O tempo se arrastava quando ela era criança. Viveu algumas vidas até completar a idade de todos os dedos de uma mão, viveu muitas vidas até completar duas mãos cheias de tempo. As férias demoravam a chegar e o final de semana aparecia a cada eternidade. Não entendia por que as férias de julho demoravam muito e as férias de dezembro demoravam para sempre. O bolo ficava dias para assar, passava décadas com a professora num mesmo ano letivo e o olhar daquele menino arteiro da sala nunca lhe chegava.
Nunca e para sempre duravam uma semana. Só que não era uma semana como é pra você, adulto que está lendo. Uma semana de criança é realmente muito tempo. Ela brincava de ser adulta e fazia todos os seus planos de vida. Moraria sozinha aos 18, aos 20 ganharia muito dinheiro e teria uma empregada para limpar a casa e cozinhar, aos 21 se casaria com um homem maravilhoso e apaixonado por ela, aos 23 teria um casal de lindos filhos gêmeos. Os planos só iam até aí, porque depois ela estaria ocupada demais sendo feliz para sempre.
Enquanto isso, brincava de dar aulas para bonecas, de ser mãe, de ser princesa e até punha as barbies para a iniciação sexual. "Isso não é conversa para criança, quando você for adulta entenderá". Mas poxa, eu tava entendendo a conversa até me mandarem saí de lá. Juro que eu estava entendendo. O pai está sem dinheiro, a mãe está triste com a sua profissão, a vizinha soube que o marido tem um caso com a secretária.
Será que eles pensam que sou burra? Quando vou poder morar sozinha? Quando poderei ganhar dinheiro? Quando poderei participar das conversas dos adultos? Quando serei feliz para sempre?
"Aproveite a infância, menina, depois dos 15, a vida passa voando". "Quando eu era pequena era magra como você", diziam várias tias gordas. Será que um dia acordarei gorda como elas? Ficou maior de idade e ainda não morava sozinha. Fez 20 anos e ainda não tinha seu próprio dinheiro. Completou 25 anos de idade e não encontrara o seu príncipe encantado para casar. Aos 30 começou a se achar parecida com a tia gorda.
Definitivamente não era a vida que ela havia planejado para si. Não era uma mulher feliz, mas também não era infeliz, o que é ainda pior. Trabalhava, estudava, namorava e achava a vida insossa. Parecia que o tempo sempre corria mais do que ela. Ele ia à frente, e ela, esbaforida, corria atrás de um tempo que sempre lhe parecia perdido.
Sentia saudades da eternidade dos dias da infância. Sentia raiva da esperança infantil que não lhe abandonava. Um dia um homem com cara de arteiro lhe olhou. E aquele olhar durou para sempre. Dois segundos depois ela saiu do olhar dele renovada. E foi com um olhar que a mulher descobriu que para sempre é intensidade, e não tempo. Achou a infância dentro de si e foi ser feliz para sempre. Até o instante seguinte.
Sobre a autora: Ana Suy Sesarino Kuss é psicanalista, professora universitária, escritora e mora em Curitiba.
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