Até pouco tempo, o órgão sexual feminino permanecia relativamente desconhecido mesmo entre médicos e cientistas. Mas agora isso felizmente começou a mudar, e você não vai querer ficar de fora – sem duplo sentido
O nome dela é proibido. O cheiro é um tabu. Existem mulheres que nunca tiveram coragem de encará-la nem com um espelhinho. Ela foi cientificamente ignorada por anos, teve suas características únicas minimizadas e foi tratada como um pênis que não deu certo — ou que estava de cabeça para baixo.
Mas (antes tarde do que nunca!) a vagina parece finalmente estar ganhando a atenção que merece. A genitália feminina, na prática muito mais “polêmica” que os famigerados mamilos, tornou-se objeto de pesquisa de diversas áreas da ciência.
Hoje, já se sabe que o clitóris tem 8 mil terminações nervosas (4 mil a mais que o pênis), que pelo menos 50 espécies de microrganismos habitam o canal vaginal e que existe uma ligação concreta entre o cérebro e vagina.
Apesar disso tudo, grande parte das mulheres ainda é incapaz de nomear as estruturas que compõem seu sistema reprodutor. Em uma pesquisa feita no Reino Unido, metade das entrevistadas não soube apontar a localização da vagina em um diagrama simples (antes de julgá-las, faça o teste abaixo).
A maioria também prefere recorrer a apelidos quando precisa se referir a ela, e muitas não se sentem confortáveis nem para conversar com os próprios médicos.
Mas GALILEU não vê motivo nenhum para constrangimento. E, depois de ler toda essa reportagem, você muito provavelmente não verá também.
DE CABEÇA PARA BAIXO
A vagina não é o equivalente feminino do pênis — e isso só foi descoberto há pouquíssimo tempo
Até o século 18, ainda acreditava-se que existia apenas um gênero. A ideia foi concebida originalmente pelo médico Galeno de Pérgamo, uma espécie de Dr. House do Império Romano. Galeno dizia que a vagina era um pênis invertido: os lábios equivaleriam ao prepúcio, o útero ao saco escrotal e os ovários, aos testículos. Para piorar, os nomes relativos ao sistema reprodutor feminino que você acabou de ler nem existiam até o século 17.
E foi apenas em 2009 (!) que um estudo publicado no The Journal of Sexual Medicine decretou oficialmente que o equivalente do pênis é o clitóris, e não a vagina. É que, no início da formação dos bebês, os dois órgãos são idênticos, vindos do mesmo tubérculo e formados pelo mesmo tecido — só mais tarde é que eles se diferenciam.
[ERRO DE CÁLCULO: Cientistas buscavam entender o desejo feminino medindo a quantidade de lubrificação na vagina — só depois descobriu-se que a excitação deveria ser medida pela ereção do clitóris]
ESPELHO, ESPELHO MEU
Existe alguma parte do corpo mais desconhecida do que eu? Boa parte das mulheres não têm intimidade com a própria vagina. Um estudo feito pela ONG britânica The Eve Appeal, que trabalha a conscientização sobre os diferentes tipos de câncer do sistema reprodutivo, pediu para que mil mulheres apontassem em um desenho típico de livro de biologia onde ficava sua vagina — e as respostas foram surpreendentes.
Entre as mulheres de 26 a 35 anos, metade não sabia apontar o lugar certo.
“A falta de conhecimento do nosso aparelho genital se dá pela criação cristã de repressão do que é feminino. Sem contar que não somos encorajadas a nos olhar no espelho e, quando olhamos, nos fazem acreditar que a vulva é feia, o que não é verdade”, diz a especialista em obstetrícia e ginecologia Ana Thais Vargas.
E essa falta de intimidade com o próprio corpo tem consequências perigosas: a mesma pesquisa mostrou que um terço das mulheres não vai ao ginecologista para evitar constrangimento, e mesmo as que vão têm dificuldade de conversar com o médico.
PRAZER, VULVA
É isso que todas as mulheres veriam se ficassem de frente para um espelho. Quantas partes você é capaz de nomear?
O PRAZER É TODO SEU
O clitóris, órgão responsável pela maioria dos orgasmos femininos, teve de trabalhar duro (risos) para ter sua existência reconhecida pela ciência
O clitóris foi “descoberto” quatro vezes por cientistas diferentes até ser incluído de vez na literatura médica (os pesquisadores responsáveis pelas primeiras três tentativas tiveram seus trabalhos ignorados pela comunidade científica). Isso ajuda a explicar porque, durante a caça às bruxas, ele chegou a ser apontado como “a marca do diabo” e foi acusado de ser responsável pelo lesbianismo, pela cegueira e pelo desequilíbrio mental. Foi só na década de 1960 que o clitóris passou a ser encarado como parte importante da sexualidade feminina.
AQUELA CUJO NOME NÃO SE FALA - A vagina tem mais de 4 mil apelidos (des)conhecidos
O mesmo estudo que mostrou que boa parte das mulheres não sabe identificar a própria vagina em um diagrama também apontou que 40% das moças que têm entre 16 e 25 recorrem a apelidos para falar sobre seus órgãos genitais, e 65% delas não gostam de usar as palavras vagina e vulva.
Além dos nomes da lista abaixo, ainda há outros na linha do “engole-espada”, que coloca a vagina em uma posição de receptora do órgão masculino. “O fato de não nos tocarmos, de não sabermos onde as coisas ficam, de ser considerado feio ou deselegante que nossas mãos toquem a vulva, tudo isso reprime e impede o autoconhecimento”, explica a ginecologista Ana Thais Vargas.
[ENGOLE-ESPADA? Alguns apelidos são extremamente pejorativos e colocam a vagina em uma posição de receptora do órgão masculino]
DICIONÁRIO GALILEU
Alguns termos são mais famosos do que outros, mas todos são sinônimos de vagina
O MOVIMENTO É SENSUAL
Quando a mulher fica excitada, o clitóris apresenta uma ereção semelhante a do pênis — mas, como o orgasmo não é necessário para a fecundação, a ciência levou muito tempo para se dar conta disso
O pai da medicina, Hipócrates, acreditava que o clitóris desempenhava um papel importante na reprodução — segundo ele, a mulher só ficaria grávida se chegasse ao orgasmo. Foi apenas em 1875 que o biólogo belga Edouard Van Beneden descobriu a verdade sobre a fecundação e, involuntariamente, devolveu o clitóris ao ostracismo. Foi mais ou menos nessa época que Freud (sempre ele) resolveu também dar seu pitaco e afirmou que mulheres “maduras” conseguiam transferir o orgasmo do clitóris para a vagina e que o orgasmo clitoriano era infantil. Mas, felizmente, das trevas fez-se a luz e a ciência finalmente começou a entender como o clitóris realmente se comporta (veja abaixo).
[ABRE-TE, SÉSAMO: O diâmetro da vagina chega a triplicar de tamanho durante o sexo]
ESTICA E PUXA
O canal vaginal é capaz de expandir na excitação sexual e, durante o parto, ele pode chegar a até 10 cm
COPINHO MEIO CHEIO
Venda de coletores menstruais cresceu quase 1000% no Brasil
O coletor, apresentado como alternativa aos absorventes tradicionais, têm feito sucesso entre as brasileiras — a única fabricante nacional registrou um aumento de 938% nas vendas em doze meses. “O copo só coleta o sangue, enquanto o absorvente também leva o muco e a lubrificação das paredes vaginais, deixando a mucosa exposta a infecções”, explica Vargas.
PERFUMARIA
A vagina possui a segunda maior concentração de bactérias do corpo — e não é necessário comprar sabonete ou desodorante íntimo por causa disso
Uma vagina saudável só não tem mais bactérias que o cólon — elas se aproveitam da secreção produzida pelas glândulas cervicais e pelas paredes vaginais para se multiplicar e impedir que doenças se instalem na região.
“Todas as secreções do corpo têm cheiro e com a vagina não é diferente. Ter nosso cheiro característico não é errado”, explica Vargas.
Mesmo assim, as prateleiras das farmácias estão cheias de opções de sabonetes e desodorantes vaginais. “A flora vaginal trabalha balanceando o pH em busca de equilíbrio, para evitar que agentes maléficos causem doenças. As bactérias não precisam da ‘ajuda’ de agentes externos para manter esse equilíbrio, como o uso de sabonetes — específicos ou não — na vulva. Alguns são inclusive prejudiciais porque matam não somente os agentes ruins, mas também bactérias importantes e necessárias”, explica Mariane Menezes, professora do curso de Obstetrícia da USP.
BELEZA É OPCIONAL
Quantidade de procedimentos cirúrgicos puramente estéticos cresceu quase 50% nos Estados Unidos em apenas um ano. A chamada cirurgia íntima, em que a aparência da vagina é “corrigida”, tem ganhado cada vez mais adeptas — mas a operação não é tão simples. “A questão mais complicada é que muitas vezes o suprimento sanguíneo e a inervação são alterados, podendo mudar a sensibilidade local e trazer consequências para a vida sexual”, diz a ginecologista Heloisa Brudniewski.
MUTILAÇÃO
Em muitos países, é comum submeter as mulheres a uma série de cirurgias para privá-las de sentir prazer. Mais de 100 milhões de mulheres já foram submetidas a um dos três procedimentos classificados pela ONU como mutilação genital: a clitoridectomia, que é a remoção parcial ou total do clitóris; a excisão, que também remove total ou parcialmente os pequenos e grandes lábios; e a infibulação, o estreitamento do canal vaginal com ou sem remoção clitoriana. A justificativa dessa prática, para além de questões religiosas e ritualísticas, é reduzir o desejo sexual feminino e garantir que a virgindade, pré-requisito para o casamento, seja mantida.
Países como Mali, Guiné, Serra Leoa, Sudão, Egito, Eritreia e Somália têm índices de mutilação acima de 80% (veja ao lado), apesar do procedimento ser apontado como uma violação dos Direitos Humanos. A prática também existe em alguns locais da Europa e Reino Unido. No Brasil não há esta cultura - graças a Deus!
As consequências dessa mutilação vão muito além da perda do prazer sexual. Um estudo da ONU – realizado com mais de 28 mil mulheres – aponta que a retirada do clitóris pode causar complicações graves durante o parto e colocar os bebês em risco.
LIGAÇÃO DIRETA
O cérebro e a vagina estão tão conectados que alguns pesquisadores os consideram parte de um mesmo sistema. Até 2008 ainda não se sabia como o cérebro reagia aos estímulos vaginais e clitorianos. Foi quando a equipe de Barry Komisaruk, da Universidade Rutgers, em Newark (EUA), finalmente usou imagens de ressonância magnética para mapear a atividade cerebral de mulheres voluntárias enquanto elas se masturbavam. Dois anos depois, a escritora feminista Naomi Wolf lançou o livro Vagina – Uma Biografia, em que descreve com mais detalhes a conexão entre o cérebro e o órgão sexual feminino (veja abaixo). Para a autora, os hormônios liberados durante o sexo e a masturbação contribuiriam com a autoconfiança e a criatividade das mulheres:
“Dada essa enxurrada química, é possível dizer que a vagina não é apenas um órgão sexual, mas um mediador poderoso de confiança e criatividade do sexo feminino”, disse Wolf em artigo publicado no jornal britânico The Guardian.
Segundo Wolf, isso explicaria por que durante milênios a sexualidade das mulheres foi reprimida:
“A liberação de dopamina também explica por que algumas culturas insistem na mutilação genital, uma prática que, agora nós sabemos, altera não apenas o corpo e a atividade sexual, mas também influencia no próprio cérebro feminino.”
DIRETO DA FÁBRICA
Uma condição conhecida como Síndrome de MRKH faz com que a vagina não complete seu desenvolvimento. Para reverter o quadro, cientistas estão produzindo tecido vaginal em laboratório por meio das células de cada paciente. Quatro mulheres já se submeteram ao procedimento.
O CÉREBRO E A PINKY
Entenda como o estímulo na genitália resulta na liberação de hormônios
A região genital contém um grande número de terminações nervosas, conectadas a nervos maiores que enviam impulsos ao cérebro. Esses impulsos ativam uma região cerebral conhecida como circuito de recompensa, que envolve, entre outras áreas, a amígdala, o núcleo accumbens e a glândula pituitária. A amígdala é responsável pelo controle das emoções, o núcleo accumbens controla a liberação de dopamina e a glândula pituitária é encarregada da liberação de outro hormônio, a oxitocina. Segundo Naomi Wolf, a dopamina seria o hormônio mais “feminista” de todos, porque incentiva a autoconfiança. Já a oxitocina cria a impressão de intimidade, e os opióides dão a sensação de transcendência.
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Fonte: http://revistagalileu.globo.com/Revista/noticia/2015/12/vagina-como-ela-e.html
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