domingo, 25 de novembro de 2018

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segunda-feira, 5 de novembro de 2018

ELEIÇÃO DE BOLSONARO MARCA FIM DA NOVA REPÚBLICA, DIZ HISTORIADORA

Autora não crê que Legislativo, Judiciário e imprensa possam se contrapor a autoritarismo



[RESUMO] Historiadora francesa Maud Chirio, que pesquisa a direita brasileira, rejeita a ideia de que Bolsonaro vá moderar seu discurso ao chegar ao Planalto e se declara cética em relação ao equilíbrio entre Poderes no governo do presidente eleito.

A ascensão de Jair Bolsonaro ao poder entrará para os livros de história como marco final da Nova República, iniciada no ocaso da ditadura militar, em 1985, porque o projeto político que impulsionou o presidente eleito contradiz os princípios que a regem. 

O diagnóstico é da historiadora francesa Maud Chirio, 37, especialista em história da direita brasileira e na relação desta com a caserna. Em entrevista à Folha, ela diz não acreditar que o capitão reformado vá moderar seu discurso ou abandonar algumas de suas propostas mais radiativas após subir a rampa do Palácio do Planalto, em 1º de janeiro. 

"Não são bravatas, excessos, é um sistema de pensamento", afirma a professora da Universidade Paris Leste Marne-La-Vallée e autora de "A Política nos Quartéis - Revoltas e Protestos de Oficiais na Ditadura Militar Brasileira" (ed. Zahar).

"[Muitos analistas] Não acreditam que Bolsonaro poderia virar do avesso o conjunto de valores morais e políticos preponderante na Nova República. Há aí uma cegueira histórica."

Ilustração de capa da Ilustríssima - Veridiana Scarpelli

Para Chirio, no dia 3 de janeiro do ano que vem, o MST e o MTST serão declarados organizações terroristas e, no começo de fevereiro, o PT será interditado. "Haverá também um expurgo na administração pública, que já está em preparação. Só não vê quem não quer."

A historiadora afirma duvidar da capacidade de Legislativo, Judiciário e imprensa de servirem de contrapeso a eventuais desmandos autoritários do militar da reserva e chama a atenção para a afinidade de Bolsonaro com a ala linha-dura do regime que vigorou no Brasil de 1964 a 1985.

"Ele representa um segmento que sempre rejeitou a República decorrente da Constituição de 1988 e sua apologia da diversidade étnica, religiosa e do pluralismo. Não há razão para acreditar que ele pense diferente", avalia.

Na entrevista a seguir, Chirio também tece paralelos entre as chegadas de Bolsonaro e Adolf Hitler ao topo do Executivo, além de falar sobre o que esperar das relações do presidente eleito com líderes da Europa.


Em entrevista ao jornal Le Monde entre os dois turnos da eleição, a senhora se declarou temerosa pela democracia brasileira. Por quê? E como ficou esse receio diante do resultado da corrida presidencial? Ele aumentou, por causa da natureza das reações de uma parcela de eleitores de Jair Bolsonaro. Minha inquietude se apoia em alguns elementos.

Em primeiro lugar, em itens do discurso do agora presidente eleito sobre o respeito ao pluralismo político. Grande parte de sua fala é norteada pela [ideia de] repressão violenta da oposição de esquerda --das menções a exílio forçado e prisão até a alusão a agressões físicas e eliminação definitiva de adversários. 

E não são excessos pontuais, deslizes, mas, sim, uma retórica recorrente a indicar que ele não aceitará a sobrevida política de uma oposição de esquerda, o que já basta para caracterizar como não democrático o regime que vai se instaurar em janeiro de 2019. 

Em segundo lugar, há o fato de o discurso repressivo de Bolsonaro se estender a outros setores da sociedade, aos quais é negado o direito à diferença. Isso é muito claro com os homossexuais e com os índios -- estes, ao que tudo indica, para "virarem brasileiros", vão ser destituídos de suas especificidades, sofrendo com a supressão de reservas e com a rédea solta para o agronegócio, o que resultará provavelmente em massacre. Ou seja, há uma rejeição da diversidade política e social do país -- o que, a meu ver, caracteriza uma sociedade autoritária. 

E o que esperar da relação de Bolsonaro com os outros Poderes? A capacidade do novo governante de respeitar o equilíbrio entre os Poderes no âmbito de um sistema democrático gera dúvidas. 

É só lembrar as pressões exercidas sobre o Judiciário pelo grupo de Jair Bolsonaro, que se desenharam de forma clara na fala de Eduardo Bolsonaro ["se quiser fechar o STF, manda um soldado e um cabo"]: a tendência dele e de seu entourage militar de ver a Justiça como obstáculo ao exercício de poder.

Em relação à mídia, a disposição do futuro presidente em deixar uma imprensa de oposição se expressar também é mais do que duvidosa. As tentativas da grande mídia de resistir, de questioná-lo, suscitaram reação muito hostil. É incerto, portanto, que Judiciário e imprensa possam de fato desempenhar o papel de contrapesos. 

Não se sabe se Bolsonaro vai governar com ou sem os legisladores. A visão que ele parece ter do poder não soa compatível com negociações com o Congresso.

Analistas dizem esperar que ele agora modere o discurso, deixe de lado arroubos extremistas e bravatas. Não é realista esse prognóstico? Acho que vai acontecer o inverso. Já existe no Brasil uma grande violência social, que atinge as populações rurais e periféricas e se traduz em grande mortalidade. Bolsonaro anunciou gatilhos que vão fazer disparar essa taxa, como o armamento da população para defender a propriedade e o aumento da militarização da segurança pública, acompanhado pela suspensão da ilegalidade de qualquer ato homicida da parte de um agente policial. Isso fará subir a letalidade social.

É preciso perceber de onde o futuro presidente vem. Ele é formado no imaginário da linha-dura do regime militar. É cristalina a semelhança entre o que ele propõe para a cena política brasileira e aquilo que sugere a ala de extrema direita da reserva desde o fim da ditadura.

Faça o download das edições da revista do Clube Militar dos últimos 20 anos e você verá a íntegra do programa de Bolsonaro a respeito dos homossexuais, da diversidade racial e do pluralismo político.

Essa ala criticou a "renúncia" prematura do poder militar e a transição para a democracia, que, aos olhos dela, foi pouco controlada e abriu espaço para um revanchismo esquerdista, que teria conquistado a mídia, a universidade e, por fim, a cena política.

É o discurso de Olavo de Carvalho, que afirma que a esquerda tem uma política de ocupação do espaço cultural viabilizada pelo fato de ela, a esquerda, não ter sido aniquilada na ditadura. Então não são bravatas, excessos, é um sistema de pensamento, no âmbito do qual a esquerda vira um inimigo nacional a ser eliminado.







Se ele não colocar essa linha ideológica em marcha, será porque houve poderes moderadores que o impediram, não porque ele não tenha querido aplicá-la. Muitos analistas acham que, uma vez que uma democracia se consolida, ela não mais regride a um sistema que lhe seja antagônico. 

Não acreditam que Bolsonaro poderia virar do avesso o conjunto de valores morais e políticos preponderante na Nova República. Há aí uma cegueira histórica. 

As democracias morrem... Bolsonaro representa um segmento que sempre rejeitou a República decorrente da Constituição de 1988 e sua apologia da diversidade étnica e religiosa e do pluralismo. Não há razão para acreditar que ele pense diferente. 

Em seu primeiro pronunciamento depois da vitória, ele surgiu ao lado de exemplares da Bíblia, de uma biografia de Winston Churchill [ex-primeiro-ministro britânico], da Constituição e de um livro de Olavo de Carvalho ["O Mínimo que Você Precisa Saber Para Não Ser um Idiota"]. 

Não se trata de um Trump, de um provocador antissistema politicamente incorreto. Bolsonaro tem, por trás dele, uma estrutura de pensamento muito coerente, em que se articulam corrupção, comunismo e perversão moral.

Em 1932, pouco antes de Adolf Hitler chegar ao poder, o discurso da direita na Alemanha era de que ele era um agitador, passível de controle, de enquadramento no sistema. Falava-se que era evidente que ele não poria em prática tudo aquilo que sustentava oralmente.

Quando uma figura de fora do sistema fica popular e defende os interesses da classe dominante em diferentes planos (no caso de Bolsonaro, no econômico), verifica-se uma inércia desse sistema. Hitler era um personagem coadjuvante, insignificante, assim como Bolsonaro. Todos achavam que ele assim permaneceria, que seria engolido pelas forças sistêmicas. Nunca acontece isso.

Para mim, no dia 3 de janeiro de 2019 [dois dias após a posse de Bolsonaro], o MST e o MTST serão declarados organizações terroristas. No começo de fevereiro, o PT vai ser interditado. Haverá um expurgo na administração pública, que já está em preparação. Só não vê quem não quer.

LÍDERES COMPARADOS A BOLSONARO

O presidente dos EUA, Donald Trump, é talvez o principal líder comparado a Jair Bolsonaro. Eleito 2016 de forma surpreendente, o bilionário fez campanha prometendo "fazer a América grandiosa novamente". Desde que sumiu, afastou os EUA de acordos multilaterais e implementou uma política anti-imigração mais dura. 

Rodrigo Duterte foi eleito presidente das Filipinas em 2016 com a promessa de acabar com a criminalidade do país em 6 meses. Sua política de guerra às drogas é criticada por entidades de direitos humanos por fazer uso da violência policial e de grupos de extermínio

Vice-premiê do Interior, Matteo Salvini é o verdadeiro homem forte da política da Itália desde as eleições de março de 2018. Líder do partido populista de direita Liga, ele tem dado o tom ao governo do premiê Giuseppe.

No poder de 2010, o premiê húngaro Vikor Orbán foi reeleito em abril de 2018. Com discurso nacionalista, anti-imigração e hostil à União Europeia, ele retirou publicidade oficial do veículo de comunicação críticos ao governo Bernadett Szabo

Sucessor de Hugo Chaves à frente da Venezuela, Nicolás Maduro foi eleito em 2013 após a morte do líder do chavismo. O subsequente esvaziamento do Parlamento e do Judiciário, somados à eleição de uma Assembléia Constituinte totalmente chavista e uma reeleição contestada, lançaram a Venezuela numa espiral de violência e repressão.

Reeleito presidente da Turquia em 2018, Recep Tayyip Erdogan chegou ao cargo em 2014, depois de passar 11 anos como premiê. Em 2016, após uma tentativa de golpe, expurgou opositores nas Forças Armadas, Judiciário e na educação, e aumentou seus poderes por meio de um referendo Adem Altan.

Desde 2000 Vladimir Putin dá as cartas na política russa, ora como presidente, ora como premiê. Reeleito em 2018, terá ficado 25 anos no poder, período marcado pela prisão de opositores, repressão a protestos e violações de direitos humanos.

Logo após o primeiro turno, em entrevista à TV, o presidente eleito se disse escravo da Constituição. No pronunciamento da vitória, no domingo (28), estava com um exemplar da Carta sob a mão. Não se pode mesmo crer em sua disposição em respeitar os princípios democráticos? Ele só fez isso porque estava sendo acusado de preparar um regime autoritário. Era uma estratégia para não perder a fatia do eleitorado que poderia temer uma guinada autoritária.

Mas o que está na Carta é contraditório com o que o resto do discurso dele preconiza. Veja bem, quero crer que ele vá respeitar a Constituição. Mas há muitos fatores que levam a pensar que o projeto de sociedade e poder que o impulsiona rejeita a Constituição.

Não devemos nos fiar aos poucos acenos que ele deu à continuidade do regime. É preciso encarar de frente os outros 90% de sua retórica, suas redes, seus aliados, a produção intelectual destes.

Sou pessimista, mas acredito nos poderes moderadores. Se, por exemplo, a Folha conseguir sobreviver como instituição [no governo Bolsonaro], com a força de cobertura que tem, vai ser fundamental. Mas é preciso que haja outras instâncias agindo da mesma forma.

Que efeito a eleição de Bolsonaro pode ter sobre as relações entre Europa e Brasil? Em primeiro lugar, tenho a impressão de que a opinião pública e a imprensa europeias foram iludidas ao longo dos últimos dois anos pelo discurso majoritário da mídia brasileira, que não percebeu uma mudança na natureza do campo conservador, apesar dos alertas. Houve um atraso na compreensão desse fenômeno.

Não sei qual vai ser a distância que os aliados europeus do Brasil vão procurar tomar em relação ao governo Bolsonaro. Vai depender das ameaças e dos ataques aos direitos humanos e à liberdade de expressão. É isso que faz com que a diplomacia se mexa.

Nicolas Sarkozy, ex-presidente da França, afirmou dias atrás acreditar que a democracia brasileira seja mais forte do que se diz. Para ele, se o novo presidente se esquecesse de que seus simpatizantes não quiseram eleger um ditador, uma grande maioria saberia lembrá-lo disso. Também acho que a maioria da população brasileira preza o sistema democrático. Mas o passado nos mostra que as multidões que pedem o fim de ditaduras nem sempre vencem: muitas vezes, sua mobilização só conduz ao acirramento do autoritarismo.

Por exemplo, em 1964, ninguém imaginava nem a perpetuação dos militares no poder nem a formação de uma verdadeira ditadura. A reação popular veio em 1968, com as mobilizações estudantis transformadas em contestação do regime. A isso sucederam o AI-5 e os anos de chumbo.

O ex-presidente da França Nicolas Sarkozy 

E como entidades de governança global como as Nações Unidas vão lidar com o novo presidente? O Comitê de Direitos Humanos da ONU já mostrou que tem um entendimento da evolução do processo político brasileiro diferente da narrativa dominante [durante a campanha eleitoral, o colegiado recomendou em duas ocasiões que o Estado brasileiro garantisse a Lula o direito de concorrer à Presidência]. 

Como um todo, as Nações Unidas são uma instituição que costuma atentar para o respeito à ordem democrática e aos direitos humanos, ainda que seu poder de fogo seja limitado. Por isso, espero que exerça papel importante, apesar de ser desprezada pelo novo Executivo federal.

A ONG Human Rights Watch já se declarou preocupada com a eleição de Bolsonaro e disse que irá monitorar de perto seu governo. Faz parte do grupo de organizações que compreenderam o que estava acontecendo bem antes de uma parcela da imprensa e da classe política brasileiras.

Mas muita gente não se deu conta de que o regime atual morreu na noite do domingo passado. Nos livros de história, vamos escrever: Nova República, 1985-2018.


RAIO-X

Maud Chirio, 37, é historiadora francesa, dá aulas na Universidade de Paris Leste Marne La Vallée. Doutora em história contemporânea pela Universidade Paris I (Sorbonne), publicou "A Política nos Quartéis - Revoltas e Protestos de Oficiais na Ditadura Militar Brasileira" no Brasil pela editora Zahar. O livro, de 2012, é baseado em sua tese de doutorado.




sexta-feira, 2 de novembro de 2018

CANÇÃO DO UNIVERSO


☜♡☞...CANÇÃO DO UNIVERSO...☜♡☞
LINDO 





COMO É SER MÃE DE UM SOCIOPATA QUE MATOU A IRMÃ AOS 13 ANOS?



"Meu filho de 13 anos esfaqueou a irmã, de 4 anos, até a morte". Como lidar com uma tragédia dessas? Como uma mãe pode entender que seu filho é sociopata? E o amor incondicional ainda pode ser possível em uma situação tão terrível?





Quando Charity Lee (mãe) tinha seis anos de idade, sua mãe atirou e matou seu pai em casa, no Texas (EUA), e mais tarde foi absolvida. Quando adolescente, Charity era boa aluna e atleta, mas desenvolveu problemas de saúde mental e se tornou viciada em drogas.

Quando ela tinha 18 anos, pediu ajuda e conseguiu parar. Foi então para a universidade estudar Ecologia Humana –analisando como as pessoas reagem ao ambiente. “Desde que me entendo por gente, sou fascinada com o ‘porquê de as pessoas fazerem o que fazem'”, diz

Mas isso não é apenas objeto de estudo, e sim algo com que ela convive todos os dias. Por causa de seu filho Paris. Quando tinha 13 anos, o adolescente esfaqueou a irmã de quatro anos, Ella, até a morte. Ele está preso há 11 anos e pode ficar na cadeia até os 50 anos de idade.

Mas como lidar com uma tragédia como essas? Como uma mãe pode entender que seu filho é sociopata? E o amor incondicional ainda pode ser possível em uma situação tão terrível?

O início dessa história
Quando estava na faculdade, Charity descobriu que ficar sóbria não era fácil. “Eu estava infeliz. Todo mundo ficava me dizendo ‘Se você ficar sóbria, a vida vai ser muito melhor’. E ela não era, não era de jeito nenhum! Porque toda a dor que eu estava encobrindo com as drogas estava saindo para a superfície.”

Depois de ficar “limpa” e infeliz por quase um ano, Charity se deu três meses para tomar uma decisão. “Eu sei que isso é um pensamento adolescente, mas decidi que, se não estivesse feliz até lá, acabou. Já chega de viver essa vida.”

Então Charity descobriu que estava grávida, “e isso mudou tudo”.

“Acho que nunca amei alguém tão intensamente quanto aquela criança crescendo em mim.” Charity batizou o bebê com o nome do mitológico príncipe grego Paris. As coisas não se tornaram perfeitas da noite para o dia, mas ser mãe a motivou a viver uma vida melhor – por seu filho.

Nove anos depois, ela engravidou novamente. Desta vez teve uma menina, Ella. Ella também era um bebê que não dava muito trabalho. “A maior diferença entre eles era que Paris era mais introvertido e tímido, enquanto Ella era uma pimentinha, muito agitada! Era extrovertida, teimosa e determinada.”

Eles dois se davam bem. “Paris parecia realmente amar muito Ella. E Ella adorava Paris.”

Sem motivo para preocupação
“Paris era um bom menino, era muito calmo a maior parte do tempo. Tinha seus momentos, como toda criança, mas não posso dizer que fosse algo que me causasse grande preocupação.” Charity é categórica sobre nunca ter se preocupado em relação a ele naquela época.

“Quero dizer, olhando para trás, algumas coisas que ele fez podem ter sido sinais de alerta, mas no momento em que acontecem você pensa: ‘Tudo bem, isso é coisa de criança’.” Mas nem tudo era um mar de rosas.

Charity tinha conseguido se manter longe das drogas por muitos anos, mas não estava livre das garras do vício. Por um período de seis meses, ela teve uma recaída com cocaína quando Paris estava com 12 anos e Ella, com três.

“Foi um período realmente muito difícil. Eu não deixava de cuidar das crianças, mas obviamente estava tendo problemas e estava alterada. Paris assumiu a responsabilidade e cuidou mais de Ella.” Charity diz que ainda estava funcionando como mãe, mas era difícil para o filho perceber que os pais são “falíveis, humanos e cometem erros”.

“Acho que foi muito devastador para Paris.” Enquanto a filha tentava consolá-la com um abraço, “ele ficava muito zangado comigo”.

Tempos difíceis
As crianças pareciam se dar bem, mas um incidente na fazenda da mãe de Charity mostrou um lado diferente de Paris. Ele e a irmã estavam brincando do lado de fora com uma parente e tiveram uma discussão boba, que acabou se agravando.

Enquanto Charity acalmava as garotas, Paris pegou uma faca na cozinha e fugiu. Quando ela o encontrou, ele estava agitado, irritado, soluçando e fazendo ameaças. “A reação dele foi completamente desproporcional… ele disse que ia se machucar se eu me aproximasse.”

Ele ficou no hospital por mais de uma semana, mas nenhum médico disse o que poderia haver de errado com ele. Então Charity o levou para casa.

“Muita gente pode dizer: ‘Isso era um indicativo de que ele estava fadado a ser violento’, mas não era assim que eu via na época. Eu sabia que Paris estava chateado com a minha recaída e com o que eu tinha feito com a nossa família.” Charity ficou “limpa” novamente e a vida voltou ao normal. O ano era 2005.

4 de fevereiro de 2007
“Eu não posso negar que esse fim de semana foi estressante”. Houve discussões. Charity havia voltando a estudar e estava trabalhando meio período como garçonete. Assim, passava menos tempo em casa.

Quando ela saiu para o trabalho naquele dia, o clima em casa estava tenso – mas não é incomum para um adolescente ficar irritado com os pais.

Charity se lembra de ter se despedido das crianças quando a babá chegou.

“Ella era uma criança muito tranquila, não tinha nenhum tipo de ansiedade com separação, mas naquele dia em particular ficou dizendo: ‘Só mais um abraço, mamãe, só mais um beijo’. Ela disse isso várias vezes, e eu estava atrasada para o trabalho.”

Charity também deu um abraço em Paris e disse a ele: “Você sabe que eu te amo. Nós passamos por coisas bem piores que isso e vamos superar isso também”. Ela então saiu para trabalhar.

“Pouco depois da meia-noite, quando estávamos fechando o restaurante, a polícia veio até a porta e disse: ‘Charity, precisamos conversar com você. Sua filha foi ferida’.”

Os agentes disseram que ela estava em casa, mas Charity não entendia por que não a tinham levado ao hospital se ela estava ferida.

Então um deles disse: “Ella está morta”.

“Aquilo foi praticamente o fim da vida como eu conhecia”, lembra Charity. Ela desmaiou. Quando acordou, perguntou: “Onde está Paris? Ele está bem?”

“Sim, ele está bem. Ele está conosco.”

“O que você quer dizer com ‘ele está com vocês?'”

E foi quando contaram a ela – Paris havia matado a irmã. “E aí tudo parou de fazer sentido.”

O que aconteceu naquele dia
Paris tinha convencido a babá a ir para casa antes do retorno da mãe. Ele então entrou no quarto de Ella, bateu nela, a sufocou e a feriu 17 vezes com uma faca de cozinha. Paris então ligou para um amigo e conversou com ele durante seis minutos antes de telefonar para o 911, o número de emergência local.

Eles ensinaram como deveria fazer os primeiros socorros na irmã e ele disse que estava tentando. Mas evidências posteriores mostraram que ele não fez qualquer tentativa de ressuscitar Ella.

“Eu digo às pessoas que, quando ouvi que Ella estava morta, me quebrei em um bilhão de pedaços”, diz Charity.

“Quando descobri que havia sido Paris… foi como se alguém tivesse pegado esses pedaços e quebrado tudo de novo.”

No final daquela noite, Charity se sentiu destruída. “Eu não achava que conseguiria me recompor, sabe? Eu só queria morrer… Mas eu não podia. Eu tinha Paris.”

‘O que você vai fazer agora?
No dia seguinte, Charity foi ver Paris. “Ele não disse nada no início.”

“Eu estava destruída. Não conseguia me acalmar, mas quando finalmente me deixaram naquela sala, a primeira coisa que senti foi: ‘Estou tão feliz de ver meu filho'”.

“Eu simplesmente abracei ele, com tudo o que eu tinha. Eu estava chorando, sentindo ele. Eu precisava saber que ele estava realmente lá, que estava bem…mas então comecei a perceber que ele não estava me abraçando de volta “.

“Ele não estava demonstrando sentimento.” Charity diz que ele parecia estar apenas com o corpo presente.

Ela deu um passo para trás e olhou para ele: “Eu não vi nada lá. Na cara dele, nos olhos… nada!”

“Nós nos sentamos, ele me olhou e disse: ‘O que você vai fazer agora?'”

“O que você quer dizer?”, perguntou Charity.

“Você sempre dizia que se alguém machucasse seus filhos você seria capaz de matar essa pessoa — então o que você vai fazer agora?”, perguntou ele.

“Ele não estava me perguntando como se estivesse com medo. Era como se estivesse me desafiando.”

“Foi a primeira vez que vi que havia alguma coisa a mais em Paris. Eu sabia que ele tinha raiva, mas aquilo não era apenas raiva. Aquilo era sombrio.”

Amor incondicional
Paris havia dito à polícia que estava dormindo, acordou e viu que Ella era um demônio em chamas. Então ele pegou uma faca e tentou matar o “demônio”.

Nos primeiros três meses, Charity realmente queria acreditar em Paris. Ela queria acreditar que o filho estava doente. “E ele estava, mas eu queria acreditar que ele estava doente de um jeito diferente.”

“Eu olhei para ele e disse: ‘Eu prometo a você agora a mesma coisa que prometi no dia em que você nasceu. Eu realmente não sei como ser sua mãe, mas serei sua mãe da melhor forma que puder e vou te amar não importa o que aconteça.”

“Eu queria que Paris soubesse que meu amor era incondicional.” O garoto não esboçou reação durante muito tempo. E, quando reagiu, foi assustador.

Conhecendo o verdadeiro Paris
“Depois que Paris cometeu o assassinato, ele decidiu tirar a máscara. Ele não estava mais fingindo que essa parte dele não existia. Ele abraçou seu lado obscuro.”

O comportamento dele se transformou depois que foi preso. Ele se tornou mais violento, e novas evidências foram descobertas: seu perturbador histórico de buscas na internet e os detalhes horríveis de como matou Ella.

Em 2007, Paris recebeu uma sentença de 40 anos de prisão pelo assassinato, e Charity aceitou que aquilo não havia sido um acidente ou o resultado de uma psicose temporária — o jovem realmente quis matar a irmã.

Os pensamentos de Charity foram de “meu Deus, quem é essa criança?” até perceber “quem ele realmente era, que ele era 100% capaz de fazer o que fez. Eu acho que chorei sem parar durante meses”.

Ela perdeu 15kg em 13 dias, desenvolveu gagueira…ficou arrasada.

Charity se lembra de quando conversou com o filho durante uma visita e implorou a ele: “Paris, me faça entender. Estou tentando tanto entender, para poder te ajudar”.

Mas, em vez de falar, “ele simplesmente me olhou e começou a rir. Foi uma risada realmente maldosa. E depois ele disse: ‘Você sabe mãe, todos vocês sabem, você foi muito estúpida. Todos esses anos, todos me achando inteligente, bonito e artístico… vocês estavam todos errados’.

“Ele não era mais Paris.”

Por que Charity ainda visita o filho
Muitos amigos disseram a Charity que não conseguiam entender por que ou como ela ainda visitava Paris, “mas eu nunca, nunca, deixei de amar meu filho”.

Havia passado nove meses desde o assassinato de Ella até o momento em que Paris foi condenado. “Essa é provavelmente a experiência mais surreal e desconexa pela qual passei na minha vida. É mais dolorosa do que qualquer coisa que eu já vivi depois que me tornei adulta”.

Quando Charity disse ao filho que seu amor era incondicional, ela o fez com convicção — mas isso não significa que não tivesse medo. Porque não era só o que Paris havia feito, mas o que tinha planejado fazer: matá-la também.

“Parte da razão de ele ter me deixado viver é que, depois que matou Ella, percebeu que eu sofreria mais se ficasse viva.”

“Se ele me matasse, eu sofreria por 15 ou 20 minutos. Mas depois tudo estaria acabado, eu ainda estaria com Ella e ele estaria sozinho.” Charity sabe de tudo isso, porque ouviu do próprio Paris quando ele completou 15 anos.

PARIS NA PRISÃO 

Sendo julgada
Não foi só com o medo que passou a sentir do filho que Charity teve de lidar. Ela também teve que enfrentar julgamentos da sociedade: “Quando uma criança faz algo horrível, a mãe é sempre culpada”. Charity recebeu muitas palavras duras, insultos e ameaças de alguns de seus amigos e de conhecidos.

Ela não se esquece do dia em que foi abordada no supermercado e ouviu: “Você é a mulher que criou aquele menino que assassinou a irmã”.

Charity já culpou a si mesma? “Sim e não. Sei que minha recaída contribuiu para deixar Paris com raiva. Mas também acredito fortemente que grande parte do que motiva sua personalidade é genética.”

Mas ela não o absolve da culpa:

“Eu ainda acredito que ele poderia ter feito uma escolha diferente. Todos nós temos a capacidade de fazer escolhas diferentes. Teria sido outra coisa se Paris sofresse de esquizofrenia ou de um terrível transtorno e tivesse sido verdadeiramente incapaz de fazer uma escolha diferente ou melhor”.

“Mas esse não é o tipo de transtorno que ele tem: ele é muito frio, muito calculista, muito inteligente…(matar a irmã) não foi uma decisão por impulso. Ele me disse que escolheu conscientemente Ella porque sabia que isso causaria um dano maior.”

“O garoto é um sociopata, sem dúvida.”

Uma gaveta vazia
Sociopata é o termo usado para designar pessoas com uma forma extrema de transtorno de personalidade antissocial.

Não se sabe ao certo por que algumas pessoas desenvolvem esse transtorno, mas acredita-se que tanto a genética quanto experiências traumáticas da infância contribuam.

Este é um diagnóstico que Paris continuou recebendo. Mas levou uns bons três anos até Charity conseguir aceitá-lo.

“Os elementos mais marcantes (que vejo) são o desprezo pelas normas e regras sociais e uma completa falta de remorso – eles não são fisiologicamente capazes de sentir os instintos ou reações que a maioria de nós tem. Todas as suas emoções são extremamente superficiais”, descreve ela.

“E então você junta isso com narcisismo. Isso torna a pessoa extremamente desagradável a maior parte do tempo.”

“Ele diz: ‘Eu sei que em algum lugar dentro de mim deve haver uma gaveta que eu posso abrir; e toda a culpa, remorso e angústia sobre o que fiz com Ella deveria estar lá. Mas quando eu abro a gaveta, não tem nada lá dentro. Eu apenas esqueci’. Ele simplesmente não sente isso”.
Mas como é ser mãe de um sociopata?
“Quando você aceita algo, você ganha uma sensação de serenidade. Eu não estou totalmente em paz com o fato de meu filho ser um sociopata, mas parei de lutar contra essa ideia.”

“Em vez de fazer isso, eu me concentro mais na ideia de que sei quem eu sou. Eu sei que não criei meu filho desse jeito, mas não vou dar as costas a ele por ele ser do jeito que é.”

Para ajudar os outros a entenderem, Charity usa a mesma analogia que a ajudou a lidar com a condição do filho. “Paris é um predador, completamente”, como um tubarão, diz ela.

“Se eu sou um surfista na prancha e um tubarão morde minha perna, eu vou me machucar e minha vida nunca mais será a mesma. Mas eu não vou passar o resto da minha vida odiando o tubarão por ser um tubarão.”

Renascendo das cinzas
Esse pensamento também ajudou Charity a seguir em frente. “Tudo o que eu posso fazer agora é lidar com o tubarão com muito cuidado e ensinar outras pessoas sobre os tubarões.”

Charity criou uma fundação chamada ELLA, onde as letras do nome da filha também significam, em inglês, Empatia, Amor, Lições e Ação.

A ELLA Foundation (charity@ellafound.org) tem como objetivo ajudar vítimas de crimes violentos, bem como aqueles afetados por doenças mentais ou pelo sistema criminal.

Em 2013, seis anos após o assassinato de Ella, Charity teve outro filho.

Um menino que ela chamou de Phoenix, porque “a fênix renasce das cinzas de sua própria destruição. Eu achei que seria perfeito”.

“O que aconteceu com Paris, Ella e eu, não é tudo o que eu sou. Agora eu tenho uma vida com Phoenix, e eu amo a vida de novo.”

Paris ainda está na prisão no Texas e tem quase 25 anos de idade. Ele pode ser libertado em 2047, quando terá 50 anos.

Charity continuou visitando e conversando com ele ao telefone, mas sua futura liberação causa apreensão.

“Eu não gosto da ideia, mas principalmente por causa do medo. Ele não vai mudar. Ele não mudou muito desde os 13 anos de idade.”

Ela está preocupada com a segurança de Phoenix.

“Espero que Paris tenha que cumprir o máximo possível de sua sentença, porque quero garantir que Phoenix tenha o máximo de tempo possível – e a capacidade de crescer o mais forte possível – considerando a possibilidade, mesmo se remota, de Paris pensar em fazer algo assim com a gente novamente”.

BBC World News
Charity Lee foi entrevistada por Emily Webb para o programa de rádio Outlook, da BBC World Service.


História trágica da família virou documentário:

https://youtu.be/1OfzdJ0vZX8