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Origem da coragem
A coragem pode ser incluída na lista das virtudes humanas, em face dos valores benéficos que propicia ao Espírito e à existência em si mesma. Encontra-se radicada no cerne do ser, em virtude de experiências morais e conquistas sociais realizadas em vivências passadas, quando as lutas e os desafios apresentaram-se exigindo solução.
No processo da evolução antropossociopsicológica, as alterações de níveis dão-se a cada momento, porquanto, conquistado um patamar de realização pessoal, outro logo surge, convidando ao avanço irrefragável.
Iniciam-se esses sentimentos, considerados valores morais, nas experiências mais simples diante das quais o Espírito não recua, nem desiste de enfrentá-las, por saber, às vezes, inconscientemente, que elas lhe constituem recursos de crescimento interior e de valorização da vida.
Logo depois, surgem as lutas inevitáveis entre o ego e o Self, que prosseguirão por período muito longo até que este último predomine em todas as instâncias.
Tão tenaz apresenta-se essa batalha que monges tibetanos, preocupados com a harmonia interior e a superação das paixões primárias, que desenham o futuro ego, recomendam o esforço de preservação da paz, em mentalização contínua e disciplinadora dos impulsos inferiores.
Narra, por exemplo, o monge Patrul Rinpoche que teria conhecido outro monge de nome Geshe Ben, que era tão rigoroso no cumprimento dessa necessidade - a da superação do ego — que discutia em voz alta, repreendendo-o sempre que era levado a uma atitude que considerava imprópria, portanto, detectando-a como inimiga do Self.
Mais de uma vez teria sido surpreendido reclamando com o ego impositivo, ao sentir ansiedade pela conquista ou realização de algo que lhe aprazia, transtornando-o, ou quando se dava conta de estar realizando algo que era contrário aos princípios adotados para a auto iluminação.
De certo modo, igualmente, narra-se que São Francisco, depois de haver-se doado ao Senhor Jesus, certo dia foi surpreendido, justificando-se nada mais possuir para dar-Lhe. Sem saber o que mais oferecer, permaneceu interrogando mentalmente o Mestre, quando ouviu nos refolhos da alma a dúlcida voz responder-lhe: — Francisco, dá-me Francisco.
Sucede que é muito fácil oferecer-se coisas e alterar--se situações em nome de ideais e de interesses com o ego escamoteado por sentimentos, mesmo que legítimos, de amor e de abnegação, no entanto, sem a coragem de dar-se, de esquecer-se completamente, a fim de fazer-Lhe a vontade, e não aquela que é peculiar a cada um.
Essa é uma coragem grandiosa, a da superação do ego, porque é totalmente feita de despojamento, de abandono pessoal, de sublimação do Self.
Trata-se de um desenvolvimento interno, mediante o qual as lutas exteriores ocorrem com facilidade, diferenciando-se do esforço veraz para o equilíbrio emocional.
Normalmente, aqueles que ainda não desenvolveram os requisitos morais, nem se ativeram à introspecção, de forma que descubram as excelências da harmonia, da saúde integral, desistem nas batalhas em que a coragem desempenha seu papel de alta importância.
Acostumados aos gestos exteriores, nos quais o aplauso ou a repreensão têm significado e sentido emocional, não sabem entregar-se a essa luta interna, silenciosa, sem testemunha, sem orquestração vaidosa.
A coragem, portanto, desenvolve-se lentamente, passando de um estágio a outro, galgando degraus mais elevados, desse modo, favorecendo a criatura com mais altivez e autoconfiança.
Examine-se a coragem de Jesus no desempenho da tarefa e a falta que fez a Judas e a Pedro, talvez capacitados para lutas externas, conforme sucedeu com Simão, no Jardim das Oliveiras, quando sacou a espada e agrediu, desnecessariamente, Malco, decepando-lhe a orelha. Esse gesto, considerado como de coragem, significou antes a reação do medo ou mesmo impulsividade, enquanto o Amigo permaneceu sereno, apresentando-se como o procurado, sem qualquer agressividade.
Jesus havia adquirido essa coragem muito antes de estar no mundo físico, enquanto Pedro demorava-se em processo de autorrealizaçáo.
Judas aguardava um Triunfador e, sem coragem para superar-se, traiu-se, traindo-O.
Amadurecido, mais tarde, com coragem moral, Pedro entregou-Lhe a vida, enquanto Judas, sem essa força grandiosa, fugiu, novamente perturbando-se ao dar-se conta do delito praticado, buscando o suicídio.
Não poucos heróis das batalhas públicas desequilibram-se diante das lutas íntimas, nas enfermidades, nas denominadas desgraças econômicas e sociais, políticas ou artísticas, na escassez, nos dramas do sentimento, porque lhes falta a coragem.
Esse acontecimento, entretanto, torna-se forjador da coragem em desenvolvimento, que se vai fixando nos painéis do Self, preparando-o para cometimentos mais audaciosos no futuro.
Torna-se indispensável que o indivíduo cultive os sentimentos do dever reto como essenciais para o desenvolvimento da coragem, porquanto, somente assim, terá forças para os enfrentamentos, apoiando-se nesses valores transcendentes de que se constituem os compromissos elevados.
Não acostumado à reflexão nem ao descobrimento da essência do que se lhe apresenta como valioso, o Self não dispõe de recursos para o avanço moral, deixando-se vencer pelo ego vicioso.
Eis por que, a cada conquista realizada, novas áreas devem ser ampliadas, facultando mais valiosos empreendimentos.
A coragem moral dispensa circunstâncias e posições relevantes. É um valor que perdura no indivíduo sempre vigilante para realizar o mister que lhe diz respeito.
Conquistar essa virtude algo esquecida é uma proposta moderna para a aquisição da saúde integral.
Desenvolvimento da força e da virtude da coragem
A virtude da coragem tem lugar no momento em que o indivíduo liberta-se da proteção familiar, da segurança do lar, atravessando os diferentes períodos da adolescência e entrando na fase adulta, tendo que assumir responsabilidades.
Nesse período é inevitável a aquisição da autoconsciência, que deflui dos tentames contínuos para a identificação da própria realidade, para a conquista do Self, abandonando os artifícios e mecanismos de fuga da responsabilidade, de modo a suportar os enfrentamentos que se impõem necessários.
O desenvolvimento biológico nem sempre se faz acompanhar pelo crescimento psicológico, porquanto, muitas áreas da emoção permanecem dependentes das circunstâncias anteriores, do protecionismo recebido na família, dos pais e mais velhos que procuraram poupar das adversidades, dos conflitos, das lutas da evolução, o jovem em crescimento.
A coragem apresenta-se, nesse momento, equipando o ser em busca da realização pessoal, mediante a seleção de valores de que se deve munir para seguir no rumo das metas que elegerá na sucessão do tempo.
Atado a imposições sociais, educacionais, tradicionais, não raro perde-se em conflitos desnecessários, gerando comportamentos de medo, de ansiedade e de insegurança, que se tornam verdadeiras cadeias retentivas na retaguarda.
A autoconsciência ajuda a compreender que se torna necessário discernir para acertar, insistir para lograr êxito, trabalhar com afinco nos propósitos escolhidos, dispondo-se a errar e repetir a experiência, a perder a ingenuidade para adquirir a maturidade, a vivenciar decepções que nascem nas ilusões para compreender a realidade, mantendo a coragem de não desanimar, nem desistir, entregando-se à auto-compaixão ou à depressão.
O desenvolvimento animal ocorre através de períodos sucessivos, tais como a infância, a adolescência ou juventude, a idade adulta, a velhice e a morte. Todas essas etapas fazem parte do esquema biológico normal e natural do processo vital.
Passa-se de um para outro estágio biologicamente, mas nem sempre com o amadurecimento psicológico correspondente, que deveria acompanhar a nova aquisição, por isso mesmo facultando que se instalem inquietações e desalentos que se podem tornar patológicos.
Necessário coragem para analisar com tranquilidade cada fase da existência física, como parte do processo de crescimento inevitável que culmina na morte orgânica, incapaz de extinguir a vida.
Essencialmente imortal, o Espírito é o ser integral, que desenvolve do germe divino que traz latente, para utilização no transcurso das reencarnações, aprimorando-se sempre em cada etapa vitoriosa, em cujo curso apresentam-se os valores nobres que o exornarão mais tarde, quando superados os períodos mais difíceis.
Nesse processo de evolução, a coragem assume diferentes aspectos, proporcionando relacionamentos saudáveis que são indispensáveis para o desiderato feliz.
Todos necessitam de coragem fraternal para a convivência, resultando em vínculos de amizade profunda, capazes de resistir às agressões e discordâncias que, comumente, têm lugar nos comportamentos humanos.
Insistir nos bons sentimentos da amizade, na procura dos relacionamentos afetivos na área do amor sexual, livrandose dos conflitos de qualquer natureza, com a coragem de autossuperação, constitui uma das metas a alcançar na busca da saúde plena.
Dispondo-se ao crescimento interior e à realização social e familiar, nos negócios e nos empreendimentos profissionais, o indivíduo necessita dessa coragem dinâmica, criativa e fortalecedora que não esmorece diante do aparente fracasso, por entender que toda conquista é portadora de um preço específico.
A coragem é um ato, portanto, de bravura moral, virtude que deve acompanhar o sentimento humano, em vez do marasmo ante decisões ou diante da acomodação ao que já foi conseguido, da satisfação infantil pelo que se logrou, quando os horizontes mais se ampliam na direção do futuro, à medida que se avança.
Necessário separar o heroísmo da coragem real, porquanto as circunstâncias e o momento podem influir para que sejam consumados atos especiais e grandiosos, enquanto o desafio mais constante é de natureza interna como forma permanente de conduta emocional.
Eis por que nunca se deve alguém acovardar diante dos enfrentamentos, que são a fonte estimuladora do crescimento espiritual.
O ser humano possui reservas de força moral quase inconcebíveis, desde que estimuladas pelas ocorrências.
Verdadeiros pigmeus culturais e sociais podem alcançar níveis elevados de coragem, enquanto indivíduos de alta envergadura intelectual e social preferem mergulhar nos abismos do medo e da depressão, quando convidados às decisões e aos labores contínuos.
A aparência em que se transita nem sempre revela o grau de moralidade pessoal e de valor espiritual de que se é portador. Por isso mesmo, a coragem é o estímulo para que desabrochem os valores que dignificam e produzem a autorrealização.
A coragem pode assumir também outro delicado e sutil aspecto no comportamento humano, qual seja, criar, oferecendo beleza através da arte, da cultura, da religião, da bondade, da solidariedade.
Vivendo-se numa sociedade que se caracteriza pelo isolacionismo, pelo egoísmo, que prefere o interesse imediato, a troca de favores, é natural que alguém rompa o condicionamento e tenha a coragem de ser diferente, desenvolvendo o gênio criativo e o sentimento de compaixão pela ignorância, solidarizando-se com a vida e com todos os seres sencientes.
Quando falta essa virtude no indivíduo, que parece haver-se cansado de trabalhar em favor dos ideais e da construção do grupo social melhor, pode-se considerar que essa conduta se firma numa acomodação covarde ante os impositivos do progresso. Sentindo-se compensado pela vida, avançado na idade, considerando a proximidade da morte, não sente mais interesse em ampliar as possibilidades de felicidade geral, derrapando no obscurantismo, na indiferença, deixando de viver plenamente, porque elegeu apenas o momento que passa.
A coragem de lutar não espera compensação de qualquer natureza. Mesmo quando a morte do corpo se aproxima, o homem e a mulher de coragem prosseguem na sua faina de oferecer exemplos e contribuições que felicitam aqueles que vêm na retaguarda, e avançam confiantes na contribuição daqueles que os precedem pelos caminhos da inteligência e do sentimento.
Coragem é mais que destemor ante perigos, é a conquista da autoconsciência que faculta a segurança nas possibilidades e nos meios valiosos de prosseguir na conquista de si mesmo.
Aplicação da coragem
Nada obstante a coragem expresse o nível moral de cada indivíduo, podemos dilatar o conceito para a análise daquela de natureza física, identificada nos transes desencadeados pelas enfermidades, pelos acidentes dilaceradores...
Muitos pacientes demonstram coragem diante de doenças devastadoras, enquanto outros deixam-se arrastar por desesperação incontrolável. Merecem, no entanto, as duas atitudes, algumas considerações.
No primeiro caso, a pessoa pode ser constituída de grande resistência orgânica, de menor sensibilidade, que dificultam a manifestação das dores acerbas. No segundo caso, conflitos emocionais que desestruturam o comportamento, abrem espaço para que os fenômenos aflitivos, dores e padecimentos, assumam uma gravidade que, em realidade, não existe. O próprio desconserto emocional contribui para a exacerbação da sensibilidade, transformando-se em aflição desmedida.
Em ambos os casos, no entanto, o equilíbrio moral faculta a coragem ou retira-a durante a injunção aflitiva.
Na fase, porém, das ocorrências morais, aquelas que ferem os sentimentos que geram perturbação no raciocínio e ameaçam o equilíbrio mental, é que a coragem faz-se testada.
Nesse caso, torna-se constituída pelos elementos da autoconsciência, da compreensão do seu significado existencial e do raciocínio lógico para a diluição do gravame, iminuindo-lhe o significado.
Reconhecendo-se vítima, ou identificando-se como vitimado circunstancialmente pelo ocorrido, a coragem moral acalma as reações orgânicas, evitando que os sentimentos contraditórios da mágoa, do revide, do ódio se lhe instalem nos painéis da emoção, gerando tumultos íntimos.
A coragem deve ser exercitada em pequenas ocorrências e diferentes cometimentos.
Aceitar o insucesso como uma experiência necessária para assegurar futura vitória, faculta e estimula a coragem para novos tentames.
A consideração em torno da fragilidade pessoal, tendo em vista a vigilância, dispõe a um comportamento linear e estável de harmonia diante de infortúnios ou de alegrias no transcurso da existência.
Assumir a identidade pessoal, evitando a conduta-espelho, que reflete os outros em detrimento de si mesmo, propicia coragem para prosseguir de ânimo forte.
Logo surgem as manifestações secundárias da coragem, como servir sem preocupação de encontrar-se bem no contexto social, de fazer o conveniente em detrimento daquilo que deve, adquirindo harmonia interior, que resulta do fenômeno da consciência tranquila.
Confunde-se coragem com intemperança, agressividade, intempestividade, que são, não poucas vezes, reações do medo expresso ou escamoteado.
A coragem é também terapêutica, porque estimula ao trabalho, à realização de obras dignificadoras, mesmo quando as circunstâncias se fazem desfavoráveis.
Quando se apresentem na conduta receios infundados, insegurança para decidir, dificuldades para comportar-se em equilíbrio, subjazem fenômenos psicológicos de ansiedade e culpa não diluídas.
Recursos psicoterapêuticos devem ser buscados, a fim de propiciar a coragem, o valor moral para auto avaliação, sem pieguismo, e transformação interior para melhor, sem pressa.
Como corolário da coragem moral superior, o amor desempenha uma função primordial naquele que se candidata à aquisição da harmonia no processo da sua evolução.
Divaldo Pereira Franco ditado pelo
Espírito Joanna de Ângelis
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