beijo!

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    Respostas
    1. Olá Cláudia como vai?

      Como assim 'tinha' eu tenho! Seu pai e eu somos dois pesquisadores do comportamento humano. Ele outro dia mesmo me enviou um e-mail perguntando sobre o caso do menino Marcelo de SP que a polícia concluiu ter assassinado os pais, avó e a tia-avó. Ele queria saber o que eu achava do assunto já que estamos pesquisando mentes criminosas.
      Estou confusa!O que aconteceu?

      Tinha... tá me dando um aperto no estômago!!!
      Aguardo retorno

      Abraços,
      Roberta Carrilho

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  2. Hoje é um dia muito triste para mim...

    Meu querido amigo Dr. Rubens foi para o Plano Espiritual no último domingo dia 25/08/13 e fiquei sabendo hoje pela sua filha, Cláudia Sartori. Meu coração está em luto.

    Quero que saiba onde estiver amigo que sentirei falta de ti. Você é um ser iluminado de Deus! Humanitarista e sensível para as causas sociais. Poeta e Piadista! Estudioso e Brincalhão! Sentirei falta das nossas prosas. Tínhamos muitas afinidades e ideologias. Você estará sempre em minhas mais doces lembranças.

    Um poema eu fiz para ti

    Siga em frente!
    Receba meu carinho de sempre!
    Onde estiver saiba que me deixou descontente!
    Desta sua ida tão precocemente!


    E também receba minha singela prece...

    Que Deus-Pai misericordioso e os amigos do Plano Superior possa lhe acolher querido amigo e dar o amparo nesta nova etapa da sua existência eterna. Sentirei saudades de ti! Fique em paz!!

    Sua amiga de sempre e sempre
    Roberta Carrilho

    "Campo Mourão, com amor,
    abrigou-me desde piá;
    de açougueiro a Promotor.
    Os meus ossos guardará"...

    E assim foi feita a vontade de meu pai
    Cláudia Sartori


    http://robertacarrilho-div.blogspot.com.br/2013/08/luto-dr-rubens-luiz-sartori-meu-amigo.html

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