O intelectual tinha 91 anos e era considerado um dos principais pensadores do século XX
O filósofo e sociólogo polonês Zygmunt Bauman morreu nesta segunda-feira (9), em Leeds, na Inglaterra, informou o jornal polonês Gazeta Wyborzca. A causa da morte não foi divulgada. Aos 91 anos, Bauman era considerado um dos intelectuais mais importantes do século 20. Ele deixou a mulher, Janine Lewinson-Bauman, e três filhas.
Nascido em Poznan, no oeste da Polônia, em 1925, Bauman fugiu do nazismo, ainda pequeno, com a família para a União Soviética. Lá, serviu na Segunda Guerra Mundial pelo Exército local.
Mais tarde voltou à Polônia, onde foi professor da Universidade de Varsóvia. O que não durou muito. Destituído do posto, teve obras censuradas e foi expulso do Partido Comunista do qual era afiliado.
Em 1968, deixou a Polônia por conta de perseguições antissemitas. Mais tarde, renunciaria à sua nacionalidade e se instalaria em Tel Aviv, em Israel. Anos depois, se fixou Universidade de Leeds, na Inglaterra, onde desenvolveu a maior parte de sua carreira.
Com uma visão crítica da realidade, Bauman era considerado um pessimista.
Um intelectual que se manteve ativo e trabalhando até os últimos momentos de sua vida. Uma de suas teorias mais conhecidas era a da “modernidade líquida” – que compreende um período de intensa mudança na humanidade: tudo que era sólido se liquidificou. De acordo com o conceito, agora “nossos acordos são temporários, passageiros, válidos apenas até novo aviso”.
A filosofia, a cultura, o individualismo, o avanço da desigualdade, a revolução digital, a efemeridade das relações a partir dessa revolução são algumas questões estudadas pelo pensador – que se tornou uma figura de referência em diferentes campos do conhecimento.
A maioria dos livros de Bauman foi traduzida para o português. Seu último título lançado no Brasil foi A Riqueza de Poucos Beneficia Todos Nós? (editora Zahar). Nele, o polonês aborda as atuais consequências do neoliberalismo que triunfou na sociedade capitalista nos aos 80.
O filósofo deu aula em universidades dos Estados Unidos, Austrália e Canadá, sendo professor emérito de sociologia da Universidade de Leeds, onde trilhou a maior parte de sua carreira. Sua obra, que começa nos anos cinquenta, foi reconhecida com prêmios como o Príncipe das Astúrias de Comunicação e Humanidades em 2010, que obteve juntamente com o colega Alan Touraine.
As teorias de Bauman exerceram grande influência nos movimentos antiglobalização. Seus ensaios alcançaram fama internacional nos anos oitenta, com títulos como Modernidade e Holocausto (1989), em que define o extermínio dos judeus pelos nazistas como um fenômeno relacionado ao desenvolvimento da modernidade. Em sua última entrevista concedida ao EL PAÍS, Bauman fez uma dura crítica às redes sociais: "As redes sociais não ensinam a dialogar porque é muito fácil evitar a controvérsia… Muita gente as usa não para unir, não para ampliar seus horizontes, mas ao contrário, para se fechar no que eu chamo de zonas de conforto, onde o único som que escutam é o eco de suas próprias vozes, onde o único que veem são os reflexos de suas próprias caras. As redes são muito úteis, oferecem serviços muito prazerosos, mas são uma armadilha".
Entre suas obras mais significativas, destacam-se Modernidade Líquida (2000), em que afirmava que o capitalismo globalizado estava acabando com a solidez da sociedade industrial; Amor Líquido (2005); e Vida Líquida (2006). Além disso, é autor de títulos como A Cultura Como Praxis (1973, sem tradução no Brasil), O Mal-Estar da Pós-Modernidade (1997), A Globalização: As Consequências Humanas (1998), Em Busca da Política (1999), A Sociedade Individualizada(2001) e Vidas Desperdiçadas (2005).
Entre seus trabalhos publicados em português, também encontram-se Medo Líquido (2006), A Arte da Vida (2008), Desafios do Mundo Moderno (2015) e A Riqueza de Poucos Beneficia Todos Nós? (2015).
Relações, consumo e globalização: 9 pensamentos de Zygmunt Bauman que vão chacoalhar sua mente
A seguir, conheça 9 pensamentos deixados pelo intelectual
1) Sobre identidade e redes sociais
“A diferença entre a comunidade e a rede é que você pertence à comunidade, mas a rede pertence a você. É possível adicionar e deletar amigos, e controlar as pessoas com quem você se relaciona. Isso faz com que os indivíduos se sintam um pouco melhor, porque a solidão é a grande ameaça nesses tempos individualistas. Mas, nas redes, é tão fácil adicionar e deletar amigos que as habilidades sociais não são necessárias. Elas são desenvolvidas na rua, ou no trabalho, ao encontrar gente com quem se precisa ter uma interação razoável. Aí você tem que enfrentar as dificuldades, se envolver em um diálogo [...] As redes sociais não ensinam a dialogar porque é muito fácil evitar a controvérsia… Muita gente as usa não para unir, não para ampliar seus horizontes, mas ao contrário, para se fechar no que eu chamo de zonas de conforto, onde o único som que escutam é o eco de suas próprias vozes, onde o único que veem são os reflexos de suas próprias caras. As redes são muito úteis, oferecem serviços muito prazerosos, mas são uma armadilha.” Trecho extraído de entrevista ao El País.
2) Sobre consumo e poder de escolha
“Numa sociedade sinóptica de viciados em comprar/assistir, os pobres não podem desviar os olhos; não há mais para onde olhar. Quanto maior a liberdade na tela e quanto mais sedutoras as tentações que emanam das vitrines, e mais profundo o sentido da realidade empobrecida, tanto mais irresistível se torna o desejo de experimentar, ainda que por um momento fugaz, o êxtase da escolha. Quanto mais escolha parecem ter os ricos, tanto mais a vida sem escolha parece insuportável para nós.” Trecho extraído do livro Modernidade Líquida.
3) Sobre o sofrimento mediado pelo consumo
“Algum tipo de sofrimento é um efeito colateral da vida numa sociedade de consumo. Numa sociedade assim, os caminhos são muitos e dispersos, mas todos eles levam às lojas. Qualquer busca existencial, e principalmente a busca da dignidade, da autoestima e da felicidade, exige a mediação do mercado.” Trecho extraído do livro Vida Líquida.
4) Sobre redes sociais e privacidade
“Os adolescentes equipados com confessionários eletrônicos portáteis são apenas aprendizes treinando e treinados na arte de viver numa sociedade confessional – uma sociedade notória por eliminar a fronteira que antes separava o privado e o público, por transformar o ato de expor publicamente o privado numa virtude e num dever público (…)” Trecho extraído do livro Modernidade Líquida.
5) Sobre globalização e uma humanidade interligada
“Nós somos responsáveis pelo outro, estando atento a isto ou não, desejando ou não, torcendo positivamente ou indo contra, pela simples razão de que, em nosso mundo globalizado, tudo o que fazemos (ou deixamos de fazer) tem impacto na vida de todo mundo e tudo o que as pessoas fazem (ou se privam de fazer) acaba afetando nossas vidas.” Trecho extraído do livro Modernidade Líquida.
6) Sobre o Brasil
“Vocês estão no caminho certo e eu espero de todo o meu coração que vocês cheguem lá. Eu apenas direi que os representantes de 66 governos do mundo vieram para o Rio de Janeiro para se consultarem, para aprenderem sobre a experiência de retirar 22 milhões de pessoas da pobreza. Ninguém mais repetiu esse milagre, só o Brasil. Desejo que continuem isso, mas também agora algumas deficiências estão vindo à tona”. Trecho extraído de entrevista ao jornalista Alberto Dines, em 2015.
7) Sobre a pós-modernidade globalizada
“Na hierarquia herdada dos valores reconhecidos, a ‘síndrome consumista’ destronou a duração, promoveu a transitoriedade e colocou o valor da novidade acima do valor da permanência.” Trecho extraído do livro Vida Líquida.
8) Sobre relacionamentos em um mundo individualista
"Em nosso mundo de furiosa individualização, os relacionamentos são bençãos ambíguas. Oscilam entre o sonho e o pesadelo, e não há como determinar quando um se transforma no outro. Na maior parte do tempo, esses dois avatares coabitam - embora em diferentes níveis de consciência. No líquido cenário da vida moderna, os relacionamentos talvez sejam os representantes mais comuns, agudos, perturbadores e profundamente sentidos da ambivalência." Trecho extraído do livro Amor Líquido.
9) Sobre relacionamento e riscos
"Não se deixe apanhar. Evite abraços muito apertados. Lembre-se de que, quanto mais profundas e densas suas ligações, maiores os seus riscos. (...) E lembre-se, claro, de que apostar todas as suas fichas em um só número é a máxima insensatez!" Trecho extraído do livro Amor Líquido.
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