Escola Estadual de Willowbrook, em Nova York, Estados Unidos
Crianças internadas na Escola Estadual de Willowbrook, em Nova York, Estados Unidos, em uma fotografia de Bill Pier. Entre 1955 e 1970, a instituição sediou os chamados Experimentos de Willowbrook, um dos estudos científicos mais hediondos do pós-guerra. Milhares de crianças pobres e portadoras de transtornos mentais foram utilizadas como cobaias humanas e deliberadamente infectadas com hepatite, como parte de uma pesquisa secreta sobre a doença.
Localizada em Staten Island, na cidade de Nova York, a Escola Estadual de Willowbrook foi originalmente concebida como um internato para crianças com transtornos psiquiátricos. A construção teve início em 1938, mas foi interrompida após a eclosão da Segunda Guerra Mundial. Durante o conflito, o complexo, ainda inacabado, foi convertido em um hospital militar. A construção foi concluída em 1947. Contrariando a pretensão do governo estadunidense de repassar o edifício para uso do Departamento de Assuntos de Veteranos, o governador de Nova York, Thomas Dewey, insistiu em retomar o projeto original e utilizar o complexo para recolher "milhares de crianças mentalmente deficientes que nunca poderão fazer parte da sociedade".
Apesar da sua denominação, Willowbrook jamais funcionou como uma escola. A instituição não contava com projeto ou estrutura pedagógica e não havia professores em seus quadros. As aulas eram ministradas de forma irregular por estudantes voluntários e eram restritas, na melhor das hipóteses, a duas horas por dia. Willowbrook funcionava na prática como um depósito para crianças tidas como "indesejáveis", refletindo a política higienista do governo estadunidense que seguiu em curso no pós-guerra, mesmo após a revelação dos horrores praticados pelos nazistas em nome da eugenia.
Desde a inauguração, os internos de Willowbrook sofriam com o abandono e negligência estatal. As péssimas condições de higiene e conservação das instalações favoreciam a disseminação de doenças. As taxas de letalidade eram muito elevadas e, não raramente, os funcionários levavam dias para recolher os corpos em decomposição. As crianças eram amontadas em alojamentos imundos, acorrentadas e submetidas a abusos físicos. Denúncias de violência sexual contra os internos também eram frequentes. Apesar disso, Willowbrook era a única instituição que oferecia "tratamento" gratuito para crianças portadoras de transtornos mentais no estado de Nova York, sendo, portanto, muito procurada pela população — sobretudo por famílias carentes, que não tinham condições de pagar por tratamentos particulares.
Projetada pra abrigar até 4.000 crianças, Willowbrook já contabilizava 6.000 internos pouco após sua inauguração, convertendo-se em uma das maiores colônias psiquiátricas dos Estados Unidos. Na década de cinquenta, as péssimas condições sanitárias da instituição resultaram em um grave surto de hepatite entre os internos. O surto chamou a atenção do médico Saul Krugman, pesquisador da Universidade de Nova York, que então se dedicava a estudar a hepatite e os efeitos da gama globulina no tratamento da moléstia. Krugman solicitou ao Conselho Epidemiológico das Forças Armadas dos Estados Unidos uma permissão para estudar o desenvolvimento de uma vacina contra a hepatite em Willowbrook, utilizando as crianças como cobaias. O governo estadunidense autorizou a pesquisa.
O estudo teve início em 1955, conduzido por Krugman e outros renomados cientistas estadunidenses — incluindo o virologista Robert McCollum, da Universidade de Yale. Para obter o consentimento dos pais, os pesquisadores diziam que as crianças passariam por um procedimento preventivo, que impediria que elas desenvolvessem hepatite. Na década de sessenta, a instituição também vinculou a admissão de novos internos à autorização para que as crianças participassem do experimento. Sem informações sobre a verdadeira natureza do estudo, as famílias concordavam em entregar os filhos para uso como cobaias.
Os pesquisadores queriam observar as diferenças na evolução da hepatite sérica e da hepatite infecciosa, bem como testar as hipóteses sobre o uso de anticorpos no combate à doença. Para isso, dividiram as crianças em dois grupos — o grupo experimental, composto por crianças que receberam anticorpos, e o grupo de controle, formado por crianças desprotegidas. Os pesquisadores infectaram propositalmente milhares de crianças com o vírus da hepatite B. As cepas do vírus eram inoculadas através de injeções ou oferecidas no lanche das crianças, misturadas ao leite com chocolate. As crianças infectadas não recebiam qualquer tipo de terapia, pois os médicos pretendiam observar os efeitos da progressão da doença. Como resultado do experimento, centenas de crianças morreram ou ficaram com sequelas graves.
As complicações e mortes de internos despertaram a desconfiança das famílias, que começaram a procurar a imprensa e autoridades públicas para saber o que estava ocorrendo em Willowbrook. Em 1965, após uma visita à instituição, o senador Robert Kennedy relatou que as crianças estavam "vivendo em meio à imundície e à sujeira, vestindo trapos, dormindo em quartos menos confortáveis do que as gaiolas dos animais do zoológico". Donna Stone, uma militante dos direitos da infância, obteve acesso à escola passando-se por uma assistente social e registrou uma série de abusos. A imprensa começou então a publicar reportagens versando sobre as péssimas condições sanitárias de Willowbrook e os abusos contra os internos.
Temendo que as investigações avançassem sobre a contaminação deliberada dos internos, os pesquisadores encerraram o estudo em 1970. As informações sobre a pesquisa, entretanto, vazaram para a imprensa. Em 1972, o repórter investigativo Geraldo Rivera produziu o documentário "Willowbrook: The Last Great Disgrace", exibido em rede nacional pela WABC-TV. O documentário indignou o público, chocado pelos procedimentos antiéticos e condições deploráveis impostas às crianças. Em 1975, o estado de Nova York foi alvo de uma ação coletiva movida pelos pais dos internos. O governo anunciou que encerraria gradualmente as atividades da instituição, mas Willowbrook somente fecharia as portas em 1988.
A pressão popular e as batalhas legais levaram o congresso a aprovar da Lei dos Direitos Civis das Pessoas Institucionalizadas em 1980, estabelecendo parâmetros éticos para as pesquisas com crianças, pessoas com transtornos psiquiátricos e internos de instalações correcionais. Os pesquisadores e autoridades responsáveis pela condução da pesquisa, entretanto, nunca foram punidos. Ao ser questionado sobre o motivo pelo qual os cientistas não realizaram os testes em cobaias convencionais, preferindo usar crianças pobres e com transtornos mentais, Saul Krugman respondeu que animais de laboratório eram "caros demais".
O médico John Charles Cutler participou de um experimento chamado Tuskegee onde negros foram infectados com sífilis nos EUA. Este mesmo médico liderou um experimento similar na Guatemala, infectando desde soldados aliados até crianças guatemaltecas de um orfanato.
Isso aconteceu em 1988, 34 anos atrás apenas.
O filme “Cobaias”, 1997, Anasazi Productions, se baseia no “Estudo Tuskegee de Sífilis Não-Tratada em Homens Negros”, mais conhecido como Caso Tuskegee, que ocorreu no Condado de Macon, Alabama, Estados Unidos, de 1932 à 1972, ele foi uma das transformações que mais contribuiu para o avanço da Bioética, houveram outros estudos relacionados à sífilis antes dele, porém a penicilina ainda não havia sido descoberta (descoberta em 1928, por Alexander Fleming, e utilizada como fármaco a partir de 1941), como o “Oslo Study” e o “Rosahn Study”.
O Caso Tuskegee é comparado a outros estudos, os quais os participantes também não eram informados do experimento, como os estudos realizados na Segunda Guerra Mundial (1939 – 1945), por Hitler em prisioneiros de guerra, na sua maioria judeus, eles eram expostos a temperaturas muito baixas por períodos prolongados; infectados com tifo, malária, e outras doenças para testar drogas e vacinas; esterilização; administrar venenos para estudar seus efeitos letais; testes aplicando corantes químicos em olhos de presos na tentativa de mudar suas cores, experiências com gêmeos, entre outros. Em 1947 médicos do regime nazista são julgados pelos crimes cometidos, elabora-se o Código de Nuremberg, primeiro sistema normativo internacional regulador dos padrões de pesquisas clínicas, nele já se estabelecia que o consentimento voluntário era absolutamente essencial e que o participante tinha direito de ser informado para tomar a decisão. Em 1948 foi elaborado a Declaração Universal dos Direitos do Homem - “Todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos”.
Além disso, a pesquisa passou por vários estágios, sendo os iniciais plausíveis, os objetivos iniciais eram levantar novos fundos para tratar os participantes, pois depois da Crise de 1929 o governo Rosenwald retirou os fundos que auxiliavam a descoberta de novos tratamentos para a sífilis, doença que mais afetava os moradores da cidade de Tuskegee, porém a proteção do indivíduo não era tão importante quanto o interesse da sociedade em mostrar que os negros eram inferiores tanto socialmente, culturalmente, quanto biologicamente. Nenhum deles foi informado sobre o verdadeiro propósito do estudo, eles foram induzidos a acreditar que estavam recebendo tratamento adequado, além de receberem incentivo por parte da enfermeira Eunice Rivers, como conversas, visitas, comida, remédios, seguro funerário, consultas com médicos e exames, quando alguns reclamavam que o tratamento não estava surtindo efeito, que eles tinham dores, a enfermeira dizia que o governo estava gastando com eles, que eles eram ingratos, em 1957 os sobreviventes até ganharam um diploma do Serviço de Saúde Pública Norte-Americano agradecendo a participação de 25 anos no estudo, como se isso fosse o suficiente pelo não tratamento lhes negado; por fim o estudo foi interrompido em 1972 por pressão da sociedade, após divulgação na imprensa leiga. Em 1947 o serviço de saúde pública norte-americana criou "Centros de Tratamento Rápido" para pacientes com sífilis, mesmo assim, todos os indivíduos incluídos no estudo continuavam sem receber tratamento por decisão formal do grupo de pesquisadores, o que no filme é mostrado quando o militar ex-participante do estudo leva seu amigo para tomar a vacina e ele não pode, pois seu nome está marcado para não tomar a vacina, além do fato da influência da enfermeira, Eunice Rivers, sobre os participantes do estudo, eles tinham menos instrução, mostrando que aquele que detém maior grau educacional, é mais confiável. Ela era tão confiável, na visão dos participantes, que até 1952, de 146 óbitos, ela conseguiu a autorização para 145 necropsias.
Foram escritos 13 artigos científicos sobre o estudo, os mais importantes foram os de 1936, 1952 e 1961, e em todos era explicito o não tratamento, por vezes os artigos geraram polêmica, mas esta logo foi superada, mostrando que a história ideológica era muito presente mesmo no mundo acadêmico. Muitas pessoas contraíram sífilis ao longo do estudo, bem como muitos recém-nascidos e o E.U.A. pagaram mais de dez milhões de dólares em indenizações para mais de 6.000 pessoas, mas somente em 16 de maio de 1997 o Presidente Bill Clinton pediu desculpas formais para os cinco sobreviventes que compareceram à solenidade na Casa Branca, isso mostra que ainda há muita hierarquia de valores, perdemos a noção dos direitos dos valores das pessoas. Em relação a este triste caso da história mundial, em 1981 James H. Jones, publicou o livro Bad Blood: The Tuskegee Syphlis Experiment e em 1997 saiu o filme Cobaias, uma forma de tornar mais público o episódio lamentável. O filme em si é bem fiel a história que aconteceu, porém mesmo sendo encarado como um documentário, ele tem um toque de romance que não aconteceu na realidade, talvez para minimizar um pouco a brutalidade da pesquisa.
Esse caso foi fundamental para a estruturação da Bioética, ética em ciência experimental, pois em 1978 houve a publicação do Relatório Belmont, seus princípios eram: respeito pelas pessoas (consentimento livre e esclarecido), ou seja, saber sobre o que se trata, estar ciente da pesquisa, sua finalidade e riscos; beneficência (avaliação da relação custo-benefício), ou seja, vale a pena fazer a pesquisa, os dados serão úteis; e justiça (igualdade de acesso à participação nos estudos e distribuição dos resultados), ou seja, todos têm que ter acesso aos resultados da pesquisa.
Onde estava a Bioética nessa época? Valeu a pena tantas mortes em relação aos resultados que o estudo obteve? Porque tantos tiveram que morrer, não somente nesse caso, mas também em outros como nos experimentos da 2° Guerra Mundial, estudo de células cancerosas vivas injetadas em 22 idosos para testar a imunidade ao câncer, ausência de tratamento de hepatite em crianças com deficiência mental, e outras infectadas deliberadamente com o vírus; infelizmente por causa dessas mortes e dessas pesquisas antiéticas que hoje a Bioética está tão estruturada, por causa deles que hoje para se fazer qualquer tipo de pesquisa, tanto com seres humanos, quanto com animais, existe um Comitê de Ética que avalia a proposta, avalia se vale a pena o estudo, se a metodologia é necessária, quantos indivíduos são necessários, então quem somos nós para julgar se os resultados dessas pesquisas foram válidos para que elas acontecessem, apenas podemos dizer que eles foram válidos para que esse tipo de pesquisa não aconteça mais, para assegurar que as próximas pesquisas não sejam feitas dessa maneira, que elas respeitem os objetos de pesquisa, para que os indivíduos não sejam somente um número, uma estatística, um resultado e sim um ser humano ou animal que acima de tudo merece respeito e tem direito a vida.