quarta-feira, 31 de agosto de 2022

NECROLÓGIO DOS DESILUDIDOS DO AMOR por Fernanda Torres (texto Carlos Drummond de Andrade)

Espero que você saiba que ainda há esperança, ...
Porém, é preciso, necessário, urgente você se tratar. 
Já não temos mais tempo a perder, a vida é finita.
Reaja! Você está se isolando de todos e tudo. 
Morrendo em vida!
Roberta Carrilho



photo by horlo 






Os desiludidos do amor 
Estão desfechando tiros no peito 
Do meu quarto ouço a fuzilaria 
As amadas torcem-se de gozo 
Oh quanta matéria para os jornais 

Desiludidos mas fotografados 
Escreveram cartas explicativas 
Tomaram todas as providências 
Para o remorso das amadas 

Pum pum pum adeus, enjoada 
Eu vou, tu ficas, mas nos veremos 
Seja no claro céu ou turvo inferno 

Os médicos estão fazendo a autópsia 
Dos desiludidos que se mataram 
Que grandes corações eles possuíam 
Vísceras imensas, tripas sentimentais 
E um estômago cheio de poesia 

Agora vamos para o cemitério 
Levar os corpos dos desiludidos 
Encaixotados competentemente 
(Paixões de primeira e de segunda classe) 

Os desiludidos seguem iludidos 
Sem coração, sem tripas, sem amor 
Única fortuna, os seus dentes de ouro 
Não servirão de lastro financeiro 
E cobertos de terra perderão o brilho 
Enquanto as amadas dançarão um samba 
Bravo, violento, sobre a tumba deles


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