Pesquisas indicam que o fim do ano é um dos momentos da vida de maior irritação
O corpo da funcionária pública federal Josy de Oliveira começou a avisá-la sobre a aproximação do fim de 2015 na última segunda-feira. As tonteiras e dores de cabeça não deixaram dúvida: o estresse tão familiar a ela nessa época do ano batia à porta. Quando Josy era criança, o Natal era mágico, como ela mesmo define, mas, depois que viu seus pais se separarem, aos 15 anos, esse período passou a ser associado a momentos de puro estresse. O divórcio foi a primeira grande mudança de vida à qual ela teve que se adaptar e, desde que sua irmã caçula morreu, há dois anos, tudo piorou.
— A separação dos meus pais foi traumática. Eles eram muito passionais, não deixavam por menos. Aquele que não passava a festa de Natal comigo e com meus irmãos fazia um drama. Até hoje, para mim, essa época é um caos sentimental. Parece que as pessoas, em geral, ficam mais tristes do que se divertem, mas tem sempre aquele clima solene de harmonia — conta Josy, hoje aos 55 anos. — Amo meus amigos e minha família e os acarinho todos os dias. Mas o mais angustiante é as pessoas, numa determinada época, terem a obrigação de parecerem felizes, amáveis, dar abraço forçado, ficar com aquela cara de paz.
E Josy não está sozinha. Quando começa dezembro e as luzes de Natal pipocam nas lojas, muitos brasileiros têm apenas uma certeza: eles vão se estressar. A carga de ansiedade e preocupação nessa época, dizem estudos, é maior do que em qualquer outro período do ano. Uma pesquisa realizada pela Isma-BR (Internacional Stress Management Association — Brasil) mostra que o nível de estresse do brasileiro sobe, em média, 75% em dezembro. Enquanto isso, um estudo da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) destaca que quase metade dos pacientes internados em UTI por doenças de fígado, coração, pulmão e estômago considera que o evento mais estressante do ano anterior ao problema de saúde foi, justamente, o Natal.
Os motivos para isso são variados. Entre eles, uma rotina intensa de preparativos para ceias e festas, a obrigação de comparecer a reuniões familiares, gastos excessivos com presentes, esforços para cumprir metas de trabalho e acadêmicas. E o “pior”: o temido balanço de fim de ano. É nessa época que as pessoas avaliam o que conquistaram e, não raro, dão mais destaque ao que não conquistaram.
— O estresse é uma resposta a mudanças, sejam elas negativas ou positivas. Uma gravidez ou uma promoção também podem desencadear essa resposta. E, no final do ano, é como se todos tivessem que, obrigatoriamente, encerrar um ciclo, o que é muito angustiante. Os sintomas mais comuns são irritabilidade, ansiedade e taquicardia, porque se percebe que o ano não foi como o esperado — afirma a psicóloga e coordenadora do Núcleo de Gerenciamento de Estresse e Qualidade de Vida da Unifesp, Denise Pará Diniz.
Atualmente, a pesquisadora trabalha em um estudo sobre como eventos estressantes de fim de ano estão associados a sintomas de ansiedade e até mesmo de depressão. Os resultados desta nova pesquisa só estarão disponíveis ano que vem, mas, pela experiência de Denise, esta época pode ser considerada uma das mais estressantes da vida. O estudo de pós-doutorado dela, concluído em 2012, revela que 47,8% das pessoas em terapias intensiva e semi-intensiva no Hospital São Paulo, ligado à Unifesp, e no Hospital dos Servidores do Estado destacaram o Natal como o evento que lhes trouxe mais estresse antes de serem internados.
— Por análise estatística, também consegui ver que, quanto mais velha a pessoa é, maior a chance de ela perceber o Natal como estressante. Isso também ocorre com quem pertence às classes econômicas A e B. Esses dois fatores, o da idade e da renda mais alta, fazem com que o risco de vivenciar esse tipo de estresse dobre — conclui Denise. — Acredito que as reuniões familiares tenham impacto grande nisso: além de trazerem, por si só, uma mudança na rotina das pessoas, oferecem mais possibilidade de surgirem questões afetivas a serem resolvidas, que talvez tivessem sido ignoradas ao longo do ano.
SENTIMENTO DE PERDA
Membro da Associação Brasileira de Psiquiatria, a médica Alexandrina Meleiro ressalta que o peso das perdas importantes no ano será sentido com mais força apenas neste período.
— A constatação da ausência de uma pessoa querida é feita, de fato, em dezembro. A pessoa pode ter morrido ou ido embora em agosto, mas é no Natal que vem o sentimento de perda. O mesmo vale para quem se divorciou, para quem se mudou para longe de casa. É uma espécie de frustração passar o Natal de forma diferente da que se imaginava — afirma Alexandrina, que é doutora em Psiquiatria pela Universidade de São Paulo (USP). — Já tratei pessoas que se anestesiam para não perceber a noite de Natal.
A psiquiatra diz, ainda, que o estresse oriundo desse período de festas pode aumentar o nível de pressão arterial e de glicemia, além de provocar dores pelo corpo e queda de cabelo. E, como cereja do bolo, este ano traz a crise econômica, um ingrediente a mais que pode aumentar a frequência desses sintomas. Por causa dela, há ainda muitas pessoas desempregadas.
— Não podemos dizer que, por conta da crise no país, viveremos um final de ano necessariamente mais estressante do que em 2014, por exemplo. Mas essa época naturalmente carrega fatores de estresse, e a crise deve sobrecarregar isso — explica Alexandrina.
CONTROLE DE EXPECTATIVAS
Resiliência e equilíbrio são consideradas as duas palavras-chave para enfrentar esse período sem excesso de estresse. A primeira qualidade tem a ver com a capacidade de se recuperar após acontecimentos negativos, e a segunda, com a habilidade de ser realista e se manter tranquilo.
— O ideal é que as pessoas diminuam o nível de exigência e expectativa com elas mesmas e que, quando possível, não determinem prazos para bater metas. Muitas vezes, o prazo só faz aumentar a angústia — aconselha Alexandrina. — É importante perceber que, apesar das dificuldades, temos perspectivas. Não se muda o passado, mas o futuro está sempre em aberto.
A psiquiatra também é taxativa: a organização ao longo do ano é essencial. Se o sonho é uma grande viagem, por exemplo, a estratégia financeira não pode começar apenas nos últimos meses. Neste caso, a probabilidade de se frustrar ao não conseguir fazer a viagem, ou de fazê-la mas às custas de contrair uma cara dívida, é maior.
— É preciso adquirir o hábito de se organizar o ano inteiro para atingir suas metas. Os objetivos não serão alcançados apenas em dezembro, mas ao longo de 12 meses — recomenda Alexandrina
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